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Arrogância política, câmbio, fadiga de reformas: a anatomia da derrota de Milei em Buenos Aires

E por que o partido do presidente ainda tem chances nas eleições do Congresso em outubro

Javier Milei: Seu partido teve apenas 34% dos votos na província de Buenos Aires, contra 43% do peronismo (Tomas Cuesta/Getty Images)

Javier Milei: Seu partido teve apenas 34% dos votos na província de Buenos Aires, contra 43% do peronismo (Tomas Cuesta/Getty Images)

Natalia Viri
Natalia Viri

Editora do Exame INSIGHT

Publicado em 8 de setembro de 2025 às 14h52.

Última atualização em 8 de setembro de 2025 às 15h52.

A derrota de Javier Milei em Buenos Aires foi um choque tanto para o governo quanto para os investidores. O peronismo obteve quase 47% dos votos para o Legislativo da província, contra 34% de seu partido La Libertad Avanza (LLA). A diferença de 13 pontos superou com folga o que apontavam as pesquisas, que estimavam algo próximo de 5 pontos, e desencadeou nova rodada de pessimismo nos mercados.

O índice Merval chegou a cair mais de 13%, o ETF ARGT, que mede o desempenho da bolsa argentina em dólares, recua mais de 10% e os títulos soberanos argentinos cederam em toda a curva. O dólar oficial sobe 6%, já próximo ao teto da banda cambial.

Mais do que o resultado do pleito, a dúvida é se Milei terá condições de sustentar a sua agenda de reformas após as eleições legislativas nacionais de outubro, quando metade da Câmara e um terço do Senado serão renovados.

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O presidente reconheceu a necessidade de “autocrítica”, mas sinalizou que vai manter seu programa de controle fiscal e sua política cambial.

E é justamente aí que o Milei deveria concentrar a reavaliação de rota, ponderam especialistas. A economia vem cada vez mais fraca: depois de uma forte recuperação na economia, o crescimento empacou em abril e vem recuando nos últimos dois meses, graças em grande parte à política monetária e cambial, aponta o BTG Pactual (do mesmo grupo de controle de EXAME).

“O governo implementou tantas mudanças no framework monetário que deixou a impressão de estar improvisando em uma questão séria. O time econômico tem consistentemente culpado o risco político por tudo, quando pelo menos parte do problema com o design mal-concebido do programa”, afirmaram os analistas Andres Borenstein e Sofia Ordonez em relatório.

“As mudanças podem ter que incluir menos intervenção no câmbio (deixando-o flutuar) para evitar mais perda de reservas.”

A fadiga de reformas argentina

Robin Brooks, do Brookings Institute, que já foi estrategista de câmbio da Goldman Sachs e economista-chefe do Instituto Internacional de Finanças (IIF) vai na mesma linha: para não ter o mesmo destino de seus predecessores, Milei precisa deixar o peso flutuar.

“As eleições de ontem na província de Buenos Aires mostram que a Argentina está novamente ficando sem paciência com a realidade dolorosa de uma reforma”, afirma.
“A forma como as coisas estão caminhando com Milei é apenas um replay do que veio antes, começando com uma explosão inicial de entusiasmo e apoio popular, que inevitavelmente se transforma em ressentimento e turbulência.”

Milei começou com uma grande desvalorização em janeiro de 2024, corrigindo a depreciação acumulada sob seu antecessor. Mas, em vez de deixar o peso flutuar, adotou o sistema de crawling peg, com depreciações controladas em relação ao dólar americano.

O efeito é conhecido: a inflação corroeu rapidamente os ganhos da desvalorização inicial e a taxa de câmbio real efetiva voltou ao patamar pré-ajuste. Agora, o peso segue sobrevalorizado, sufocando exportadores e retirando da economia a única âncora de competitividade que poderia tornar as reformas mais palatáveis para a população, afirma.

“O tipo de reforma profunda de que o país necessita já é suficientemente doloroso; fazê-lo com uma taxa de câmbio sobrevalorizada é uma loucura”, disse Brooks em um texto publicado no Substack.

Arrogância política

De acordo com o BTG, além da economia, há três outros fatores por trás da perda de apoio de Milei.

A primeira é de ordem estritamente política, com um bom grau de amadorismo na hora de conduzir as eleições. “Na sua arrogância, o governo falhou em respeitar a liderança local. Milei parece ter perdido uma boa parte dos votos daqueles que o deram apoio na corrida de 2023.”

Várias sessões eleitorais sem fiscais da LLA para monitorar o processo de votação e o governo tampouco fez esforços coordenados para mobilizar pessoas a votar. “A disputa interna dentro do governo também fez com que os membros da LLA não participassem ativamente da campanha, além de postar no X.”

Houve ainda falta de sensibilidade a questões sociais, apontam Borenstein e Ordonez. “Algumas medidas, como a recusa de dar apoio a financiamento para um hospital pediátrico, tinham impacto fiscal limitado, mas carregavam um custo alto em termos de apoio público. O peronismo usou essas iniciativas como parte de sua plataforma de campanha.”

As alegações de corrupção envolvendo o círculo íntimo de Milei – que entrou na política como um outsider que prometeu mudar a corrupção – também tiveram peso.

Ainda assim, o banco vê a possibilidade de reversão do cenário nas eleições de outubro, se Milei tomar as decisões corretas, o que, além do câmbio, envolve também um discurso político mais moderado.

O Bradesco BBI discorda. Milei chegou a afirmar que os 37% da LLA em Buenos Aires, poderiam ser lidos como um “piso” para a disputa nacional, dado o histórico da província como reduto peronista.

“A narrativa do governo de um ‘piso nacional’ contrasta com os 50% de votos obtidos em 2023, sugerindo uma perda de ‘swing voters’ e uma retração da base ‘hard core’ de Milei”, escrevem os analistas do banco.

O modelo proprietário do BBI agora mostra a LLA com 26% das cadeiras no Congresso depois das eleições, bem abaixo de um terço necessário para bloquear vetos a decisões presidenciais.

Quando combinado com o PRO, também de direita, o patamar chega a 35%, o que ainda forçaria o governo a negociar com governadores das províncias. A oposição, por outro lado, cresceria para cerca de 43%, o que complicaria a agenda de Milei em 2026.

“Mesmo no nosso cenário mais otimista a LLA não chegaria a um terço sozinha, e a oposição ainda ficaria forte no Congresso (com cerca de 40%)”, ponderam os analistas do BBI.

As próximas sete semanas serão cruciais na Argentina e cercadas de incertezas. Mas em uma coisa os analistas concordam: se houver algum alívio para os ativos, ele só deve vir depois das eleições de outubro.

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