ESG

Quebrando o ciclo da liderança feminina solitária

Laura Vicentini, vice-presidente das marcas de cuidados femininos e bebês da P&G Brasil, aborda ações intencionais para ajudar e impulsionar meninas e mulheres

Laura Vicentini, vice-presidente das marcas de cuidados femininos e bebês da P&G Brasil  (Divulgação/Divulgação)

Laura Vicentini, vice-presidente das marcas de cuidados femininos e bebês da P&G Brasil (Divulgação/Divulgação)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 26 de junho de 2022 às 08h00.

Última atualização em 28 de junho de 2022 às 00h07.

Por Laura Vicentini*

Muitas vezes ouvi que se sentar em uma cadeira de liderança é algo solitário. Sendo transparente, eu achava um pouco de exagero. Como a maioria das pessoas, eu imaginava uma situação perfeita: liderar é empoderar o time e estar madura o suficiente para equilibrar todos os pratinhos. Até que chegou a minha vez, e percebi o quanto idealizamos a liderança como autossuficiente.

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Na prática, a solidão acontece de maneira sutil, porque as relações se distanciam gradualmente. Por mais próxima que você seja das pessoas, elas passam a buscar no líder segurança e direção.

Claro que em muitos momentos a experiência nos ajuda a navegar melhor por situações difíceis, mas sempre existem coisas novas que você nunca viveu. E nessas horas é difícil sustentar a responsabilidade de ser uma fortaleza, porque somos humanos, e podemos e vamos falhar. 

Arrisco dizer que a liderança feminina é ainda mais solitária. Existe a capa de supermulher que vestimos diariamente e nos faz acreditar que vamos dar conta de tudo, o tempo todo. As responsabilidades do trabalho são grandes, porque nos cobramos em ser mais competentes e perfeitas.

Se formos mães, isso automaticamente se potencializa. A carga mental multiplica, e vez por outra bate a dúvida das escolhas que fizemos – por mais que almejamos e conquistamos a nossa liderança, a partir de muito trabalho e aproveitando as oportunidades que a vida apresenta. 

Se tenho essa sensação, mesmo estando em um lugar que dedica esforços diários pela inclusão e que tem 50% dos cargos de liderança ocupados por mulheres, fico imaginando o que outras passam com outras realidades. No Brasil, nós mulheres representamos mais da metade da população (51,8%), e mesmo assim, no geral, só 38% dos cargos de liderança no nosso país são ocupados por figuras femininas. Eu não quero mais ser como uma das poucas. Como, então, quebrar esse ciclo da solitária liderança feminina? 

Dentro das minhas possibilidades, tenho buscado desenvolver, interna e externamente, ações intencionais para ajudar e impulsionar meninas e mulheres. Atuo em uma empresa em que a igualdade de gênero é pauta e prioridade há muito tempo e, como líder, a minha missão é fortalecer o apoio e acolhimento feminino dentro do mundo corporativo.

A meu ver, o primeiro passo é desromantizar a ideia de liderança perfeita. Isso começa em reconhecer que há vulnerabilidade em quem ocupa posições de liderança e que existem outras necessidades envolvidas. Sempre temos rodas de conversa sobre machismo estrutural, integração entre vida pessoal e trabalho, síndrome da impostora, entre tantos outros temas.

Da minha parte, trago situações práticas que enfrento no dia a dia – abro um pouco do meu bastidor para que as pessoas não enxerguem somente o meu palco. Já compartilhei, por exemplo, sobre os enormes desafios de encontrar o equilíbrio entre o trabalho e o homeschooling, no início do lockdown. Meu time contou que foi libertador ouvir isso de alguém da liderança, porque achavam que estavam vivendo essa dificuldade sozinhos. Trocamos ideias e dicas uns para os outros, desmistificamos e aliviamos a carga mútua.

O segundo passo é bastante natural depois da vulnerabilidade vir à tona: é fortalecer o apoio e acolhimento feminino dentro do mundo corporativo. Todos os dias, busco trabalhar a empatia e equalizar as necessidades para que todas tenham oportunidades, além de fortalecer a cumplicidade feminina.

São gestos pequenos que fazem a diferença: saber o nome dos filhos de quem faz parte do meu time e mostrar o quanto eu sei que os filhos são importantes para elas, assim como os meus são para mim. Contaram-me que pequenas coisas, como perguntar sobre a saúde dos filhos em uma situação delicada, fizeram toda a diferença. Nada mais humano. Como organização, também precisamos de políticas sólidas.

Na P&G, temos extensas licenças maternidade e paternidade, treinamentos como o MARC (Men Advocating Real Change), revisões de talento e salários para garantir equidade, sessões com gerentes de pais e mães. As políticas trazem a base para comportamentos de empatia e acolhimento.

Em terceiro lugar, busco usar a influência para transformação. Para mim, a liderança se traduz em para promover uma mudança positiva, não só com palavras, mas principalmente com atos. Não foi por acaso que escolhi ser líder de Equidade e Inclusão na P&G. Eu quis trazer a responsabilidade para mim, influenciando para as melhores escolhas. Uma outra aplicação prática disso é nosso projeto de combate à pobreza menstrual, que lidero com a marca Always.

Nele, eu e um time formado na maioria por mulheres incríveis, trabalhamos para trazer esse problema que, por tanto tempo, afetou muitas pessoas de forma silenciosa, para a agenda pública. Assumimos o compromisso de fazer parte da solução ao trazer informações e realizar projetos para mitigá-lo, como doações e o lançamento da primeira Aceleradora Social focada em pobreza menstrual do mundo, que tem o objetivo de potencializar o trabalho de ONGs no combate à problemática. 

Esses três passos que mencionei parecem simples – assumir a vulnerabilidade, fortalecer o apoio feminino e usar nossa influência de maneira intencional no que acreditamos e defendemos. Não são uma receita mágica, mas é o que tenho visto funcionar na prática. Quando uma mulher vence, todas vencemos também. Já aconteceu lá atrás, quando nossas precursoras abriram os caminhos para estarmos aqui hoje.

Eu quero continuar vendo a evolução e ser aquela que não só se senta na cadeira de liderança, mas, principalmente, a que puxa as cadeiras do lado para outras mulheres ocuparem também. Quero fazer parte da transformação que oferece oportunidades para que elas possam ser suas melhores versões, com qualidade de vida, saúde, dignidade e perspectivas. 

Por isso, faço um convite a todas as mulheres: seja o ombro amigo, seja a que levanta em defesa, seja a que busca compreender, seja o apoio. Só nós sabemos os desafios que uma mulher enfrenta, cotidianamente. Vamos juntas!

 *Laura Vicentini é vice-presidente das marcas de cuidados femininos e bebês da P&G Brasil

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