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Reflexões de uma economista sobre as implicações na carreira da mais feminina das decisões

Os desafios são maiores para as mulheres que não detém recursos e redes de apoio, escreve Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos 

Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos (//Reprodução)

Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos (//Reprodução)

EXAME Plural
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Plataforma feminina

Publicado em 18 de março de 2024 às 13h39.

Última atualização em 18 de março de 2024 às 14h34.

Por Natalie Victal 

Carência de representatividade. Foi assim que comecei um artigo que escrevi sobre o tema “desafios de carreira relacionados ao gênero” há alguns anos. E eis que agora o convite para um novo artigo chegou em meio a um dos momentos mais desafiantes da minha vida: a gravidez do Miguel, meu primeiro filho. Escrevo esse artigo grávida de 34 semanas – ou 8 meses para aqueles não familiarizados com a matemática peculiar do período gestacional. E me vi pensando exatamente na mesma questão quanto a representatividade de mulheres que conciliam o desafio de desenvolver-se profissionalmente com o da maternidade.  

Tenho a sorte e privilégio de estar cercada de exemplos. Trabalho num grupo repleto de líderes mulheres que são mães, e diariamente mostram para novatas na empreitada como eu, que, “sim, é possível!”. CEO, diretoras, heads de área… Em diferentes áreas, com diferentes tipos de redes de apoios. É libertador olhar todos os dias para essas mulheres e ver que maternidade não implica abdicar de algo que trabalhamos e lutamos para construir. Cada mulher sabe de seus desejos e ambições, e no meu caso a minha carreira é algo que muito me orgulha, que é fruto de muito trabalho – não só meu, mas da minha família que me apoiou desde o maternal - e que sinto que ainda estou no início da jornada.  

Mas essa não é a realidade da maioria das mulheres. E, mesmo jornadas vistas como “vencedoras”, provavelmente detém camadas abaixo da superfície repletas de dificuldades. No linguajar econômico, olhar para uma mãe bem-sucedida profissionalmente e dizer que “sim, é possível” não é um contrafactual pois não sabemos qual seria a trajetória dessa mulher no cenário sem filhos.

Felizmente a teoria econômica apresenta algumas respostas. E a mais triste delas é que há robusta evidência de que no cenário “sem filhos” muitas dimensões da carreira dessa mulher apresentariam resultados superiores. A “penalidade da maternidade” sobre a trajetória profissional de uma mulher é ricamente documentada e estudada.

Questões individuais – como a preferência por empregos com maior flexibilidade para viabilizar os cuidados com os filhos vis-à-vis vagas que de fato acham mais promissoras – ou coletivas – como o viés social que coloca uma carga desproporcional na mãe como provedora emocional e de cuidado, explicam a supracitada “penalidade”.

E a desigualdade de renda exacerba essas questões. Os desafios são maiores para as mães que não detém recursos financeiros para financiar redes de apoio. Inclusive vale o destaque que a pesquisa focada nas questões de gênero do mercado de trabalho foi merecidamente reconhecida com o “Nobel de Economia” de 2023 para a professora Claudia Goldin.   

Esse período gestacional tem me ensinado a admirar ainda mais as diferentes mulheres que me cercam. Tenho conversado muito com amigas, que são mães e trabalhadoras, e me impressiono com a força delas diante dos mais curiosos desafios. No início da gravidez me vi cercada de inúmeras “recomendações” para uma gestação tranquila que como economista questionei pela falta de evidências mínimas. Com a ajuda da minha obstetra e da minha “econo-sensei” Emily Oster - cujo livro “Expecting Better” ou “O Guia da Grávida bem-informada” acabou de ser lançado em português - aprendi que muitas vezes o senso comum impõe custos desnecessários às mulheres que acabam aderindo recomendações ultra restritivas com a esperança de estarem fazendo o melhor pelos seus filhos. E eu ainda nem corri o primeiro quilômetro da maratona que é ser mãe.  

Todavia, vale a ressalva que há sim evolução. Como comentei acima, exemplos de mulheres que conseguem se acumulam. E, principalmente, vemos evolução na carga imposta a essas mulheres. Já foi mais difícil. Vemos uma geração de pais que são mais conscientes de seu papel na criação dos filhos. Aqui vale o puxão de orelha que, apesar de merecedores de reconhecimento dado os vieses da sociedade, eles não fazem mais do que a obrigação. A desigualdade de reconhecimento também é uma face do gap de gênero. O trabalho remoto e políticas públicas focalizadas no bom desenvolvimento de nossas crianças tem auxiliado as novas gerações nessa empreitada. Empresas cada vez mais conscientes veem o ganho de olhar suas funcionárias pelas suas potencialidades profissionais.  

Por fim, gostaria de exaltar a diversidade. Ser mãe não implica – ou pelo menos não deveria implicar – em obrigação para seguir o caminho A ao invés do caminho B. Cada indivíduo sabe suas preferências, e se a escolha de uma mulher é ter o privilégio de gerar uma vida e continuar a sua jornada profissional com intensidade, isso não deveria ser uma questão de domínio público. 

*Natalie Victal é economista-chefe da SulAmérica Investimentos 

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