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NFL no Brasil: um futebol não mais tão americano

Em um jogo cheio de "primeiras vezes", com direito a show no intervalo e Evidências, NFL vive noite mágica em São Paulo. Expectativa é que o evento tenha movimentado mais de 300 milhões de reais

NFL no Brasil: veja como foi a partida (Luiza Vilela/Exame)

NFL no Brasil: veja como foi a partida (Luiza Vilela/Exame)

Pedro Consoli
Pedro Consoli

Redator da Faculdade Exame

Publicado em 7 de setembro de 2024 às 17h56.

Última atualização em 7 de setembro de 2024 às 19h20.

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Pela primeira vez na história da Arena Corinthians, um time com camisas verdes foi ovacionado ao entrar em campo.

“Go Pack Go!”, o grito de guerra dos Packers, era tudo o que se ouvia quando a equipe da pequena cidade de Green Bay, em Wisconsin, saiu do vestiário. Na primeira partida da NFL no Brasil, que terminou com vitória para os Eagles, na última sexta-feira, 6, por 34 a 29, as águias eram o time da casa. Ou pelo menos, era o que eles achavam que seriam.

“Eu não ia torcer pra ninguém,” disse Túlio Freitas, que vestia uma camisa do Kansas City Chiefs. “Mas, depois das declarações dos jogadores de Philadelphia sobre o Brasil, eu vou torcer para os Packers.”

Jaire Alexander, dos Packers, saiu do vestiário com uma bandeira do Brasil em punho. Torcedores foram à loucura (Pedro Consoli/Exame)

Túlio se juntou a uma torcida que já era maioria nas arquibancadas e no Brasil. Uma pesquisa realizada pela própria NFL mostrou que os Packers são a equipe mais querida do país, com 12,15% dos respondentes se declarando torcedores do único time verde e amarelo da Liga.

Mas, a torcida não foi suficiente. Os Eagles – que, como saudação ao Corinthians, usavam um uniforme todo em preto e branco pela primeira vez em sua história – venceram os Packers com uma atuação de gala do running back Saquon Barkley, responsável por três touchdowns.

“Parabéns aos torcedores dos Packers, eles vieram em peso,” elogiou Barkley na coletiva de imprensa pós-jogo, da qual a EXAME fez parte.

E vieram mesmo. Apesar da maioria dos 47.236 torcedores presentes estarem lá pelo espetáculo – e vestindo a camisa de seus times do coração, que não estavam em campo – os Packers acabaram sendo adotados.

Jayden Reed, que anotou dois touchdowns para os Packers, ficou surpreso com o barulho e com a diversidade da arquibancada. "Eu vi camisas de muitos times diferentes, o que é bem interessante. Foi uma experiência muito legal," disse, em coletiva de imprensa (Pedro Consoli/Exame)

Brasil foi uma das torcidas mais barulhentas da NFL

No futebol americano, a torcida da casa fica em silêncio quando o time está no ataque para que o quarterback consiga se comunicar com mais facilidade com seus jogadores. Em um dos momentos mais decisivos da partida para o lado ofensivo dos Eagles, o barulho da arquibancada atingiu, conforme medições da EXAME, 98 decibéis,marca que seria suficiente para colocar a Arena Corinthians como o décimo estádio mais barulhento da NFL.

Nick Sirianni, técnico dos Eagles, explicou que o time teve de se comunicar por meio de sinais e gestos – técnica muito comum para times que jogam fora de casa. “A gente definitivamente não precisa fazer isso quando jogamos na nossa verdadeira casa, mas tudo bem,” disse. “Se a gente quer ganhar, precisamos de atmosferas como essa para nos preparar.”

Sirianni elogiou os torcedores brasileiros diversas vezes ao longo de sua coletiva – e ele não esteve sozinho. O recebedor A.J. Brown, que marcou um dos touchdowns dos Eagles na partida, brincou que “São Paulo não sabia muito bem quando torcer”, porque o estádio não parou de gritar por nem um segundo.

Foi Saquon Barkley, no entanto, que ficou mais impressionado. “Eu amo meu país, mas eu nunca vi nada igual ao momento do Hino Nacional do Brasil. Eu fiquei arrepiado, foi uma honra de presenciar” comentou.

Interpretado pela cantora Luísa Sonza, o hino foi cantado a plenos pulmões por cada um dos torcedores que estava presente no estádio. Em todas as transmissões televisivas – independentemente do veículo –, as imagens eram de brasileiros totalmente tomados pela emoção.

“O momento do hino foi o mais marcante da noite,” disse José Ayres, torcedor do New York Giants e atleta de futebol americano no Brasil (FABR). “Foi a hora que caiu a ficha de que a NFL realmente estava no Brasil, e que tudo aquilo não era um sonho.”

NFL teve crescimento explosivo no Brasil

O Brasil é o terceiro maior mercado de NFL do mundo, atrás somente de Estados Unidos e México. Segundo um estudo do IBOPE Repucom, 35% da população brasileira se declara fã de futebol americano – são 41 milhões de pessoas, um aumento de 310% em relação a 2014.

Alguns torcedores, como Marcos Rovere, criador da página Packers Brasil – o primeiro portal de notícias da equipe de Green Bay no país –, são da velha guarda. Fã dos Packers desde 2008, ele nunca tinha visto um jogo de futebol americano ao vivo. “Eu nunca pensei que isso aqui ia acontecer,” contou ele à EXAME. “Se lá em 2008 alguém me falasse que eu estaria vivendo isso hoje, eu chamaria essa pessoa de louca.”

Os atletas de FABR também marcaram presença. Matheus Frederico, jogador do Guarulhos Royals, conta que 24 horas antes do jogo, ele ainda nem tinha ingresso. “Peguei dinheiro até de onde não tinha para estar aqui,” falou ele, emocionado. “Valeu cada centavo. Eu pagaria tudo de novo e pagaria ainda mais caro.”

“Fred”, como gosta de ser chamado, foi ao jogo com seu amigo e colega de profissão Allan Souza, o Apolo. Jogador de FABR desde 2014, ele passou seis anos jogando pelo Corinthians Steamrollers, uma das equipes mais tradicionais do país. “Não caiu a ficha. Ainda mais para a gente que viu essas coisas a vida inteira só pelo videogame – é absurdo,” disse. "Vendo isso aqui, eu me sinto em casa."

Mesmo para quem veio de longe, a experiência da NFL no Brasil foi diferenciada. Deshawn Hibbert, torcedor dos Eagles que veio de Toronto, no Canadá, rasgou elogios para o evento. “O Brasil é empolgante, São Paulo é empolgante. São Paulo: mucho bom!,” arriscou ele, em português. Sua mãe, Melissa Spencer, concordou. “As pessoas são muito amigáveis, e aquilo que disseram sobre São Paulo ser uma cidade assustadora não é verdade. É tudo muito legal e tranquilo.”

Alguns torcedores dos Packers, por sua vez, já estavam se sentindo mais deslocados – afinal, a cidade sede do time tem pouco mais de 105 mil habitantes. “Aqui não é a nossa casa,” disse Todd Johnson, nascido e criado em Wisconsin. “Green Bay é uma cidade pequena, sem trânsito. Isso aqui não é uma cidade pequena.”

Evidências de que a NFL veio para ficar

Nick Sirianni comentou, em sua coletiva de imprensa, que acha que os Eagles conseguiram transformar muita gente em fã de futebol americano depois daquela partida. E parece que ele não está errado: segundo dados do Google Trends, a palavra “NFL” nunca foi tão pesquisada por brasileiros quanto hoje, um dia após a partida.

É inegável que sediar um jogo oficial de futebol americano no Brasil foi um grande sucesso. Ingressos esgotados em poucas horas, filas enormes em todas as lojas oficiais da NFL, torcida animada são apenas alguns dos indicativos de que a NFL deve, sim, voltar ao país futuramente. Roger Goodell, comissário da Liga, disse, ontem, que pretende dobrar o número de jogos internacionais, fazendo com que o retorno ao Brasil seja quase inevitável.

Para embalar o casamento perfeito entre o brasileiro e o futebol americano, um clássico: "Evidências". Como toda boa festa brasileira, os momentos finais do jogo foram marcados por uma performance inesquecível do hit de Chitãozinho e Xororó. Mesmo depois que a música parou e o jogo foi retomado, a arquibancada seguiu cantando – a capella e em uníssono.

Até na transmissão americana, onde o áudio da torcida é abafado, os narradores estavam tendo dificuldade em sobrepor a cantoria do público.

“A galera veio junto, veio ainda mais junto do que o hino. Evidências é o hino do brasileiro,” disse Felipe Zappelini, que, pela primeira vez, viu ao vivo um jogo de um futebol nem mais tão americano.

Pela primeira vez em 54 anos, a rodada de abertura da NFL teve um jogo em uma sexta-feira – e veio a ser logo no Brasil. Nada mais justo: o futebol americano nunca foi tão brasileiro.

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