Copa do Mundo de Clubes chegou ao fim no último domingo (ustin Setterfield - FIFA/FIFA via Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 14 de julho de 2025 às 10h49.
Última atualização em 14 de julho de 2025 às 11h11.
A Copa do Mundo de Clubes chegou ao fim no último domingo, 13, com a vitória do Chelsea sobre o PSG, por 3x0, nos Estados Unidos, com a sensação de dever cumprido. Com exceção de alguns pontos negativos, e o principal deles foi a questão do calendário apertado e reticência de alguns times europeus quanto à participação na disputa, o andamento da competição demonstrou que os participantes e principalmente os torcedores gostaram do que viram nesta edição inicial.
Apesar do público latino ter sido maioria entre os que compraram ingressos para os jogos, algumas partidas tiveram públicos impressionantes, caso da grande decisão entre PSG e Chelsea, que bateu recorde com 81.118 pessoas.
O Real Madrid teve a maior média de público, com 68.963 pessoas, enquanto PSG, Atlético de Madrid e Chelsea tiveram médias de público superiores a 50 mil, enquanto o Bayern, de mais de 40 mil, demonstrando que a quantidade de fãs dos clubes europeus está espalhada por todos os lugares do planeta. Entre os clubes brasileiros, o Palmeiras foi destaque, ficando no Top-5 de média de público, com 48.361 pessoas.
Na final disputada neste domingo, no MetLife Stadium, em New Jersey, a organização do torneio promoveu uma grande festa, que contou com shows do artista colombiano J Balvin, produzido por Chris Martin, vocalista da banda Coldplay; além de outras sensações como Doja Cat, cantora americana, e Tems, cantor nigeriano.
Quem também roubou a cena foi o presidente americano Donald Trump, que acompanhou o jogo de um dos camarotes e, ao final, entregou medalhas e a taça aos jogadores de PSG e Chelsea, inclusive tendo participado do início da comemoração dos ingleses no momento de levantar a taça.
A premiação foi outro destaque da Copa de Clubes. No total, a Fifa destinou US$ 1 bilhão às equipes participantes, o equivalente a R$ 5,5 bilhões. O campeão Chelsea ganhou US$ 116,625 milhões, o equivalente a R$ 648 milhões, na cotação atual.
Um dos principais entusiastas da Copa de Clubes foi justamente o presidente de uma das maiores agremiações do planeta, Florentino Pérez, do Real Madrid. "Eu sou um dos que mais lutaram para que isso seja realidade hoje. Vemos tudo crendo que será um sucesso, e vamos colaborar para isso", declarou.
O atacante Harry Kane, ídolo da seleção inglesa e um dos grandes jogadores da competição, autor de dois gols pelo Bayern contra o Flamengo, também elogiou a disputa. "Estou adorando este torneio até agora e espero que possamos ficar aqui por um bom tempo", disse.
Ao mesmo tempo, o presidente da La Liga, Javier Tebas, foi no sentido oposto. Ele tem sido um dos maiores críticos, muito em razão das brigas políticas que vem sendo travadas entre Fifa e Uefa, e recentemente, teceu duras palavras. "É uma questão de saúde para os cerca de 250 jogadores que participam dessas competições, que chegam sobrecarregados. Meu objetivo é que não haja mais Mundiais de Clubes, não há datas."
Pelo sim, pelo não, especialistas opinam sobre quanto a Copa de Clubes da Fifa pode mudar a “cara” do esporte no mundo, principalmente quanto às oportunidades institucionais envolvendo as equipes e associação às marcas e patrocinadores.
"O fato de nascer em um momento digital e de evolução da comercialização dos ativos esportivos, se torna um modelo que facilmente ficará de pé", diz Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo.
"É uma tentativa da Fifa de criar uma Champions League global, ampliando o horizonte competitivo, comercial e de audiência do futebol de clubes para além da Europa, que hoje concentra a atenção, os investimentos e o talento. Se der certo, pode representar um ponto de inflexão: o futebol deixa de ser essencialmente um “negócio europeu com audiência global” para se tornar um negócio genuinamente global em todas as pontas — técnico, financeiro e midiático", diz Ivan Martinho, professor de marketing esportivo pela ESPM.
Para Joaquim Lo Prete, country manager da Absolut Sport no Brasil, agência de experiências esportivas que é parceira oficial do Fluminense e do Botafogo para o Mundial, entende que o aumento do interesse dos americanos pelo futebol chamou a atenção de quem cuida da modalidade globalmente, levando o país a receber a Copa América, o Mundial de Clubes e a Copa do Mundo de Seleções.
"É um movimento estratégico, político e econômico que tem potencial para mudar a forma como os americanos tratam o ‘soccer’ e também para alterar o modo como o mundo enxerga os EUA em relação ao futebol”, indica.
Já Henrique Borges, VP executivo de vendas, marketing e novos negócios na Somos Young, empresa que utiliza tecnologia de ponta no atendimento a sócios-torcedores, analisa que a principal mensagem que o novo Mundial traz é o entendimento da Fifa de que algo diferente precisava ser feito para tornar o produto futebol mais atrativo.
"Essa edição servirá como teste para novidades que podem tornar as competições mais dinâmicas, como a implementação da IA no uso de uma versão avançada da tecnologia de impedimento semiautomatizada que já havia sido usada em 2024, a instalação de câmeras corporais nos árbitros conectada às transmissões ao vivo e até o uso de tablets por parte das comissões técnicas para solicitar as substituições de atletas durante os jogos, deixando de lado os papéis que são usados há décadas."
Nos valores oferecidos pela Fifa nesta primeira edição, eles superam, disparados, os que foram pagos na Copa do Mundo de 2022, que teve uma premiação total de US$ 440 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões). Isso tem a ver com as últimas negociações da Fifa com patrocinadores, e o principal deles foi em relação ao acordo com a DAZN, detentora exclusiva da exibição dos jogos pelo streaming, de forma gratuita, no valor de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões).
Os outros quatro patrocínios fechados pela Fifa são o Bank of America, considerado um dos principais do mundo, que também já é um dos patrocinadores para Copa do Mundo de 2026; a maior cervejaria do planeta, AB InBev, que também é detentora de marcas conhecidas como Budweiser e Michelob Ultra; a empresa multinacional de bebidas, a Coca-Cola, além da empresa chinesa de eletrônicos Hisense.
Nos próximos três anos, a começar por 2024, os Estados Unidos vão receber alguma das principais competições do planeta quando o assunto é futebol. Em meados de 2024, o pontapé inicial se deu com a Copa América, que terminou com a Argentina campeã. Em meados de 2025, será a vez da realização do Super Mundial de Clubes, já citado acima, e em 2026, a Copa do Mundo, tendo alguns estados americanos como as sedes principais.
"Os EUA são a referência global sobre negócios no esporte, do marketing à tecnologia. É o maior mercado anunciante do planeta, com mais sofisticação e grandes empresas internacionais atuando localmente. Quanto mais dentro do soccer, mais deste conhecimento e destes recursos retroalimentam a cadeia produtiva global do futebol. E a tendência lá é de crescimento mais acelerado, por conta da maior fatia de latinos nativos e até de americanos mais tradicionais (WASP) consumindo o esporte", diz Alexandre Vasconcellos, gerente regional da Flashscore no Brasil, com experiência em marketing esportivo, comunicação, inovação e ESG no mundo dos esportes.
Para Alexandre Lessa, gerente de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da Keeggo, empresa especializada em consultoria de tecnologia, a Copa de Clubes representa não apenas uma transformação dentro de campo, mas também nos bastidores do futebol. A profissionalização da gestão esportiva, aliada à digitalização de processos e ao uso crescente da inteligência artificial, vem se tornando um diferencial competitivo para os clubes e ligas.
"As instituições que investem em estrutura, dados e inovação, muitas das vezes com apoio de ferramentas de IA para análise de desempenho, gestão de contratos e relacionamento com torcedores, estão mais preparados para aproveitarem as oportunidades comerciais, institucionais que competições como essas oferecem”, diz Lessa.
"O mercado americano torna-se o epicentro de uma audiência globalizada. Ao sediar os maiores torneios do futebol a nível global, os EUA crescem como destino do turismo esportivo mundial, oferecendo uma vitrine de alcance massivo para o futebol se conectar com fãs de todos os continentes em um só lugar. A estratégia da Fifa cria uma saga de três anos, ideal para potencializar o interesse dos americanos no médio prazo, que poderá ser mantido no longo prazo com o potencial crescimento da MLS, já evidenciada com a presença do Messi e de outros craques", diz Thales Rangel Mafia, gerente de marketing da Multimarcas Consórcios.
Em meio a tudo isso, os principais jogos que envolvem a NBA e a NFL vão continuar acontecendo, movimentando ainda mais o cotidiano dessas cidades e, consequentemente, fazendo a alegria dos turistas que estarão pelos locais durante esses eventos.
Para ter uma ideia desta expansão, a Fifa, desde 2023, vem movimentando seus negócios para Miami, levando em conta os investimentos feitos pela principal liga do país, a Major League Soccer (MLS), principalmente após a ida de alguns craques para o país, casos de Lionel Messi e Luis Suárez no Inter Miami.
Mais de 100 funcionários da entidade máxima do futebol mundial se transferiram da sede na Suíça para Coral Gables, local que vai receber o departamento jurídico, de auditoria, conformidade e gestão de riscos da organização.
Será que com tudo isso, os Estados Unidos podem ser o novo centro do futebol? Especialistas em gestão e marketing esportivo opinaram sobre o assunto e colocaram seus pontos de vista sob a ótica dos negócios.
"Apesar dos avanços da medicina e outras ciências, nenhum de nós viverá o suficiente para ver os Estados Unidos como "centro do futebol". A relevância dele vai crescer no país, mas dependendo majoritariamente do peso dos latinos e europeus na sua demografia. O que fez do futebol ser o que se tornou, a maneira como seus clubes foram criados, e como cidades, países e simpatizantes se vincularam a cada um deles, não tem equivalente na cultura americana e na forma como seus nativos se relacionam com o esporte. Seguirão sendo o país mais rico do mundo, seguirão liderando a inovação nas arenas, transmissões e marketing, terão peso maior no mercado de transferências de atletas, terão sempre a melhor estrutura para sediar grandes torneios mundiais, mas não serão", alerta Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa de entretenimento americana, comandada pelo cantor Jay-Z, que gerencia a carreira de centenas de atletas.
Até as paralisações climáticas em jogos do Mundial viraram oportunidade de engajamento e vendas para patrocinadores.
As mudanças climáticas vêm alterando o calendário esportivo global, gerando impactos que vão muito além do jogo em si. No Mundial de Clubes, seis dos 59 jogos disputados nesta Copa do Mundo de Clubes foram afetados por paralisações devido ao "alerta de clima severo”. Apesar dos desafios logísticos, esses momentos também abrem espaço para ações estratégicas de marcas e patrocinadores que desejam se conectar com o público de maneira criativa, e ainda impulsionar o consumo dentro das arenas.
“Os organizadores da Copa do Mundo de Clubes devem estar preparados para as situações provocadas pelas mudanças no clima. Elas exigem atenção com deslocamento do público e abrigo seguro para os torcedores, mas também podem ser aproveitadas para engajar os fãs e gerar valor para os patrocinadores”, afirma Anderson Rubinatto, CEO da Goolaço, empresa especializada em eventos esportivos.
Durante essas pausas, o celular se torna o principal aliado do torcedor. Aplicativos de estatísticas e resultados registram picos de acesso enquanto a partida está suspensa. Essa janela, que antes era vista apenas como um problema, agora se apresenta como oportunidade para ativações digitais em tempo real.
“Acompanhar plataformas de estatísticas durante os jogos já é um hábito consolidado. Com as paralisações, o torcedor tem até mais tempo para explorar os dados das partidas ou conferir o desempenho dos atletas”, diz Alexandre Vasconcellos, regional manager da Flashscore, um dos aplicativos esportivos mais acessados do mundo. “Hoje, ferramentas de dados entregam mais informação ao torcedor do que muitos profissionais tinham há uma década.”
Dentro dos estádios, lojas instaladas nas arquibancadas também ganham protagonismo nesses momentos. Mais do que pontos de venda, se tornam espaços de experiência, com ações exclusivas, promoções relâmpago e interação direta com o público.
“Nos Estados Unidos, é comum que essas lojas se transformem em pontos de contato com o torcedor. Quando o jogo para, a marca precisa agir com criatividade. Promoções exclusivas, ativações físicas e digitais podem transformar uma pausa em engajamento real”, destaca Fernando Kleimmann, sócio-diretor da Volt Sport.
A criatividade é um diferencial nesse cenário. Com o apoio da tecnologia, recursos como QR codes nos telões podem direcionar os torcedores a desafios, sorteios ou conteúdos exclusivos durante o intervalo forçado. Joaquim Lo Prete, country manager da Absolut Sport no Brasil, acredita que o segredo está em oferecer algo único e com tempo limitado.
“É possível lançar quizzes, sorteios ou desafios com premiações instantâneas — como produtos, descontos ou experiências VIP — acessados por QR codes exibidos nas telas do estádio ou nas transmissões. A ação precisa ser exclusiva do momento da paralisação. Com planejamento e boa execução, essa estratégia mantém o torcedor engajado e ainda estimula o consumo”, explica.
Nos Estados Unidos, ligas como NFL, MLB e MLS já lidam com esse tipo de situação há anos. Embora não exista uma legislação federal específica para paralisações por condições climáticas, cada liga segue protocolos próprios e conta com seguros que cobrem perdas financeiras causadas por atrasos ou cancelamentos.
O chamado event cancellation insurance é comum e garante suporte em casos de imprevistos meteorológicos. Além disso, políticas como o Weather Research and Forecasting Innovation Reauthorization Act ajudam a aprimorar a previsão do tempo e o monitoramento de riscos em eventos de grande porte.
Ainda que não haja nenhuma exigência formal para ativações durante essas pausas, esse tipo de iniciativa pode representar uma vantagem competitiva significativa. Em um cenário cada vez mais imprevisível, saem na frente as marcas que conseguem transformar o inesperado em experiência, engajamento e resultado.