Efeito das tarifas? experiências anteriores revelam é que, embora o discurso mude de tom, os efeitos das tarifas costumam seguir um padrão conhecido (Mandel Ngan/AFP)
Redatora na Exame
Publicado em 7 de abril de 2025 às 14h15.
Última atualização em 7 de abril de 2025 às 16h52.
A mais recente ofensiva tarifária dos Estados Unidos, encabeçada pelo governo de Donald Trump, provoca reações internacionais e críticas internas — reacendendo uma discussão antiga no país.
Assim como em 1890 e 1930, as tarifas de 2025 são defendidas com discursos patrióticos e promessas de prosperidade: proteger os trabalhadores americanos, estimular a produção interna e conter o avanço de concorrentes estrangeiros. Mas o que as experiências anteriores revelam é que, embora o discurso mude de tom, os efeitos das tarifas costumam seguir um padrão conhecido.
É isso que mostra um estudo publicado pela FDRA, a maior entidade da indústria calçadista americana, uma das mais afetadas por tarifas de importação — hoje, segundo a associação, 99% dos calçados vendidos nos EUA são fabricados fora do país. O relatório foi elaborado por Andy Polk, vice-presidente sênior da FDRA, mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics e ex-assessor no Congresso dos Estados Unidos.
A análise percorre os seis principais episódios de guerras tarifárias enfrentadas pelos EUA desde 1776. Com base nessa retrospectiva, a FDRA elenca 10 lições que ajudam a prever os possíveis impactos das tarifas sobre os consumidores, o agronegócio, as cadeias de suprimento, a política externa e o eleitorado. A seguir, veja quais são essas lições.
Em todos os grandes ciclos tarifários dos EUA, o setor agrícola saiu perdendo, segundo o relatório da FDRA. Desde 1828, quando o Reino Unido freou importações e derrubou preços de commodities, até 1930, quando o senador Robert La Follette classificou a tarifa Smoot-Hawley como “a pior da história”, o padrão se repete: mais custos para os produtores e menos acesso a mercados externos.
O cenário atual não é diferente. As tarifas de 2025 já encarecem insumos como o potássio — essencial para as lavouras americanas e majoritariamente importado do Canadá. Com o aço e o alumínio também taxados, até o preço de tratores pode subir. Um líder rural do Kansas alertou: “As tarifas vão nos prejudicar”. A resposta de Trump foi direta: “Divirtam-se”.
Não importa a década: tarifas elevam os preços ao consumidor. Em 1828, elas encareceram tanto os insumos para fabricantes locais quanto os produtos importados. Em 1890, itens do dia a dia como roupas, açúcar e enlatados ficaram mais caros — por serem taxados ou por perda de concorrência externa.
O mesmo aconteceu em 1930: segundo estudo da Universidade de Wisconsin, a tarifa sobre o açúcar custou aos americanos US$ 384 milhões por ano. Já em 2018 e 2019, pesquisas do Federal Reserve mostram que quase todo o custo tarifário foi repassado aos consumidores, com aumentos em eletrodomésticos, roupas e móveis.
Agora, em 2025, o efeito se repete. Relatórios já alertam para alta em alimentos, impacto sobre fábricas e prejuízo direto ao bolso: as tarifas de Trump sobre Canadá, México e China podem custar mais de US$ 1.200 por ano por família americana, segundo estudo do think tank americano Peterson Institute for International Economics.
A história mostra que as tarifas americanas são seguidas por respostas duras de parceiros comerciais. Em 1828, o Reino Unido aumentou as taxas sobre o algodão americano e reduziu compras de tabaco.
Já em 1890, o McKinley Act impulsionou o protecionismo do Reino Unido, incentivando a formação de um bloco comercial com tarifas preferenciais dentro do Império Britânico. A tentativa americana de pressionar o Canadá saiu pela culatra: em vez de se aproximar dos EUA, o país reforçou laços com Londres.
Em 1930, o Canadá reduziu tarifas para produtos do Império Britânico e impôs retaliações sobre alimentos e commodities dos EUA. Mais de 20 países seguiram o exemplo. Em 2018, a história se repetiu: China, México, Canadá e União Europeia reagiram com tarifas sobre produtos agrícolas, bebidas, automóveis, aço e alumínio. Agora, em 2025, o cenário volta a se repetir com o anúncio rápido de medidas retaliatórias contra as tarifas da gestão Trump.
Ao longo de dois séculos, a adoção de tarifas foi frequentemente punida pelo eleitorado, seja em eleições presidenciais ou legislativas.
Em 1828, o então presidente John Quincy Adams viu sua popularidade despencar após sancionar uma tarifa polêmica — e perdeu a reeleição para Andrew Jackson. A história se repetiu em 1932, quando o presidente Herbert Hoover, fragilizado pelo impacto da tarifa Smoot-Hawley em meio à Grande Depressão, foi derrotado por Franklin D. Roosevelt.
Mais recentemente, a guerra comercial de Donald Trump em 2018 custou cadeiras ao Partido Republicano nas eleições legislativas. Em 2025, a reação do eleitorado já se desenha no horizonte — com críticas crescentes sobre os efeitos econômicos das novas tarifas.
Desde o século 19, a narrativa da “justiça” econômica tem sido usada como justificativa para o aumento de tarifas. Em 1890, William McKinley defendeu sua proposta dizendo que ela traria “justiça a cada indústria e trabalhador americano”.
O discurso se repetiu em 1922, quando o Congresso aprovou a tarifa Fordney-McCumber. Os defensores alegavam que, após a Primeira Guerra Mundial, era necessário proteger a indústria nacional da concorrência estrangeira — um apelo à ideia de “jogo justo”.
Em 2025, Donald Trump voltou a acusar países como China e Japão de manipular suas moedas e afirmou que os EUA foram “explorados por praticamente todos os países”.
Grandes tarifas frequentemente provocam efeitos colaterais nos mercados de câmbio, desestabilizando moedas e enfraquecendo economias ao redor do mundo. Após o aumento tarifário de 1890, os padrões monetários baseados em ouro e prata sofreram forte pressão. O preço da prata caiu globalmente, e países exportadores para os EUA passaram a ter dificuldade para obter ouro americano — essencial para manter a estabilidade cambial. O resultado foi uma fuga de ouro dos EUA a partir de 1893.
No início da década de 1930, o Reino Unido abandonou o padrão ouro para conter a pressão sobre sua moeda. A medida desencadeou uma onda de protecionismo: a França impôs sobretaxa de 15% sobre produtos britânicos, enquanto a Holanda elevou tarifas em 25% para compensar a vantagem competitiva dos países que desvalorizaram suas moedas.
Hoje, o cenário se repete. As tarifas de 2025 reacenderam debates sobre desvalorização cambial como estratégia comercial. Trump já defendeu publicamente um dólar mais fraco — movimento que, segundo especialistas, ameaça desorganizar o comércio global e afetar empresas americanas que dependem de importações ou atuam no exterior.
Ao longo da história, tarifas elevadas deixaram de ser apenas medidas econômicas e passaram a alimentar disputas nacionalistas. A Tarifa de 1828, por exemplo, foi um dos fatores que acirraram as tensões entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil (1861–1865).
Nos anos 1930, a Tarifa Hawley-Smoot levou potências como Reino Unido e França a fortalecerem blocos econômicos fechados, excluindo os EUA. Alemanha e Japão, sob forte pressão econômica, optaram por ampliar seus territórios à força, em um movimento que culminaria na Segunda Guerra Mundial.
Em 2025, a retórica nacionalista voltou com força. O premiê canadense ameaçou cortar exportações de eletricidade para os EUA “com um sorriso no rosto”. Ao mesmo tempo, o país busca alianças com potências asiáticas para reduzir sua dependência dos americanos. A China endureceu o discurso: “Se os EUA quiserem guerra — seja de tarifas, comércio ou qualquer outra — estamos prontos para lutar até o fim.”
Grandes tarifas costumam reabrir debates sobre os limites da Constituição dos EUA e a distribuição de poderes entre o Executivo, o Legislativo e os estados.
Em 1828, o então vice-presidente John C. Calhoun defendeu, no manifesto “Exposição e Protesto da Carolina do Sul”, que os estados tinham o direito de anular leis federais consideradas inconstitucionais. Durante a crise de 1930, o Congresso tentou tirar do presidente o poder de alterar tarifas, por meio do projeto de lei Collier, que previa um conselho do consumidor e novas regras para a negociação comercial.
Em 2025, Trump usa as tarifas como instrumento central de sua política externa e comercial, reacendendo críticas sobre o excesso de poder presidencial. No Senado, republicanos bloquearam um projeto que pretendia limitar a capacidade do presidente de impor tarifas unilaterais a países aliados.
Em momentos de forte tensão política, a formulação de políticas tarifárias costuma ser guiada mais por ideologia, populismo e interesses pessoais do que por fundamentos econômicos, segundo Polk.
No debate tarifário de 1890, o próprio William McKinley admitiu que os altos impostos de importação não refletiam convicções econômicas, mas sim um cálculo político para aprovar o projeto no Congresso: “Sabia que algumas alíquotas estavam altas demais, mas não conseguiria aprovar a lei sem isso.”
Em 2025, a lógica parece se repetir. O assessor de Trump Peter Navarro chegou a desprezar críticas vindas do setor privado e acusou opositores das tarifas de “desonrar” vítimas de overdose de fentanil.
Ao longo da história, presidentes e parlamentares americanos muitas vezes reconheceram os efeitos negativos das tarifas, mas optaram por mantê-las por conveniência política ou falta de alternativas viáveis. Em 1828, John Quincy Adams aceitou um pacote tarifário mais agressivo do que gostaria, pressionado pelo Congresso, que se recusava a debater propostas moderadas.
O cenário se repetiu em 1930. Hoover recebeu críticas de todos os lados ao sancionar a tarifa, mesmo ciente da resistência de agricultores, empresários e da opinião pública. Segundo seu secretário, “raramente houve no país uma onda de protestos tão grande quanto a provocada por essa lei”.
Em 2025, a dinâmica continua. Enquanto o mercado reage negativamente às tarifas de Trump, parlamentares republicanos demonstram desconforto, mas evitam confrontar abertamente o presidente. “Um pequeno distúrbio” provocado pela guerra comercial seria aceitável, afirmou Trump, minimizando os impactos econômicos da medida.