Novas regras do CMN apertam o cerco para títulos incentivados do mercado imobiliário e do agronegócio (Crédito: GettyImages) (smartboy10/Getty Images)
Repórter Exame IN
Publicado em 3 de fevereiro de 2024 às 07h14.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2024 às 17h54.
Em uma das mudanças mais importantes para o mercado de crédito nos últimos anos, o Conselho Monetário Nacional (CMN) restringiu o uso de instrumentos isentos de imposto de renda voltados para o agro e o setor imobiliário – os LCAs, LCIs, CRIs, CRAs e LIGs que dispararam nos últimos anos e chegaram a um estoque de mais de R$ 1 trilhão.
A mudança já provocou alvoroço nas primeiras 24 horas, com reprecificação dos títulos incentivados que ainda vão ficar disponíveis.
Se por um lado, a medida deve significar funding mais caro para bancos e empresas que usavam os instrumentos muitas vezes para financiar capital de giro, por outro deve provocar uma migração de investidores, especialmente pessoas físicas, para debêntures de infraestrutura, além de fundos de ações, crédito e multimercado.
A nova resolução da CMN fecha uma torneira que foi aberta em definitivo pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2022, ao autorizar que esses recursos pudessem ter o chamado “lastro por destinação”. Em bom português, uma empresa não necessariamente precisaria pertencer ao setor de agro ou imobiliário para se beneficiar dos instrumentos, mas podia usá-los de que empregasse os recursos em um desses setores.
Agora, para CRAs e CRIs os recursos só poderão ser tomados por empresas que tiverem uma atuação preponderante tanto no setor imobiliário quanto no agronegócio.
"O CMN fechou as brechas das operações que estavam sendo usadas de maneira isenta para financiar capital de giro, uma linha de crédito que o investidor normalmente pagaria imposto de renda. A natureza do CRI, do CRA, dos FIIs e Fiagros é fomentar a aquisição de ativo fixo, plano safra, construção civil e não capital de giro", diz um gestor.
Alguns exemplos dessa torneira aberta seriam os “CRAbêntures” e “CRIbêntures”, que unem uma securitização de uma debênture para emitir um título isento mais barato. Sem falar nos CRIs de aluguel, usados por empresas de diferentes setores — como Dasa, Rede D´Or e Smartfit — para conseguir crédito securitizando os aluguéis a serem pagos.
"O fim dos CRIs de aluguel já era algo mais esperado pelo mercado dentro da nova regra", diz Thiago Giantomassi, sócio do Demarest Advogados.
Alguns outros pontos, no entanto, pegaram o mercado mais de surpresa. Por exemplo: os bancos não vão poder mais emitir CRAs e CRIs usando letras financeiras como lastro. Além disso, as emissões não vão poder estar relacionadas a reembolsos de dinheiro tomado para atividades no agronegócio ou no setor imobiliário. Antes, era permitido usar como lastro reembolso de despesas de até 24 meses anteriores.
"Esses pontos vão restringir uma série de operações que já estavam no pipeline", diz Henrique Lisboa, sócio do VBSO Advogados.
No caso dos títulos bancários (LIG, LCI e LCA), o CMN entendeu que existia um duplo benefício sendo usado. Os títulos eram captados a um custo baixo, por vezes inferior ao CDI, e sem a necessidade de fazer depósitos compulsórios a partir dos montantes captados – já que o agro e o imobiliário fazem parte do rol de créditos direcionados.
Com a nova resolução, os LCAs têm obrigação de alocação de recursos no agronegócio. Já os LCIs não poderão mais ser usados para operações de empresas sem conexão com o mercado imobiliário, mesmo que elas sejam garantidas por imóveis. Nas contas do BC, apenas 15% a 20% das LCIs já emitidas tinha uma destinação de fato vinculada ao setor imobiliário.
O BC também elevou o prazo mínimo de vencimento das LCAs e LCIs de 90 para 270 dias e 360 dias, respectivamente e decidiu que crédito direcionado não pode mais ser lastro para LCI, LCA e LIG.
A nova regra limita principalmente a emissão de novos títulos. Com isso, o estoque no mercado já está se ajustando. "Como a emissão vai ficar muito mais restrita, quem tem só vai vender se for um preço que fique indiferente para ir para uma opção não isenta. Em um título de cinco anos, houve um ganho de 1,5% a 2,5% nesses títulos só ontem, porque eles passam a ficar mais caros", diz um gestor.
A questão agora é onde vai parar a alocação de pessoas físicas, que respondiam pelo grosso das ofertas primárias. De janeiro a outubro de 2023, esse grupo absorveu 67,6% do volume de emissões de CRA e 40% das emissões de CRI. É um patamar que se mantém consistentemente alto ao longo dos últimos cinco anos.
A expectativa é o dinheiro possa ser direcionado, em parte, aos fundos de investimento — boa notícia para assets e plataformas de investimento atendem esse público --, com destaque para as debêntures incentivadas, voltadas para infraestrutura, que seguem com isenção fiscal.
"Por que não se mexeu nas debêntures incentivadas [nessa nova regulação]? Porque é um instrumento genuíno. Está bem feito. Em termos de prazo, de indexação, de setores, portarias. Há um déficit gigantesco de financiamento para esse setor e essa alternativa já ficou comprovada", aponta outra fonte do setor, para quem as cotas de fundos de debêntures incentivadas devem ter um repique para cima.
Uma das dúvidas do mercado é para onde deve ir o dinheiro dos fundos exclusivos, que agora serão tributados. A expectativa era que parte desses recursos fosse para títulos incentivados – cuja oferta agora será mais restrita. Hoje, o patrimônio em fundos exclusivos é de cerca de R$ 110 bilhões.
Para a indústria de fundos de crédito em si, o efeito deve ser mais marginal. "O maior efeito mesmo está na distribuição de produtos de empresas abertas nas plataformas de investimento. Nos fundos, é claro, existe um efeito colateral de ter uma carteira que precisa ser renovada e que será em uma velocidade menor", diz Evandro Buccini, sócio da Rio Bravo Investimentos.