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A perda da religiosidade, ao contrário do que pregam os conservadores, não leva ao caos social, de acordo com estudo que analisou 49 países (Rawpixel/Thinkstock)
Rodrigo Caetano
Publicado em 28 de agosto de 2020 às 10h51.
Última atualização em 28 de agosto de 2020 às 15h58.
Um número crescente de pessoas não encontra mais na religião uma resposta para as dúvidas existenciais da vida. A conclusão é de um amplo estudo realizado na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. O Brasil segue a mesma tendência, embora o atual governo adote discursos religiosos em sua comunicação.
Ao mesmo tempo, nos países em que a secularização mais avançou, as pessoas estão dando cada vez mais importância à livre expressão e de escolha, com ênfase em temas como direitos humanos, tolerância a estrangeiros, proteção ambiental e igualdade de gênero. “Religiões tradicionais podem ser perigosamente divisórias em sociedades globais contemporâneas”, afirmou o professor Ronald Inglehart, um dos autores do estudo, em artigo publicado na revista Foreign Affairs.
Os autores apontam como a principal causa para o declínio da religiosidade a segurança existencial resultante do desenvolvimento econômico. A religião, diz Inglehart, foi importante em um momento da humanidade em que a mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida, baixa. “As mulheres precisavam ter entre 5 e 8 filhos apenas para manter o nível populacional”, afirma. Com a transição das sociedades agrárias para as industriais, o que se viu foi um lento processo de abandono das crenças tradicionais, especialmente as mais rígidas -- com algumas exceções, como nos países de maioria muçulmana e na Índia.
A questão é que esse processo acelerou nos últimos 13 anos. Em 2011, os mesmos pesquisadores publicaram uma primeira versão do estudo, analisando 49 países, que agregam 60% da população mundial, no período entre 1981 e 2007. Já havia uma tendência acentuada de perda de religiosidade nos países desenvolvidos. Porém, nos países em desenvolvimento e, especialmente, nas ex-repúblicas soviéticas, a religiosidade era ascendente. Ao todo, 33 países apresentaram aumento na busca pela fé.
Mas, a partir de 2007, há uma virada nos países em desenvolvimento. A nova versão do estudo, que analisa dados até o início deste ano, mostra que 43 dos 49 países pesquisados registraram queda na religiosidade. Numa escala de zero a 10, o Brasil marcou cerca de -1 em nível religioso, nesse período.
“Diversas forças estão empurrando a tendência. A mais potente é a perda de sentido de uma série de crenças associadas à necessidade de manter uma taxa de natalidade alta”, afirma Inglehart. “Sociedades modernas se tornaram menos religiosas, em parte, por não precisarem se ater a normas sexuais e de gênero que a maioria das religiões adotaram por séculos.”
Ao contrário do que pregam os conservadores religiosos, o declínio da religiosidade não gera caos social. Na realidade, os dados apontam que sociedades seculares são menos corruptas e apresentam índices de violência mais baixos do que países religiosos. As igrejas não promovem a corrupção, ressalta o professor, o que acontece é que há uma correlação entre países economicamente mais frágeis, que tendem a ser mais corruptos, e o nível de religiosidade. Da mesma forma, economias maduras são menos violentas e menos religiosas.
“As evidências sugerem que as sociedades modernas não vão se degenerar até um caos niilista sem a fé para guiar as pessoas”, diz Inglehart. Em sociedades seculares, valores como a liberdade e os direitos humanos ocupam o lugar da religião como guia ético e moral das pessoas. Nesse processo, o tradicionalismo religioso pode ter um papel divisório, já que apresentam suas normas como valores absolutos, apesar delas refletirem as características históricas e socioeconômicas dos países. “A rigidez de qualquer sistema absolutista de crenças pode promover o fanatismo e a intolerância”, diz o professor.
O que poderia inverter a tendência de queda da religião seria uma ameaça existencial à vida das pessoas, como uma pandemia. Mas, mesmo com a crise da covid-18, Inglehart acredita ser improvável que isso aconteça. “A crise teria de durar muitos anos ou levar a uma grande depressão econômica”, diz ele. Por enquanto, o mais provável é que a influência das autoridades religiosas tradicionais na moralidade pública diminua e que a cultura da tolerância às diferenças se torne mais forte.