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Retrospectiva 2020: o ano em que o PIB percebeu o valor da Amazônia

O aumento das queimadas e do desmatamento nos biomas brasileiros gerou uma forte pressão interna e externa por mudanças na política ambiental

Brigadista combate incêndio no Acre: Brasil registrou em 2020 a maior destruição da Amazônia dos últimos 12 anos (Sérgio Vale/Amazônia Real/Divulgação)

Brigadista combate incêndio no Acre: Brasil registrou em 2020 a maior destruição da Amazônia dos últimos 12 anos (Sérgio Vale/Amazônia Real/Divulgação)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 30 de dezembro de 2020 às 09h46.

Desde o início do ano, estava claro que o desmatamento da Amazônia seria um tema sensível ao governo em 2020. Já em agosto do ano passado, os números mostravam forte tendência de alta na destruição da floresta. As notícias corriam o mundo.

“Cerca de 150 homens com 80 motosserras derrubaram freneticamente árvores com mais de 20 metros de altura. A corrida para pôr abaixo uma área de cerca de 5.000 hectares antes da temporada de chuvas, em setembro, durou meses. Tudo aconteceu à luz do dia, para quem quisesse ver. No começo de agosto, botaram fogo em tudo. Foi assustador.” O relato do pecuarista mineiro Mauro Lúcio Costa dava o tom do que viria a seguir.

No início de 2020, líderes empresariais aumentaram o volume das críticas à política ambiental de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. A palavra catastrófico passou a ser frequentemente associada ao termo desmatamento.

Em março, estava claro o tamanho do problema. A Amazônia havia perdido, em oito meses, uma área equivalente a três cidades de São Paulo. De acordo com o sistema Deter, gerenciado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de janeiro a abril foram perdidos 1.202 km² de florestas, um aumento de mais de 50% em comparação ao ano anterior. Neste momento, a pandemia adicionava mais um fator de risco, especialmente aos povos indígenas.

A pressão internacional não demorou a aparecer. Supermercados britânicos ameaçaram boicotar os produtos brasileiros; investidores europeus, que controlam 2 trilhões de dólares em ativos, ameaçaram desinvestir no Brasil; e gestores de fundos com 20 trilhões de ativos gerenciados, enviaram uma carta aberta ao governo brasileiro alertando que o desmatamento representa um risco sistêmico aos seus portfólios. Os investidores, por sinal, eram os mais preocupados.

Usualmente culpado pelo desmatamento, o agronegócio também se mostrou insatisfeito com o andar da carruagem. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se apressou em dizer que a agricultura e a pecuária brasileiras não precisam da Amazônia para crescer. As empresas do setor vislumbravam problemas para acessar mercados desenvolvidos, especialmente a Europa.

Em julho, numa iniciativa inédita, 38 grandes empresas brasileiras enviaram uma carta ao vice-presidente Hamilton Mourão pedindo o fim do desmatamento. Mourão já havia assumido o Conselho Amazônia, criado para coordenar as ações federais na região e para acalmar os ânimos dos estrangeiros. Entre as signatárias estavam Ambev, Cosan, Itaú, Klabin, Natura, Santander, Suzano e até a Shell. Em algumas semanas, o número de assinaturas chegou a quase 70.

Na tentativa de responder às críticas, o governo brasileiro editou um decreto proibindo as queimadas em todo o país por 120 dias. Mas, apesar do quase consenso entre investidores e empresários do tamanho do problema, o ministro da Economia, Paulo Guedes, viu “exagero” na reprovação da política ambiental de Salles.

Apesar do apelo de Guedes, o ativismo internacional continuou. A sueca Greta Thunberg, símbolo da nova geração de defensores do meio ambiente, prometeu doar mais de 600 mil real para ações de combate ao desmatamento. Para os investidores estrangeiros, como o fundo norueguês Storebrand Asset Management, o maio do país nórdico, a pressão estava funcionando.

Entre os empresários brasileiros, estava cada vez mais claro que o Brasil precisava perceber o valor de preservar a Amazônia.

Os bancos entraram na onda. Bradesco, Itaú e Santander, os maiores do País, criaram uma iniciativa conjunta para desenvolver a região amazônica. Os bancões propuseram 10 medidas para isso e criaram um conselho para orientar a implementação delas. Uma pesquisa patrocinada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostrava que os brasileiros estão muito preocupados com a situação na Amazônia.

Neste momento, o general Mourão já lamentava a demora do governo em perceber o cenário. “Entramos tarde no combate ao desmatamento”, afirmou o vice-presidente. Concomitantemente, o Parlamento Europeu rejeitava o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul por questões ambientais. A “marca Brasil” estava arranhada no exterior.

O setor produtivo era quem melhor reagia à pressão. Em três meses, empresas ao redor do mundo empenharam 6 bilhões de reais para salvar não apenas a Amazônia, mas também o Pantanal, que ardia em chamas. Enquanto isso, o Fundo Amazônia, nas mãos do governo, registrava 40 projetos paralisados, que somavam 1,4 bilhão de reais.

Mourão seguiu na vã tentativa de reverter a opinião dos estrangeiros. Em novembro, o vice-presidente organizou um “tour” com ministros europeus pela região. Mas os números jogavam contra. Por causa do desmatamento, o Brasil registrou, no mesmo mês, uma alta de quase 10% nas emissões de gases do efeito estufa. E enquanto Mourão tentava ser um anfitrião simpático, o Conselho Amazônia indicava, em documento, a intenção de restringir a atuação de organizações não-governamentais na Amazônia. Mais uma vez, as críticas foram pesadas.

O empenho de empreendedores garantia algumas boas notícias. O cientista Carlos Nobre, uma das maiores autoridades em clima do mundo, avançou em seu projeto de transformar a Amazônia em um polo de biotecnologia global. Em 10 anos, Nobre prevê que a floresta terá transporte por drones.  E um fazendeiro de Rondônia trocou a pecuária pela preservação ambiental e ganhou 18 milhões de reais vendendo carbono.  Ele não precisou fazer nada, apenas manteve a floresta em pé.

A questão é que nada foi capaz de conter a destruição da floresta. No final do ano, o Brasil registrou o maior índice de desmatamento na Amazônia dos últimos 12 anos. Se o cenário de 2020 se repetir no próximo ano, a expectativa é de pressão internacional ainda maior e, possivelmente, prejuízos concretos ao país. Basta ver quem o presidente-eleito dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, colocou para comandar a política climática americana: nada menos que John Kerry, ex-secretário de estado de Barack Obama, que será uma espécie de “czar do clima” de Biden. Kerry já prometeu tratar o assunto como se fosse um conflito mundial de grandes proporções.

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