Futebol brasileiro: economia das categorias de base
Estagiária de jornalismo
Publicado em 25 de novembro de 2025 às 05h55.
Formar um jogador de futebol no Brasil é um investimento que começa muito antes do primeiro contrato profissional ou de qualquer retorno financeiro. Envolve tecnologia, viagens, alimentação, alojamento, preparação física e psicológica e até softwares de análise. Ainda assim, o país segue como um dos maiores fornecedores de talentos para o futebol mundial.
Para entender quando custa revelar um atleta, a EXAME conversou com executivos de clubes, empresários e gestores das maiores agências do setor, que explicaram como esse funil se sustenta economicamente.
O primeiro impacto aparece no orçamento dos times. No Sport Club de Recife, por exemplo, o investimento médio anual por atleta gira em torno de R$ 7 mil, afirma Carlos Brazil, gerente de futebol do clube e presidente do Movimento de Clubes Formadores do Futebol Brasileiro (MCFFB).
A base rubro-negra pernambucana trabalha hoje com cerca de 160 atletas, o que exige uma estrutura permanente de alojamento, educação, nutrição, transporte, equipe técnica e acompanhamento multidisciplinar.
Os números revelados por Brazil somam, por ano, um investimento de mais de R$1,1 milhão nas categorias da base do Sport. Ele reforça que o desafio não está concentrado em uma única área. “Não há um gargalo específico. Todos os itens necessitam de investimentos. Cada clube investe em acordo com seu orçamento", diz.
Se o número de jogadores formados que chegam ao profissional é pequeno, como a conta fecha?
Para Carlos Brazil, a lógica é menos intuitiva do que parece. “Uma base de clube se paga pela quantidade de jogadores que saem da base e compõem o elenco profissional, e não pela venda como muitos imaginam”, afirma.
Ao promover atletas da base ao time principal, o clube reduz a necessidade de contratações externas, um dos maiores custos recorrentes do futebol brasileiro.
“Imaginando que o Sport invista R$ 10 milhões ao ano, se você colocar 20% do elenco profissional com atletas da base, a economia gerada em salários é suficiente para pagar a base e sobrar bastante dinheiro."
Apesar da compensação financeira, existe ainda outro custo para a profissionalização das categorias de base: as taxas de registro e transferência. Essas taxas dependem do salário de cada atleta, mas podem passar de R$ 10 mil por jogador.
A Roc Nation Sports, braço esportivo do conglomerado de entretenimento comandado por Jay-Z, gerencia carreiras como as de Endrick e Vini Jr. No Brasil, o Diretor de Operações Thiago Freitas descreve como é um meticuloso processo de avaliação.
“Avaliamos jovens atletas presencialmente, nos estádios, e por gravações de jogos, com critérios cada vez mais objetivos”, diz.
O método considera comportamento, inteligências, genética, preparo físico e desempenho em ações ofensivas e defensivas. Depois, os jovens são comparados com os melhores de suas gerações, e também com gerações anteriores.
A partir disso, a agência projeta salários, minutos jogados, potencial de valorização e possíveis destinos.
Mas a formação carrega riscos de várias naturezas. “Lidamos com riscos relacionados a lesões graves, riscos comportamentais, riscos relacionados a maturação e desenvolvimento físico, e equívocos em nossas avaliações”, afirma Freitas. Cada um desses fatores pode interromper carreiras promissoras ou reduzir drasticamente o valor de mercado de um jovem.
Já Claudio Fiorito, presidente da P&P Sport Management Brasil, também especializada no gerenciamento da carreira de atletas, afirma que apesar de existir um custo base, não é existe um único fator para identificar se um atleta da base tem potencial real de se tornar ativo econômico relevante.
"Cada atleta tem a sua necessidade e o seu tempo de evolução e margem de crescimento, então não existe um cálculo, uma matemática que possa trazer parâmetros para isso", diz. “O primeiro investimento é no processo educacional do atleta”, afirma Fiorito.
Para ele, antes do desempenho técnico, há um conjunto de pilares que moldam disciplina, autoconsciência, tomada de decisão e preparo emocional.
Segundo Thiago Freitas, a Inglaterra é um "importador" mais relevante, enquanto três países são os grandes fornecedores: Brasil, França e Espanha. "Clientes vindos do Brasil representam mais de três quartos do valor estimado da carteira de clientes da agência", afirma.
Em relação ao futuro do Brasil nesse posto, Claudio Fiorito é otimista. Ele acredita que a força de formação de atletas no país vai continuar. "Esse é um processo que nós temos como cultura e eu acredito que está sempre sendo fortalecido por um processo administrativo e por um processo de profissionalização do futebol brasileiro vem passando", diz.
As agências também enfrentam o desafio de orientar atletas no mundo digital. Freitas destaca que poucos jovens têm potencial de atrair grandes marcas desde cedo. “São ainda poucos os atletas vistos como atrativos pelas grandes marcas, e hoje, em atividade, o Brasil não tem sequer cinco atletas que sejam referências globais", afirma.
Para ele, a exposição precoce nas redes muitas vezes é “irrelevante e pouco qualificada”, e o trabalho é mostrar aos jovens como construir uma imagem sustentável caso cheguem ao topo.
"O Brasil é e sempre será o maior exportador de talentos do mundo. Não é a toa que somos ainda pentacampeões mundiais."
Em 2023, o setor esportivo movimentou R$ 183,4 bilhões no Brasil, o equivalente a 1,69% do PIB, superando a área cultural (1,55%).
Uma pesquisa da Atlasintel para a CBF Academy mostrou que 23,5% dos torcedores brasileiros investiriam em ações de clubes, caso eles oferecessem essa possibilidade. É um potencial de mercado em um país com mais de 5 milhões de investidores pessoa física e que pode transformar a formação de atletas.
É nesse contexto que a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ganha relevância. A SAF transforma os clubes de futebol em empresas independentes, com regras de governança, transparência contábil e abertura para investimento privado. Em resumo, permite que o futebol deixe a lógica associativa, marcada por ciclos curtos e decisões políticas, e passe a operar com metas e previsibilidade financeira.
Na teoria, isso abre espaço para projetos de base mais sólidos, como investimentos em centros de treinamento, captação estruturada, equipes multidisciplinares melhor remuneradas e processos formativos de longo prazo. Na prática, porém, a transição é lenta e não resolve sozinha a falta de incentivos para que mais clubes pensem além da próxima temporada.
"Na maioria dos clubes, não existe incentivo para buscar o melhor no longo prazo. Estão todos lutando por títulos que rendam ofertas por um salário dez, quinze por cento maior na próxima temporada. Nossos clubes precisam de planos sequenciais e de uma revolução na remuneração dos profissionais de base, 'para início de conversa'", afirma Freitas.