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Mais do que dimensão científica, o avanço da meteorologia é crucial para mitigar os impactos sobre a economia brasileira e, principalmente, sobre as vidas humanas. (NELSON ALMEIDA/AFP)
Publicado em 23 de maio de 2024 às 16h00.
Última atualização em 6 de junho de 2024 às 15h34.
Os danos provocados pelas excepcionais cheias no Rio Grande do Sul chocam e entristecem, ao mesmo tempo em que motivam uma grande rede de apoio e solidariedade em diversas frentes, que reforçam o sentimento de unidade nacional. Um sopro de esperança diante do enorme sofrimento da população atingida e da clara noção de haver um aumento na frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos.
Para um melhor entendimento sobre o efeito da mudança climática, é importante diferenciar os conceitos de “tempo” e “clima”. Basicamente, o “tempo” corresponde ao que vivenciamos diretamente, com oscilações diárias. Já o “clima” é relacionado a algo que não experimentamos diretamente e que varia mais lentamente, mas tem consequências permanentes.
O aumento gradativo da temperatura do “clima” faz com que as oscilações do “tempo” sejam mais recorrentes e intensas. Ou seja, de uma maneira geral, e muito simplificada, os valores extremos do “tempo”, tanto para cima como para baixo, ocorrem com maior frequência quando o “clima” está mudando.
Nesse sentido, as análises climáticas buscam, no médio prazo, determinar qual é a nova distribuição de probabilidade dos eventos de “tempo” devido à mudança climática.
Em mais longo prazo, buscam evitar que a mudança climática alcance níveis irreversíveis (tipping points, termo utilizado pela ciência climática), criando eventos catastróficos. Nesta categoria estão o derretimento do permafrost[1], que poderia liberar um volume extraordinário de metano e CO2 para a atmosfera, ou a desertificação da Amazônia, que também alteraria dramaticamente o “clima”.
Voltando aos recordes de chuvas registrados no Sul do Brasil nos últimos dias, além de provavelmente estarem associados aos efeitos da mudança climática, ressaltaram uma realidade incontestável: os sistemas de previsão do “tempo” necessitam de investimentos substanciais e contínuos para identificar, com mais precisão, condições adversas com grande potencial de impacto.
Em apenas cinco dias choveu mais de 500 mm em vários locais do Rio Grande do Sul. Entre os dias 29 de abril e 5 de maio, a chuva acumulada superou a média climatológica em mais de 300 mm. Porém, os modelos meteorológicos indicavam, com 72h de antecedência, volumes de chuva em torno de 150 a 200 mm para este período, em áreas do centro-norte do estado. Ou seja, apesar de as ferramentas indicarem condições favoráveis para a formação de chuvas volumosas ou extremas, a dinâmica, a extensão e a magnitude do fenômeno não foram previstas com antecipação e detalhamento necessários.
De forma geral, a infraestrutura de medição no Brasil, principalmente acima de 2 km de altitude, é precária, o que prejudica as previsões realizadas pelos modelos meteorológicos. Além disso, a compreensão da dinâmica atmosférica, principalmente em regimes tropicais, ainda necessita de muita pesquisa e desenvolvimento para uma previsão e gestão eficazes dos desastres naturais, especialmente diante da nova realidade climática.
Em resumo, paralelamente ao imprescindível esforço na mitigação da mudança climática, reduzindo as emissões atmosféricas, é fundamental progredir nos esforços de adaptação aos eventos extremos. Um dos pilares desta adaptação envolve avançar no estágio atual de desenvolvimento da meteorologia, o que requer tanto investimentos em infraestrutura como em tecnologias inovadoras, como o uso de inteligência artificial.
Mais do que dimensão científica, o avanço da meteorologia é crucial para mitigar os impactos sobre a economia brasileira e, principalmente, sobre as vidas humanas. Permite planejar uma infraestrutura mais resiliente, bem como ações preventivas, com respostas mais adequadas aos eventos extremos do futuro.
[1] Espessa camada de solo congelado na região do Ártico, que, em tese, não derrete.