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Reações à queda dos vetos do licenciamento: Congresso ‘enterrou’ proteção ambiental

Dias após COP30, especialistas são unânimes: votação representa retrocesso histórico que viola direitos indígenas, compromissos climáticos e a própria constituição brasileira

Um dos pontos mais críticos é a extensão da LAC ou “autolicenciamento” para empreendimentos de médio impacto (Ibama/Divulgação)

Um dos pontos mais críticos é a extensão da LAC ou “autolicenciamento” para empreendimentos de médio impacto (Ibama/Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 28 de novembro de 2025 às 15h00.

Última atualização em 28 de novembro de 2025 às 16h36.

Dias após a COP30, a derrubada de 56 dos 63 vetos presidenciais à Lei geral do Licenciamento Ambiental reinstala pontos considerados por especialistas como um dos maiores retrocessos ambientais das últimas décadas e revive o temido 'PL da devastação'.

Na manhã desta sexta-feira, 28, a ministra Marina Silva chegou a caracterizar o momento como "demolição da legislação". 

Organizações ambientais são unânimes: a votação da quinta-feira, 27, puxada pela bancada ruralista, não apenas enfraquece o principal instrumento de proteção ambiental do país, como contradiz os compromissos climáticos que o Brasil levou como mote na grande conferência climática em Belém.

Em reação, ambientalistas prometem ir à Justiça contra a nova lei com o argumento de ser "inconstitucional, colocar em risco a saúde e a segurança dos brasileiros, liberar a destruição ampla dos ecossistemas e violar as metas climáticas nacionais".

A NDC brasileira, divulgada na COP29 em Baku, prevê a redução de até 67% das emissões até 2035 e tem justamente como peça-chave zerar o desmatamento.

Segundo o Observatório do Clima, o licenciamento é a "pedra angular" da proteção ambiental: "disciplina qualquer atividade econômica que utilize recursos naturais, desde a implantação de um projeto agropecuário à instalação de um posto de gasolina, da abertura de uma via urbana à pavimentação de uma estrada na Amazônia, passando por projetos de mineração, geração de energia e indústrias".

"O Congresso acabou de enterrar o licenciamento ambiental. Além de retrocesso criminoso na legislação, os dispositivos que retornaram colidem com os direitos dos indígenas e quilombolas, dão um cheque em branco para entes nacionais e reduzem responsabilidades, entre outros absurdos", destacou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

++ Acompanhe a cobertura da COP30 

Contramão da agenda climática

Um dos pontos mais críticos é a extensão da LAC (Licença por Adesão e Compromisso), o conhecido “autolicenciamento” para empreendimentos de médio impacto -- proposta que já havia sido vetada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Com os vetos, pelo menos 90% dos licenciamentos estaduais podem ser feitos "de forma automática" e sem uma avaliação adequada de riscos, ameaçando territórios e comunidades locais, especialmente em terras pendentes de demarcação. 

A The Nature Conservancy (TNC) reforçou que enfrentar a crise climática e a perda de biodiversidade exige fortalecer soluções que conciliem conservação e produção.

"Entendemos que o processo de licenciamento ambiental deve se tornar mais eficiente, mas consideramos que os vetos derrubados fragilizaram salvaguardas essenciais para a segurança hídrica, alimentar e de infraestrutura", afirmou a TNC.

Para a organização, o Brasil já possui uma legislação ambiental robusta e baseada em ciência, que o habilita a fornecer soluções ao mundo e acessar financiamento climático. "Medidas que reduzam a efetividade desse arcabouço prejudicam a imagem do país, o meio ambiente e a população", lamentou.

Segundo o WWF Brasil, a derrubada dos vetos desmonta diretamente a capacidade do país de controlar o desmatamento, a degradação ambiental e a implementação de grandes obras de alto impacto.

"Essa flexibilização irresponsável contribui para o agravamento da crise climática", reagiu a organização, ao reforçar que o recado que saiu do Congresso vai na direção oposta e coloca em xeque a credibilidade do país justamente quando o mundo cobra coerência e liderança climática.

Além disso, enfraquece uma das lutas incansáveis da presidência brasileira na COP30: traçar o caminho para um roteiro de combate ao desmatamento, tema que, assim como o fim dos combustíveis fósseis, ficou de fora do acordo final mas ficou de lição de casa para amadurecer no próximo ano.

++ Leia mais: Organizações reagem ao acordo final da COP30: avanços históricos, mas insuficientes

A contradição é sustentada por dados celebrados pelo governo brasileiro em Belém: uma redução do desmatamento de 50% na Amazônia e 36% no Cerrado, principal fonte das emissões nacionais.

Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade, captura a ironia desoladora da votação.

"Quando a Amazônia mais exige nossa atenção para evitar o ponto de não retorno, foi feito o contrário. Mais uma vez o descaso pelo meio ambiente e pela saúde das pessoas foi usado como retaliação política, ao invés de ser buscado o bem comum", disse.

Gabriela Nepomuceno, especialista em políticas públicas do Greenpeace Brasil, descreve com precisão o que entra em vigor: "uma verdadeira licença para devastar, destruir e desrespeitar profundamente nossas florestas, nosso meio ambiente e biodiversidade."

A especialista em oceanos Marinez Scherer conecta a destruição florestal aos ambientes marinhos: a degradação de florestas e a contaminação das bacias hidrográficas impactam diretamente os ecossistemas costeiros, comprometendo manguezais, recifes de coral e outros ambientes essenciais para mitigar mudanças climáticas.

"Ao autorizar intervenções sem avaliação de impactos e sem programas contínuos de monitoramento, cria-se um perigoso mecanismo de degradação cruzada," alertou.

Racismo ambiental e ameaça a territórios

Uma das maiores preocupações relacionadas à derrubada dos vetos é a proteção aos territórios indígenas e quilombolas.

Com a nova lei, especialistas alertam que os territórios quilombolas sem titulação e terras indígenas não homologadas poderão "ser atropelados por empreendimentos sem nenhum tipo de controle ou compensação".

"O Congresso concretizou a institucionalização do racismo ambiental e a amplificação dos conflitos em territórios tradicionais", reagiu Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

"Não haverá outra saída a não ser judicializar essa norma, nascida inconstitucional", disse.

Para Ana Cristina Moeri, diretora-presidente do Instituto Ekos Brasil, é ainda mais grave a decisão que libera a permissão de licenciamentos sem consulta à Funai e à Fundação Palmares em terras indígenas e quilombolas não homologadas, "isso tudo após a COP30 reconhecer o papel das populações indígenas de forma histórica".

Próximos passos no Congresso

As organizações alertam para um novo risco na próxima semana. Os sete vetos de Lula que não foram derrubados nesta sessão são da LAE (Licença Ambiental Especial) e serão apreciados quando o Congresso votar a conversão em lei da Medida Provisória da Licença Ambiental Especial, que tem mais de 800 emendas que também refazem o PL da Devastação.

Conforme explica a especialista do Greenpeace, empreendimentos considerados "estratégicos", como a perfuração de petróleo na Foz do Amazonas, "poderão ser aprovados num prazo inexequível, comprometendo qualidade e segurança e potencializando danos socioambientais irreparáveis."

Entenda os pontos críticos

Licenciamento autodeclaratório

A LAC (Licença por Adesão e Compromisso) agora se estende para empreendimentos de médio porte. Isso significa que cerca de 90% dos licenciamentos estaduais poderão ser feitos automaticamente, apenas com uma sinalização do empreendedor que declara "condições pré-determinadas e pronto, sem necessidade de análise profunda de impactos".

Cadastro Rural

Atividades rurais em imóveis com registro no CAR (Cadastro Ambiental Rural) pendente de homologação não precisam mais de licenciamento. Na prática: propriedades com desmatamento ilegal ou em terra de grilagem poderão avançar sem licença.

Mata Atlântica

A lei retira da atuação do órgão ambiental federal a competência para avaliar o status de conservação do bioma e o impacto em caso de supressão entre Estados e municípios. Foi considerado mais um retrocesso em um dos biomas mais pressionados e essenciais para a segurança hídrica do país.

Terras indígenas e quilombolas

Consultas aos representantes de direitos indígenas e quilombolas agora se limitam apenas a terras com demarcação homologada e áreas tituladas. Para especialistas, a decisão permite que empreendimentos atropelem áreas de alta biodiversidade "sem nenhum tipo de controle".

Rodovias e infraestrutura

Serviços e obras de manutenção de infraestrutura em instalações preexistentes, como rodovias, ficam dispensadas de licenciamento. A medida inclui a pavimentação da BR-319 na Amazônia, que pode gerar emissão de 8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente causado pelo desmatamento nos próximos 25 anos.

Saneamento

Licenciamento será dispensado para sistemas e estações de tratamento de saneamento básico até que sejam cumpridas as metas de universalização de 2030. O potencial risco é abranger atividades com elevado impacto ambiental.

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