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A gestão que transformou o Flamengo e suas lições para o futebol brasileiro

“Paixão e Sucesso”, que chega amanhã às livrarias, retrata a gestão de Eduardo Mello Bandeira (2013-2018) e a revolução de ‘dentro para fora’ do clube, escreve o economista e flamenguista Fabio Giambiagi

Flamengo: um dos destaques da categoria Participações e Mídia indica melhora na governança dos clubes (Flamengo/Divulgação)

Flamengo: um dos destaques da categoria Participações e Mídia indica melhora na governança dos clubes (Flamengo/Divulgação)

Fabio Giambiagi
Fabio Giambiagi

Economista

Publicado em 28 de abril de 2024 às 10h36.

Última atualização em 28 de abril de 2024 às 10h50.

O leitor que gosta de futebol já deve ter feito essa indagação alguma vez na vida: como é que as ligas de futebol da Inglaterra, da Espanha ou da Itália dão rios de dinheiro e aqui no Brasil o futebol é ainda essa bagunça caótica que não consegue realizar nem metade da capacidade de geração de valor que teria se fôssemos um pouquinho mais sérios e organizados? 

Tem mais: deixando de lado a Inglaterra, que tem uma liga sensacional e sempre diversos candidatos possíveis ao título, peço ao leitor que acompanhe meu raciocínio. Palmeiras e Flamengo hoje dominam quase tudo no Brasil, certo? Porém, Corinthians tem potencial para voltar a brilhar, Inter e Grêmio tendem a estar sempre por perto do campeão, Atlético (MG) é uma potência, e por aí vai.

A soma de SP, RJ, MG e RS tem um conjunto de 12 times considerados “grandes”. É verdade que alguns não têm passado por uma boa fase, mas em condições normais, no começo de um campeonato de um futebol organizado, o Brasil deveria ter 7 ou 8 dos 20 times com chances de ser campeão.

Que liga fora tem esse potencial? Espanha? Uma chatice: Barça e Real dividem tudo. França? Só dá PSG. Itália? A Juventus foi campeã durante anos a fio. Se nos organizarmos, em matéria de futebol como projeto de negócios, o Brasil vai voar.

Entendendo que a semente para arrumar o futebol nacional é a organização dos clubes, com Pedro Iootty e Rodrigo Madeira organizamos o livro “Paixão e sucesso – A gestão que transformou um clube” (Editora Lux), que será lançado amanhã (29) na Livraria da Travessa do Leblon, descreve a mudança pela qual o Flamengo passou na administração de Eduardo Bandeira de Mello (2013-2018).

Um simples dado financeiro dá uma ideia do que ocorreu naqueles anos. A relação entre a dívida líquida total do Flamengo e suas receitas recorrentes era de 1,5 em 2012 e caiu para 0,7 seis anos depois. Já a do “Timão” paulista era de 0,4 em 2012 e passou 1,2 em 2018. Talvez isso explique a diferença entre os dois clubes hoje, com um, que se ajustou, disputando campeonatos e o outro lutando para não cair para a segunda divisão.

O livro dá voz aos que participaram daquela gestão, com 11 dos 13 capítulos escritos pelas pessoas que ocuparam cargos de alguma relevância naquela gestão e o complemento de dois excelentes capítulos escritos pela dupla representada por César Grafietti (respeitado consultor em temas financeiros do futebol) e o conhecido jornalista Rodrigo Capelo, um sobre o ambiente internacional e outro sobre a realidade local no que diz respeito à situação financeira dos clubes.

O livro está estruturado em quatro blocos.

O primeiro, com quatro capítulos, trata das ideias gerais que levaram um grupo de profissionais a se unir em 2012 para disputar o poder nas eleições daquele ano do clube e que princípios defendiam. Eles tratam das propostas gerais do grupo, do espírito que guiou aquelas pessoas, da gestão financeira e do investimento feito nas transformações do marketing, como a negociação dos direitos de televisão, e a reformulação do programa de sócio-torcedor.

O segundo bloco, de dois capítulos, sob a ótica de negócios, inclui os citados dois textos de Grafietti e Capelo. É interessante ver como “competição” é a palavra essencial desse processo e aqueles que não se preparam adequadamente acabam ficando pelo caminho.

O Milan, por exemplo, tinha a sétima maior receita do futebol mundial em 1997 e 20 anos depois não estava nem entre as 20 maiores. Já o City fez o caminho inverso, de não figurar nas Top 20 em 1997 a ser a quinta potência 20 anos depois.

O terceiro bloco retrata os caminhos jurídicos traçados, com um capítulo abordando as reformas estatutárias e o segundo outras transformações jurídicas imprescindíveis para o sucesso alcançado.

Finalmente, o último bloco, de cinco capítulos, trata das diferentes áreas do dia-a-dia do clube, cada uma abordada pelo respectivo profissional que participou daquela gestão. Os textos analisam o que foi feito nas áreas de gestão orçamentária, patrimônio, categorias de base do futebol, esportes olímpicos e estratégia de comunicação, essencial hoje no mundo das mídias sociais.

Gestão de futebol é um tema na moda. Da gestão bem-sucedida da Presidente Leila no Palmeiras – com a força econômica que ela levou junto – com exemplos similares no modelo que poderíamos denominar de “mecenato”, até as diversas experiências de SAF, há exemplos de todo tipo.

O caso do Flamengo é singular, porém, porque a mudança foi fruto não do investimento de uma empresa ou empresário rico ou de um investidor que constituiu um CNPJ para administrar um clube sim foi um movimento endógeno.

Se nos tempos de Zico, Adílio e Andrade, nos anos 80, se dizia que “craque o Flamengo faz em casa”, agora o clube bem que pode se orgulhar por ter se transformado “de dentro para fora”, sem a injeção de recursos externos ao clube tomando conta da sua gestão.

O livro foi concebido como uma obra que procura ser útil para quem se interessar em temas de gestão do futebol, como uma espécie de introdução a um MBA sobre o tema. Dele emanam quatro grandes lições:

  1. Planejamento é fundamental: É preciso ter uma estratégia que permita definir um road map claro por onde transitar, para ir passando por etapas e estabelecendo a cada momento o que é prioridade em cada fase.
  2. Resistir é preciso: Uma empresa e o mercado financeiro são guiados por indicadores, que fazem que decisões sejam tomadas, de alguma forma, com base na frieza dos números. Na gestão do futebol, porém, a razão tende a ser atropelada pela emoção constantemente. Bastarão três resultados favoráveis para aparecerem assessores “buzinando” no ouvido do Presidente do clube que a estratégia deu certo e está na hora de relaxar (leia-se: ir ao mercado comprar mais craques a peso de outro). Duas derrotas seguidas ensejarão três ou quatro matérias de jornal mostrando a “falta de sensibilidade” da diretoria com o “difícil momento pelo qual passa o time” e colocando a torcida contra “os fanáticos que não sabem nada de futebol e só pensam em números”. Nessa hora, a direção do clube será submetida a uma dura prova; e
  3. Os resultados demoram a aparecer. O torcedor tende a ser muito imediatista. “Tempo de espera” para ele se mede em meses. Quanto tempo o torcedor espera aguentar sem títulos até uma estratégia amadurecer? Três meses? Um ano? Dificilmente mais do que isso. E, entretanto, como mostra o caso do Flamengo, os resultados distam muito de ser imediatos. O esforço se assemelha ao desse tipo de cultivos onde planta-se hoje mas o fruto do trabalho será colhido apenas 4 ou 5 anos depois. No mundo dos resultados imediatistas do futebol, isso é um imenso desafio.

E, entretanto, como mostram as frequentes provas de reconhecimento hoje do torcedor flamenguista ao Eduardo Bandeira de Mello pelo esforço feito há anos, com o tempo o sacrifício acaba sendo recompensado. O livro pode servir para definir um roteiro para quem quiser entender como essa transformação é possível.

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