Serena Williams. (Reprodução/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 3 de setembro de 2022 às 15h22.
Última atualização em 3 de setembro de 2022 às 15h36.
Quando anunciou que deixaria as quadras após o US Open, Serena Williams evitou falar em aposentadoria. Preferiu chamar a nova etapa de uma evolução. Essa versão 2.0 da maior tenista da era aberta é orientada por dois grandes objetivos: aumentar a família que formou com o marido Alexis Ohanian e a filha Olympia, de cinco anos, e expandir o portfólio da Serena Ventures, empresa de capital de risco que fundou ainda em 2014 e que, graças a investimentos recentes (de dinheiro, tempo e energia) podem fazer da americana a atleta mais bem-sucedida de todos os tempos após o fim de seu ciclo esportivo.
A hora de evoluir chegou. Em mais uma noite para a História na quadra do Arthur Ashe Stadium, Serena foi eliminada ontem pela australiana Ajla Tomljanovic na terceira rodada: 2 sets a 1 (parciais de 6/3, 6/7 e 6/1). Assim, encerrou, aos 40 anos (fará 41 no fim do mês), uma carreira marcada pela conquista de 23 Grand Slams, mais do que qualquer outro indivíduo na era moderna do jogo, seis deles justamente nas quadras de Nova York.
O foco de Serena tem gradativamente se afastado do esporte ao longo dos anos. Era natural que isso acontecesse em razão do impacto que a maternidade impõe às atletas e das restrições físicas antecipadas pela idade. Mas esse movimento, também reflexo de uma pulsão de quem se tornou um ícone pop e fashion, ganhou força nos últimos meses.
O lançamento, há cerca de um ano, do filme “King Richard: Criando Campeãs”, biografia ficcional da família Williams, levou Serena a marcar presença em importantes festivais e premiações do circuito do cinema. Ela também investiu tempo no desenvolvimento das novas coleções da S by Serena, sua marca de roupas, e da Serena Jewelry, de joias. Fez ainda trabalhos (e aparições por hobby) como modelo e até escreveu um livro infantil, a ser lançado neste mês, entre outras atividades.
Agora, é a vez de o lado empreendedora assumir o protagonismo de vez. A ex-tenista contou, em depoimento à revista Vogue, que diariamente ao acordar sente-se animada para descer as escadas até o escritório, onde participa de reuniões pelo Zoom e analisa projetos e relatórios de empresas nas quais pretende investir. Ao lado da sócia, Alison Rapaport Stillman, a americana lidera uma pequena equipe formada quase integralmente por mulheres, a maioria delas negras.
Em março deste ano, a Serena Ventures anunciou seu primeiro fundo de investimentos, no valor de 111 milhões de dólares (aproximadamente R$ 577 milhões). O aporte vai principalmente para startups de diversos segmentos, de moda a educação, passando por finanças e bem-estar feminino. São mais de 60 companhias, sendo 13 unicórnios (aquelas cujo valor de mercado supera 1 bilhão de dólares). Em comum, essas empresas têm o fato de serem lideradas ou destinadas a mulheres e/ou pessoas de cor.
"Alguém que se parece comigo precisa assinar os grandes cheques. Homens assinam cheques para homens. Para mudar isso, mais pessoas parecidas comigo precisam estar nesta posição", justificou à Vogue.
Doutora em Estratégia e Desenvolvimento e especialista em inovação no esporte, Maureen Flores explica que o movimento feito por Serena agora é uma estratégia de pós-carreira planejada desde cedo, “quando se vê que se trata de um atleta fora da curva”. A partir daí, o indivíduo se torna uma marca com agenda econômica.
"É parte da cultura norte-americana que pessoas de sucesso se tornem atores sociais. Quem sobe puxa o outro. Serena é esse ator socioeconômico. Contribui com bolsas, financiamento, empregabilidade... Ela se tornou uma empresária que quer diminuir o gargalo do acesso da mulher negra", complementa Maureen.
Serena sempre foi uma personalidade disruptiva. Afinal, de que forma duas figuras como ela e a irmã Venus, meninas negras nascidas em Compton, cidade californiana marcada pela violência e pela pobreza, se tornariam tão dominantes no esporte senão provocando um colapso na estrutura do jogo? Graças a elas, os saques se tornaram uma arma tão poderosa e as atletas passaram a atacar com força e intensidade. Mais do que isso, pessoas de cor atestaram que não há espaços que não possam ocupar, e mulheres entenderam que é possível se amar ainda que seus corpos e personalidades não sigam os padrões de uma sociedade pasteurizada.
Tamanho impacto subjetivo dispensaria o enfileiramento de números, mas Serena também os tem a seu favor: foram 73 títulos em simples e 23 nas duplas, entre 1999 e 2020; nos Grand Slams, ela ficou a um de empatar as 24 taças de Margaret Court, protagonista ainda na era amadora, faturou 14 nas duplas, sempre com Venus, e dois nas mistas, com o bielorrusso Max Mirnyi. Ainda subiu ao pódio olímpico quatro vezes: em Sydney-2000, Pequim-2008 e Londres-2012, nas duplas e, na capital inglesa, também em simples.
Serena nunca parou de evoluir. E, enquanto o fazia, obrigou o esporte e a sociedade a evoluírem junto. Agora, evoluirá mais uma vez, e não deseja fazer isso sozinha.