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A cannabis legal está (finalmente) chegando à Holanda

É comum achar que a maconha é legal na Holanda. Não é – mas o cenário está prestes a mudar, com um piloto que dá permissão para produtores fornecerem para os coffee shops

Cannabis: comércio está prestes a sair da clandestinidade (Carol Sachs para Bloomberg Businessweek/Site Exame)

Cannabis: comércio está prestes a sair da clandestinidade (Carol Sachs para Bloomberg Businessweek/Site Exame)

Bloomberg Businessweek
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Publicado em 19 de novembro de 2023 às 10h25.

Última atualização em 11 de dezembro de 2023 às 17h20.

É um erro comum achar que a maconha é legal na Holanda. Não é. Durante cinco décadas, a política oficial do país tem sido tolerar a venda de pequenas quantidades de maconha nos estabelecimentos conhecidos localmente como “coffeeshops”. No entanto, a posse de mais de 5 gramas é ilegal, assim como o cultivo comercial – embora, na prática, as autoridades façam vista grossa.

Agora o comércio de cannabis está prestes a sair da clandestinidade. A partir de meados de dezembro, um grupo de três empresas aprovadas oficialmente pelo governo terá permissão para cultivar e fornecer maconha para as cafeterias pela primeira vez.

Hoje, o mercado clandestino de cannabis nos Países Baixos vale cerca de € 1,3 bilhão por ano. Pesquisadores da Prohibition Partners, empresa de dados sobre cannabis, preveem que, no primeiro ano, as vendas regulamentadas podem atingir  €158 milhões e, se o piloto for bem-sucedido, o país “se tornará rapidamente um dos maiores mercados legais de cannabis na Europa, com vendas superiores a € 250 milhões em 2027” nas cidades participantes da pesquisa.

Anos de pressão dos prefeitos de pequenas cidades e campanhas dos produtores acabaram por mudar os ventos políticos em favor dos defensores da cannabis.

A Holanda está “paralisada” há muito tempo, diz Rick Brand, proprietário da cafeteria Baron, em Breda, um dos primeiros locais que irá estocar o produto de acordo com a regulamentação. “Sempre tive orgulho de vender cannabis. Nunca me pareceu criminoso e agora o resto do mundo está chegando à mesma conclusão.”

Em 2020, o governo selecionou 10 produtores para participarem do piloto, incluindo as empresas internacionais Village Farms International, do Canadá, e CanAdelaar, que tem operações no Canadá e na Áustria. Oito empresas holandesas também estão incluídas. Algumas foram recentemente estabelecidas, enquanto outras tiveram operações separadas de maconha medicinal.

O piloto começará em pequena escala, com três dos produtores – CanAdelaar, Fyta e Aardachtig – fornecendo para as cafeterias em Breda e Tilburg. No final do primeiro trimestre de 2024, o piloto deverá expandir-se para mais nove cidades, incluindo a zona leste de Amsterdã. Os proprietários de cafeterias em todas as cidades participantes serão obrigados a comprar apenas de produtores autorizados, após um período inicial de transição. Após, pelo menos quatro anos, o governo avaliará os resultados da experiência e determinará se irá alterar formalmente a legislação sobre a cannabis.

O ministro da Saúde da Holanda, Ernst Kuipers, afirma que o objetivo do piloto é criar um sistema fechado para “controlar todo o caminho desde o cultivo até o usuário final”. Ao longo do caminho, o governo irá analisar o impacto no mercado ilegal e no crime, na saúde pública e nos consumidores. “Somos pioneiros há muitos anos”, diz Kuipers. “As pessoas estão acostumadas com isso, o que limita o uso geral”.

Ele compara a abordagem que os Países Baixos estão adotando com a do Canadá, onde existe cultivo comercial licenciado e regulamentos relacionados com o cultivo de plantas em casa para uso pessoal. O Canadá não teve um grande aumento no uso após a legalização em 2018. Do ponto de vista econômico, a legalização trouxe benefícios. Um estudo mostrou que a cannabis contribuiu com C$43,5 bilhões (US$ 31,6 bilhões) para o PIB do Canadá e C$15.1 bilhões para os cofres do governo nos primeiros três anos.

O piloto holandês não é o único na Europa neste momento. A Suíça também está testando um mercado recreativo. Alemanha e República Checa estão considerando novas propostas para regulamentar o consumo pessoal de cannabis. Mas, no caso dos Países Baixos, foram necessários cinco anos e vários governos de coalizão para que o piloto fosse iniciado.

A Fyta estava pronta para começar a distribuir para cafeterias em maio de 2022, mas teve que esperar que os outros produtores começassem a trabalhar. “Há mais de um ano que não fazemos nada”, afirma o CEO, Fred van de Wiel. Ele diz que os atrasos custaram milhões de euros à empresa.

Jetze de Raad, CEO da Holigram, marca sob a qual a Grassmeijers opera, diz que tinha um orçamento inicial de cerca de € 25 milhões para a instalação e pretende que as primeiras mudas de marijuana sejam semeadas em fevereiro. Nesse ínterim, ele precisou superar vários obstáculos.

Para alguns produtores, algo aparentemente tão simples como abrir uma conta bancária revelou-se “muito problemático”, diz De Raad. Os bancos estão preocupados com lavagem de dinheiro e a indústria da cannabis. O transporte seguro dos produtores até as cafeterias também tem sido um problema, diz ele. Uma cláusula governamental importante durante o piloto foi garantir que a cannabis não pudesse ser facilmente roubada, um pleito particularmente caro aos produtores.

E há, é claro, a inflação. “Todos os preços subiram”, diz De Raad, citando o aumento do custo dos materiais de construção e da eletricidade que são necessários para alimentar a iluminação, a irrigação e os sistemas de aquecimento.

A Village Farms, fundada por imigrantes holandeses dos EUA e do Canadá, cultiva tomates, além de cannabis, em Quebec e na Colúmbia Britânica. A empresa abriu o capital na Nasdaq em 2019. “É quase como voltar para casa”, diz Orville Bovenschen, vice-presidente de desenvolvimento de negócios e operações na Europa, da Village Farms. “Gostamos de atuar em mercados onde conhecemos as regras, e na Holanda as regras estão sendo definidas como um mercado estabelecido.”

A empresa passou a fazer parte da experiência holandesa ao adquirir uma participação majoritária na Leli Holland, à qual foi concedida uma das licenças finais do piloto. A Village Farms não espera realizar sua primeira colheita antes do quarto trimestre do próximo ano e pretende ter fluxo de caixa positivo até o segundo ano de produção em 2025.

Pesquisadores da Prohibition Partners moderaram suas projeções para os primeiros dois anos do teste holandês com base na expectativa de que os 10 produtores continuarão enfrentando obstáculos na cadeia de abastecimento. Também competirão com fornecedores estabelecidos no mercado negro porque nem todas as regiões do país participarão da experiência, afirma Lawrence Purkiss, analista-chefe da Prohibition Partners. Não obstante, diz ele, o piloto holandês é “certamente animador, porque está numa escala muito maior do que o da Suíça.”

Para muitos dos produtores participantes, a legalização total precisa acontecer o quanto antes. “Acho que muitas pessoas não entendem o quão inovador isso realmente é”, diz Bovenschen, acrescentando que o piloto marca uma “mudança completa da situação em que sempre estivemos politicamente”.

O que vai mudar é a produção em grande escala de cannabis, atraindo para o cenário grandes empresas internacionais e mais produtores profissionais. “Acho que todo o sistema vai subir de nível e, com esse aumento, quero dizer que haverá muito mais profissionalismo entrando no segmento”, diz Bovenschen. “As pessoas que trabalham para nós têm MBA. A maioria das pessoas são biólogos botânicos com doutorado. Existe um grupo diferente de pessoas entrando na indústria agora.”

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