BYD: 'devagar e sempre', montadora cresce no mercado brasileiro; a mira, agora, está apontada para o público corporativo (Marcio Bruno Oliveira/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 12 de julho de 2022 às 11h00.
O primeiro carro para transporte por aplicativo já vai chegar ao Brasil. A 99, por meio da Aliança pela Mobilidade Sustentável, e a BYD (iniciais de Build Your Dreams), fabricante de carros elétricos chinesa que já superou a Tesla, anunciam nesta terça-feira uma parceria para trazer o veículo D1 EV ao país. O modelo foi projetado a partir de uma parceria da montadora chinesa com a DiDi Chuxing (dona da 99) e já nasceu sob medida para atender ao mercado de apps. Por enquanto, o projeto está em fase de testes com apenas um veículo rodando em São Paulo com um motorista da 99, mas a ideia é trazer cada vez mais unidades ainda em 2022, segundo comunicado assinado por ambas as empresas.
O carro vem com tecnologias de assistência ao condutor com configurações de segurança top de linha, como piloto automático adaptativo e aviso de colisão com pedestres. Além disso, o design das portas deslizantes facilita o embarque e o desembarque rápido. O design ergonômico também ajuda os motoristas durante as longas jornadas na direção. O motor entrega 130 cv de potência, com velocidade máxima limitada a 130 km/h. As baterias Blade garantem autonomia para 371 quilômetros.
De acordo com a BYD, a ideia, no futuro, é disponibilizar o novo modelo para o segmento corporativo e de empresas em geral, “além de aplicativos de transporte, locadoras de veículos e órgãos públicos”, de acordo com nota enviada ao EXAME IN. A empresa não divulga, por outro lado, quantas unidades virão para o Brasil e nem uma projeção de vendas do novo modelo. O que se sabe é que os veículos serão importados da China – e que há um precedente positivo dos veículos da BYD no país.
O D1 EV será o terceiro automóvel da marca lançado no Brasil (os primeiros foram o SUV Tan EV e o sedã Han EV, que esgotaram ainda na pré-venda). Além deles, a BYD também começará a comercializar o furgão elétrico eT3 em breve, ampliando ainda mais o portfólio da marca no país. A companhia tem uma trajetória de crescimento sustentado no país – o foco é a liderança, claro, mas em uma estratégia muito mais de passo a passo do que de investir tudo de uma vez só.
A montadora chegou ao país em 2015 para montar a primeira fábrica de ônibus 100% elétricos, localizada em Campinas (SP). Dois anos depois, abriu outra fábrica para produzir os módulos fotovoltaicos nacionalmente, por meio da subsidiária BYD Energy. Em 2020, a empresa abriu a terceira fábrica, no Polo Industrial de Manaus, dedicada à produção de baterias de ferro-lítio. A expertise de longa data com elétricos fez com que a companhia ainda fosse além dos carros no Brasil, sendo responsável por dois projetos de monotrilho, um em São Paulo e outro em Salvador.
O primeiro passo para vender carros elétricos no Brasil veio só em novembro de 2021, com a apresentação do primeiro modelo e a nomeação da EuroBike como a primeira concessionária de automóveis elétricos da marca no Brasil. De acordo com informações divulgadas à imprensa, a meta é contar com uma rede de 100 concessionárias e ter 45 pontos de vendas no Brasil até o fim do ano que vem.
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O investimento para crescer no Brasil não vem à toa. A BYD está em um dos melhores momentos de sua trajetória na China, mesmo com os recentes lockdowns que afetaram o país. Com um crescimento de 160% ao ano e sócios de renome, como o bilionário Warren Buffett, a empresa já deixou a Tesla para trás. De acordo com dados da China Passenger Car Association, a montadora chinesa vendeu 113,7 mil veículos elétricos em maio deste ano, aumento de 159,5% em relação ao mesmo período do ano passado.
Com os números, a empresa perde somente para a FAW, que tem o governo como dono, e que vendeu 150 mil carros no mesmo mês (um aumento de 10% na comparação anual). Um dos pontos que jogou a favor da BYD durante o lockdown foi o incentivo do governo para que a população comprasse carros, com redução de impostos para veículos que custassem menos de US$ 45 mil. O preço inclui a maior parte dos ativos da BYD no país, enquanto deixa de fora a maior parte dos veículos comercializados pela Tesla, por exemplo.
No acumulado de seis meses, a montadora chinesa vendeu 641 mil veículos, 300% mais do que no mesmo período do ano anterior, superando mais uma vez a Tesla, que vendeu 564 mil.
Além disso, a empresa aproveita a onda para surfar um mercado extremamente promissor. Um estudo feito pela KPMG no último ano mostra que esses veículos vão representar metade das vendas nos Estados Unidos, Japão e China e 49% na Europa. No fim de 2021, as vendas representam 10% do total de vendas. Ainda assim, o desafio permanece: conseguir fazer com que os veículos demorem menos de 30 minutos para carregar e saber o que será feito com o descarte das baterias são pontos incertos não só nesses mercados, mas em escala global.
É aí que a parceria com a 99 entra em cena. A empresa de transporte por aplicativo é a fundadora da Aliança pela Mobilidade Sustentável, uma iniciativa que reúne diferentes montadoras para acelerar a infraestrutura de veículos elétricos no país. Hoje, além da BYD, participam: CAOA Chery, Ipiranga, Movida, Unidas, Raízen, Tupinambá Energia e Zletric.
A iniciativa foi replicada na China e já trouxe resultados relevantes por lá, de acordo com a companhia. Um deles é a quantidade de veículos elétricos em circulação. Hoje, representam 14% do total na cidade de Shenzhen (ou 480 mil veículos). Em 2021, as vendas de veículos elétricos responderam por 46% do total na cidade. “Com base nas experiências com o D1 na China, estamos aptos a falar sobre o que realmente funciona, em termos práticos, para os motoristas parceiros e passageiros, e para a indústria como um todo. Por isso, estamos trabalhando juntos para que o modelo seja uma realidade no Brasil ainda neste ano”, afirma Thiago Hipólito, diretor de inovação e do DriverLAB na 99.
Garantir o avanço rápido e contínuo dos carros elétricos no país é um baita desafio, especialmente considerando o curto prazo -- e o preço que esses veículos têm no país. Ainda assim, a companhia chinesa tem diferenciais que não passam despercebidos: o fato de que não depende de um fornecedor externo para produzir as baterias, mas as fabrica ‘dentro de casa’. Além disso, a companhia tem, também de forma verticalizada, a unidade de fabricação de chips, um dos maiores gargalos para a indústria automobilística recentemente.
Todos esses fatores, em conjunto, são analisados com cada vez mais cuidado e curiosidade por investidores, o que já se traduz no preço dos papéis da companhia. As ações estão cotadas a 270,20 dólares de Hong Kong, valor mais próximo da máxima do último ano (333 dólares de Hong Kong) do que da mínima, de 165 HK$. Hoje, a BYD é avaliada na bolsa de Hong Kong a 901,22 bilhões HK$ (cerca de R$ 619,3 bilhões).
As intenções são boas, o precedente da companhia no país é bom, mas mesmo com todos os fatores em jogo, o Brasil apresenta peculiaridades que os demais mercados (chinês, norte-americano e europeu) não apresentam, sendo a principal delas o consumo de etanol. A BYD tem uma larga e vasta experiência com baterias de íon-lítio, mas diante de custos crescentes e do hábito do consumidor brasileiro com o combustível que vem da cana-de-açúcar, uma questão a ser resolvida para o futuro é como (e se) a montadora vai desenvolver novas baterias à base de etanol para operar no país, por exemplo.
Além disso, a questão da infraestrutura de carregadores e do desempenho que os veículos terão no país também permanece sob observação. O Brasil não tem, ainda, uma ampla rede de carregadores nem mesmo nos grandes centros urbanos, uma questão que piora ainda mais em cidades menores. A companhia também vai ter de driblar esse desafio, a exemplo do que outras montadoras vêm fazendo.
O que se sabe, ao menos por enquanto, é que se a BYD continuar na trajetória de crescimento e de sucesso que obteve até agora, o futuro da operação da companhia (e dos carros elétricos) no Brasil tende a ser cada vez mais promissor. O tamanho do mercado que a companhia vai conseguir abocanhar por aqui é incerto, mas deve tornar, de todo modo, a competição cada vez mais acirrada.
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