Extração extrativista de látex no Amazonas (André Dib/ WWF/Reprodução)
Marina Filippe
Publicado em 17 de outubro de 2021 às 08h00.
O WWF-Brasil e a Michelin anunciam uma parceria para desenvolver estratégias de fortalecimento dos elos iniciais da cadeia de borracha de extrativismo na Amazônia. A parceria busca conservar a floresta com fortalecimento das populações tradicionais locais, pilares de uma nova economia amazônica baseada no uso e valorização da sociobiodiversidade.
A parceria “Juntos pelo extrativismo da borracha na Amazônia” atuará nos próximos 3 anos com metas de gerar impacto econômico positivo para 3.800 famílias, que serão beneficiadas direta ou indiretamente pelo trabalho de conservação e manejo de 6,8 milhões de hectares em 14 Unidades de Conservação no estado do Amazonas.
A parceria prevê engajar extrativistas na produção de 700 toneladas de borracha, produzida e vendida sob padrões sociais e ambientais previamente estabelecidos. A expectativa é que 15 municípios envolvidos nessa atividade tenham fortalecimento da economia local com o impulsionamento do projeto.
Para as duas instituições, a borracha natural produzida na Amazônia tem contribuições econômicas, sociais e culturais no fortalecimento da bioeconomia, uma vez que gera renda para as populações locais e preserva a floresta, oferecendo mais vantagens do que a borracha sintética, à base de combustíveis fósseis.
“Fortalecer a cadeia da borracha do extrativismo da Amazônia é apoiar as comunidades seringueiras a conservar a floresta em pé. Para tanto, precisamos superar o falso dilema entre prosperidade econômica e conservação da natureza a partir de uma visão de desenvolvimento sistêmico que integra as necessidades das pessoas a partir da valorização dos ativos da sociobiodiversidade brasileira”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
Com a instalação da unidade industrial da Michelin no Polo Industrial em Manaus, houve uma leve ascensão da produção no Amazonas, em 2015.
Como a produção local é de apenas 2 mil toneladas por ano, a empresa adquire a matéria-prima de outros estados, como o Acre e Mato Grosso, São Paulo e países como Malásia, Indonésia, Tailândia e países africanos.
É nesse contexto que a empresa vem buscando desenvolver alternativas para fortalecer e atrair mais fornecedores.
Segundo Feliciano Almeida, presidente da Michelin América do Sul, “Sabemos que não há como avançarmos sem um compromisso com o planeta, as pessoas e a performance financeira. Por meio de iniciativas como esta, seguimos inovando na busca de uma mobilidade mais sustentável".
WWF-Brasil e a Fundação Michelin fortalecerão o apoio técnico para 18 associações de produtores extrativistas para que se beneficiem de políticas públicas relacionadas à compra, crédito e promoção da cadeia da borracha.
Assim, poderão produzir com padrões ambientais e sociais previamente estabelecidos. Um programa de formação de gestores e lideranças em gestão empresarial e financeira também será cocriado e implementado com as associações parceiras.
Um dos desafios da parceria é reverter a tendência de redução no número de seringueiras e seringueiros por causa do êxodo do público mais jovem.
Para engajar jovens e fortalecer as lideranças femininas, WWF-Brasil e Fundação Michelin irão facilitar a escuta e co-construção de soluções baseadas no fortalecimento dos povos da floresta por meio da comunicação.
Na agenda de promoção da transparência e inclusão de serviços ambientais na cadeia verde da borracha, será desenvolvido e implantando um sistema de rastreabilidade da borracha nas associações parcerias. Os fornecedores serão cadastrados, e os usuários serão treinados.
Nessa mesma direção, a parceria buscará desenvolver coletivamente uma plataforma de aliança corporativa comprometida com o ecossistema de negócios da cadeia da borracha de extrativismo, com adicionalidade da responsabilidade socioambiental.
A produção da borracha envolve o manejo de seringueiras de ocorrência natural nas florestas amazônicas. O processo de manipulação e a produção envolvem atividades com baixo impacto ambiental, como abertura de uma pequena trilha na floresta, e exigem uma floresta conservada e sem degradação para produzir.
Uma família normalmente maneja uma área de 400 a 800 hectares de floresta para uma produção não superior a 900 quilos por safra de borracha.
Como essas atividades se intercalam ao longo do ano, o extrativista costuma trabalhar comercialmente com 3 até 6 cadeias produtivas concomitantemente com outras atividades de subsistência, sendo cada uma delas de grande importância para a composição de sua renda.
A renda da borracha, somado a outros produtos da sociobiodiversidade em uma mesma área (castanha-do-brasil, óleos de copaíba, entre outros) fortalece os meios de vida e a renda para milhares de famílias que vivem em Reservas Extrativistas e demais Unidades de Conservação de uso sustentável, além de territórios indígenas.
Com a revitalização da cadeia da borracha de extrativismo, a economia local é beneficiada, contribuindo na redução da pobreza, no acesso a serviços básicos e melhoria na qualidade de vida.
Com a criação de arranjos produtivos e financeiros, as associações de produtores passam a ter participação ativa e outras cadeias produtivas também acabam sendo beneficiadas.
Além dos impactos sociais, a extração de látex da sociobiodiversidade incentiva que a floresta amazônica fique em pé, trazendo valor para a seringueira, engajando empresas e consumidores preocupados com grandes desigualdades sociais e a crise climática, o que pode diminuir as pressões de desmatamento que o bioma amazônico vem sofrendo.
O aproveitamento do potencial da borracha agroextrativista exige a superação de gargalos mapeados no processo de diagnóstico da cadeia que o WWF-Brasil e a Fundação Michelin realizaram, como a necessidade de técnicas de aprimoramento da qualidade do produto oferecido, modelos de comercialização que considerem o ciclo natural da borracha, grandes distâncias percorridas para poder comercializar o produto, a fragmentação e o tempo no recebimento dos recursos de subvenção, além da necessidade de apoio para a manutenção da regularidade fiscal das organizações de apoio local do produtor.
Para superar tais obstáculos e destravar o potencial desta cadeia, a iniciativa priorizará o desenvolvimento de novos arranjos produtivos e financeiros entre organizações extrativistas, empresas e governos precisarão ser estabelecidos.
Há também uma tendência de redução no número de trabalhadores seringueiros por causa do êxodo do público mais jovem.
Essa diminuição está associada à falta de estímulo junto aos produtores, incluindo a oscilação do preço do produto, a insegurança de mercado nas safras, o desenvolvimento de políticas públicas efetivas de melhorias e o baixo uso de tecnologias.
Essas questões se refletem nas famílias extrativistas, pois geram desmotivação para o envolvimento de novos membros com a atividade, sendo esta muitas vezes encarada pelos familiares como uma atividade ultrapassada.
O empoderamento e inclusão de jovens e fortalecimento de mulheres seringueiras, já atuantes nos territórios, é uma das prioridades da parceria.