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A estratégia do laboratório de inovação Torq para construir a Sinqia do futuro

Transformar a cultura da empresa e construir relacionamento com startups foram os objetivos da 'primeira fase' da vertical; olhar atento está, agora, em tecnologias emergentes

Innecco e Monte: olhar atento dentro e fora de casa para antecipar tendências e trazer novos produtos para o portfólio da companhia (Torq/Sinqia/Divulgação)

Innecco e Monte: olhar atento dentro e fora de casa para antecipar tendências e trazer novos produtos para o portfólio da companhia (Torq/Sinqia/Divulgação)

KS

Karina Souza

Publicado em 8 de agosto de 2022 às 17h00.

Última atualização em 9 de agosto de 2022 às 15h31.

Foi há três anos que Leo Monte, executivo com mais de 10 anos de experiência na liderança de empresas no Brasil e no Vale do Silício, chegou à Sinqia com uma missão e tanto. No aniversário de 23 anos da empresa líder em tecnologia para o mercado financeiro, ele deveria estruturar uma nova vertical, dedicada a acelerar a inovação dentro da empresa. O objetivo era o de ‘beber da fonte’ de startups, entendendo como novas tecnologias eram aplicadas por elas e se poderiam ser adaptadas ao dia a dia da corporação. Depois de um ano de planejamento, nasceu o Torq, laboratório de inovação da companhia. De lá para cá, cumpriu com o que foi estabelecido: investe em mais de 90 startups (de forma direta ou via fundos de investimento) e, além disso, conseguiu aproximar esse universo do dia a dia da companhia – criando desde fóruns de discussão e programas de mentoria até novos produtos. 

O olhar para a cultura dentro de casa foi o que fez a diferença para cumprir com o que se almejava, na visão do executivo. Isso porque, antes de colocar o Torq atual de pé, a Sinqia já estava tentando desenvolver um hub de inovação – parecido com o Cubo, para citar algo similar – mas não estava obtendo os resultados almejados. “O mercado estava tão forte que a inovação estava ficando pouco ‘da porta para dentro’ e entregando muito ‘da porta para fora’. Quando cheguei à companhia e percebi isso, cheguei a um acordo com a diretoria, estabelecendo que antes de a gente investir, acelerar, fomentar P&D, era necessário fortalecer a cultura de inovação aqui dentro. São as pessoas que vão no fim do dia dar tração ao que a gente quiser rodar”, diz Monte, ao EXAME IN.

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Aprovado o plano, foi criado o Torq Labs, que como o próprio nome já anuncia, é um laboratório de inovação e cultura dentro da empresa. Para comandá-lo, chegou à empresa Juliana Innecco, executiva com experiência de trabalho com fintechs e insurtechs. “Brinco que eu sou a funcionária número um do Torq e ele é o número zero”, diz ela, durante a entrevista. Ao mesmo tempo que as iniciativas internas aconteciam, Monte comandava o outro ‘braço’ da vertical, o Torq Ventures, Corporate Venture Capital da Sinqia.

A divisão de trabalho se mantém dessa forma até hoje e, apesar das distinções, trata-se de uma rotina em total sincronia, como ambos mostram durante o bate-papo – ora se alternando, ora completando as frases um do outro. O auge do pensamento compartilhado vem principalmente ao explicar como funciona o dia a dia da vertical e os resultados conquistados até aqui. De olho em explicar nos detalhes cada um deles, a conversa começa com o CVC como alvo principal. 

Lançado em janeiro de 2021 com o objetivo de investir R$ 50 milhões em cinco anos, o Ventures deve fechar 2022 já com a cifra total alocada – e até ultrapassando um pouco esse valor. Como já mencionado, hoje está dividido entre 90 startups, de forma direta e indireta. Em detalhes: três de forma direta e as demais distribuídas entre os fundos Astella, Canary e Parallax. 

O fluxo de investimentos nas startups é o seguinte: depois do contato com as empresas e a avaliação de ambos os executivos de que vale a pena fazer um aporte para acelerá-la, Innecco e Monte levam o pitch a um comitê formado por investidores e conselheiros da empresa, que votam a proposta. Caso seja aprovada, segue para a próxima fase, de negociação de contratos. Por fim, depois de realizado o investimento, a equipe de portfólio da Sinqia acompanha as métricas de crescimento da startup ao longo do tempo.

Um ponto relevante do relacionamento entre o Torq e as startups é o de que a vertical não usa as pequenas empresas para que resolvam somente as dores da companhia. Trocando em miúdos: se o investimento pode resultar em dez oportunidades diferentes de desenvolvimento de produto, a empresa não demanda que todas sejam atendidas de uma só vez. Em vez disso, foca em poucas (duas, dentro do exemplo) que serão desenvolvidas em um primeiro momento, para depois seguir com as demais, sempre garantindo que o resultado final pode ser um produto para outros clientes além da Sinqia. 

Essa estratégia é considerada, pelos executivos, o diferencial do CVC da Sinqia diante da concorrência – até mesmo de firmas que têm bolsos maiores para investir. Somada aos 26 anos de mercado da companhia, traz um ponto relevante para as startups. “A gente costuma dizer que não é a gente quem escolhe, a gente é escolhido. Fizemos um trabalho, em 2021, de execução do nosso plano mas também de difundir o nome do Torq, o propósito, também de difundir o nome da Sinqia aliado à inovação e não só pró-M&A, aliás,  um fator pelo qual a empresa é reconhecida pelo brilhante trabalho que tem feito. Mas para mostrar que é uma empresa de tecnologia pró-empreendedor e traz para dentro não para matar ideias mas para desenvolver novos modelos, acelerar iniciativas”, diz Monte.

A seleção das empresas investidas é feita a partir do relacionamento com instituições relevantes no mercado, aceleradoras, hubs de inovação, outros venture capitals, ligas, boutiques de M&A e outros. Não é feita, entretanto, uma “encomenda” a esses agentes, mas trata-se de um processo mais orgânico, de trocas de conversas mesmo. O tamanho dos cheques também varia de negócio para negócio. Não há um mínimo estabelecido, mas a estratégia é começar com participações minoritárias, principalmente em empresas early-stage, para depois avançar. 

O exemplo mais recente desse processo é o aporte de R$ 3,1 milhões na Data Rudder, startup de inteligência artificial, em fevereiro deste ano. O diferencial da empresa é usar machine learning ao mesmo tempo que permite que pessoas não especialistas em TI consigam visualizar informações relevantes coletadas a partir dos dados de maneira simples. “A startup tinha outras propostas na mesa de empresas maiores até do que nós e optaram por seguir conosco por entenderem que não iríamos acabar com o sonho das fundadoras. Fazemos de tudo para não romper com isso, essa confiança que nos é dada”, dizem Monte e Innecco.

Esse foco no relacionamento de longo prazo já trouxe, também, resultados financeiros para empresas investidas há mais tempo. A Cellcoin, que fornece APIs de pagamentos, bateu recorde de receita no último mês, chegando a R$ 10 milhões. A tecnologia da Sinqia ainda não está embarcada na empresa, mas trata-se de algo a ser feito em breve, já que a startup recebeu a licença para operar como banco. Projetos já estão no papel e o go-to-market deve ser feito pelas duas empresas em conjunto. 

Em uma perspectiva geral, hoje, de todas as startups no portfólio da companhia, metade tem algum tipo de sinergia com o negócio core da Sinqia e, até o momento, todas estão em crescimento – nenhuma delas teve de demitir profissionais, por exemplo.

Em meio a um momento de investidores cada vez mais cautelosos com aportes em startups, os executivos ressaltam que o Torq não procura por empresas que deem lucro na largada como critério principal, mas que tenham uma proposta de valor consistente. Além disso, saber a trajetória profissional dos fundadores (se já atuaram no mercado financeiro ou se querem apenas surfar uma nova) e a capacidade de adaptação da própria empresa ao que a startup oferece.

De olho em ter esse feeling de perto e de aproximar a inovação da empresa, está a vertical de Labs. O objetivo inicial era desmistificar a inovação e mostrar que, sim, era possível trabalhar de uma forma diferente, mais ágil, e ainda assim conquistar resultados. De acordo com Innecco, a estratégia para mostrar que as novidades não estavam restritas somente ao Torq foi um trabalho principalmente de comunidade. 

Na prática, envolve desde ações relacionadas ao dia a dia, como criar grupos no Teams para fomentar a curiosidade das pessoas sobre o tema, até eventos, programas de imersão e um de mentoria com colaboradores de diferentes áreas da Sinqia, que hoje conta com 50 pessoas. “As pessoas estão se engajando cada vez mais. Tivemos um desafio recente, de criar soluções de Previdência e as pessoas passaram uma semana envolvidas com o que as startups poderiam oferecer. É isso que queremos cada vez mais”, diz a executiva.

É uma transformação profunda em relação ao cenário de três anos atrás. Na época em que Monte chegou à companhia, havia um contraste de percepção entre o que a alta gestão da companhia acreditava que era possível fazer e o trabalho do dia a dia dos demais colaboradores. Enquanto quem estava no comando queria incorporar temas como inteligência artificial ao trabalho, a linha de frente estava longe de acreditar que isso seria possível. Daí veio o esforço de promover ações de aproximação entre quem já estava na empresa com o ecossistema de inovação, a fim de trazer de uma forma mais tangível como temas similares a esse poderiam ser encaixados na rotina. 

Futuro

A Sinqia teve, especialmente no ano passado, um ganho substancial de lucro: a última linha do balanço cresceu 307% na comparação com o ano anterior e fechou os 12 meses em R$ 20,2 milhões. Organicamente, o resultado foi influenciado principalmente pelos ganhos no modelo de subscrição de software e de um modelo de gerenciamento de serviços (que fizeram a receita crescer 67,9% na comparação anual). Além disso, a companhia fez cinco aquisições, que também contribuíram para os ganhos de rentabilidade no período. Neste ano, a companhia segue em alta, se destacando no Ibovespa por ser uma das raras companhias de tecnologia que operam no azul, impulsionada pelas mudanças regulatórias do setor e pela necessidade de corporações se adaptarem a novas tecnologias.

Diante desse cenário, o trabalho do Torq daqui para frente deve ser o de ampliar o foco para além de startups que possam agregar eficiência ao que a empresa já oferece -- Banking as a Service, Open Finance e outros temas similares -- para partir a uma visão de 'bola de cristal', no sentido de entender novas demandas e tentar antecipar teses que possam se tornar produtos de sucesso no futuro. 

“Hoje a gente vê um entendimento maior, com benchmarkings, de como aplicar tokenização, de como usar blockchain,do que há três anos.  Vamos construir uma nova tese a cada três anos, de modo geral. Se não formos nós as pessoas a entregarem inovações, tecnologias e novos modelos, quem vai fazer? Temos esse papel de gerar valor para a carteira e repensar nosso dia a dia a todo tempo”, diz Monte. 

Além disso, a vertical também deve se envolver cada vez mais no apoio a reguladores para a criação de novas regras no setor. Hoje, a Sinqia (e o Torq) já tem um projeto com a RTM para acelerar o Open Investment. Este ano, o Torq também se tornou mantenedor do Next, programa de aceleração da Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac). A vertical também se relaciona com instituições como a Anbima e Abrapp.

Pensar o que o Torq vai se tornar nos próximos cinco anos envolve um desafio e tanto, especialmente em um ambiente de rápidas mudanças como o atual. Mas os executivos dão alguma pista do que vem pela frente. Além do olhar de “bola de cristal” para reconhecer novas tecnologias promissoras cada vez mais cedo, a vertical deve começar a se relacionar com startups de fora do Brasil. Não vai ser um processo do zero, já que a a vertical mantém contato com a Plug and Play Tech Center, plataforma de inovação global que conecta empresas a startups no Vale do Silício. Em relação aos principais pontos que miram com o relacionamento internacional, estão Web3, Blockchain, inteligência artificial, bitcoin e  descentralização de modo geral. 

Esse novo foco deve conversar cada vez mais com a missão que a companhia tem ‘da porta para dentro’ ao longo dos próximos anos. Como uma empresa que faz aquisições desde 1996, a Sinqia é amplamente reconhecida pela capacidade de integrar companhias ao portfólio. Agora, é papel do Torq, em linhas gerais, construir a 'Sinqia do amanhã', fomentando novos modelos de olho em acelerar novas linhas e formas de receita, colaborando para construir uma companhia cada vez mais moderna e atenta ao seu tempo. 

 

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