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Projeto de plantio de árvores é testado como pena para criminosos de guerra

Na Colômbia, iniciativa de "justiça restaurativa" impõe penas alternativas à prisão para os principais responsáveis por crimes durante os conflitos com as FARC; parentes de vítimas discordam

Polêmica: em Bogotá, Torres planta árvores como pena alternativa (AFP Photo)

Polêmica: em Bogotá, Torres planta árvores como pena alternativa (AFP Photo)

AFP
AFP

Agência de notícias

Publicado em 15 de maio de 2024 às 12h01.

Sentado em banquinho de tecido camuflado, o general reformado Henry Torres faz uma pausa na jardinagem. Plantar árvores faz parte de sua pena pelos 303 homicídios cometidos por militares sob seu comando na Colômbia.

"Estamos restaurando não apenas um ecossistema, mas tentando minimizar este dano que causamos (...) Era uma forma de ressarcir um dano, sem ser privado da liberdade", diz à AFP o ex-comandante da XVI brigada, de 61 anos, responsável por centenas de execuções a sangue frio que o Exército usou para inflar seus resultados no conflito armado.

Afastado das forças armadas por causa destes crimes, ele veste um macacão, como qualquer funcionário do viveiro onde trabalha na zona oeste da capital, Bogotá.

A Colômbia ensaia um programa inédito de "justiça restaurativa", que impõe penas alternativas à prisão para os principais responsáveis por crimes de guerra. Surgida do histórico acordo de paz de 2016 com a guerrilha das Farc, a iniciativa gerou receio em algumas vítimas.

"Venha e plante árvores... Isso é absolutamente insuficiente, um tipo de deboche", protesta Margarita Arteaga, irmã de Kemel Mauricio, morto em 2007 por militares, que o apresentaram como um chantagista morto em uma suposta troca de tiros.

Entre 2002 e 2008, cerca de 6.400 civis foram executados por militares que os apresentaram como criminosos ou guerrilheiros em troca de recompensas, segundo a Jurisdição Especial para a Paz (JEP), o tribunal criado para julgar os crimes mais graves do conflito.

"Estamos tentando reconciliar nossa sociedade depois de uma guerra gravíssima. É muito novo e complexo", explica à AFP o presidente da JEP, Roberto Vidal.

Iniciativas como "Siembras de paz" (Cultivos da paz), da qual participam 46 militares, são "pilotos, projetos com os quais estamos tentando aprender como se organiza isto", explica o juiz.

Verdade e espinhos

Sob o sol de Bogotá, uma dúzia de homens tira as ervas daninhas a golpes de facão. Os mais jovens preparam o terreno, enquanto Torres e outros militares mais velhos preparam arbustos para reflorestar o bosque.

"Buscamos com estes trabalhos curar estas feridas (...), transformar o dano causado", diz o major reformado Gustavo Soto. No ano passado, ele enfrentou os familiares de 85 civis assassinados por uma unidade sob seu comando no departamento (estado) de Casanare (centro-leste). "Foi bastante difícil", lembra.

No começo dos anos 2000, ele fez parte da luta anti-insurgência do governo do então presidente direitista Álvaro Uribe (2002-2010). "Infelizmente, o que se pedia eram resultados demonstrados em baixas em combate (...) Era como o comando superior nos avaliava", conta o major.

Hoje, ele combate o tojo (Ulex europaeus), um arbusto invasor em uma represa perto de Bogotá. Seus espinhos são compridas e conseguem perfurar o tecido grosso do macacão, explica Soto, de 52 anos.

"O negócio da vida"

Torres e Soto estiveram presos pelos assassinatos cometidos. A JEP concedeu-lhes a liberdade em troca de contar a verdade e participar em iniciativas como o "Siembras de Paz". Eles participam voluntariamente por cinco horas, sob supervisão do tribunal. Cada dia será reconhecido como pagamento "antecipado" da sanção, imposta pela JEP, até o máximo de oito anos.

Especialistas questionam se estes projetos implicam em "restrições efetivas de liberdades e direitos" diferentes da prisão, como previsto no pacto. "Estarão submetidos a um sistema de vigilância por parte da JEP, [o que] pode ser traduzido, inclusive, no uso de mecanismos eletrônicos", como o "rastreamento com os celulares", defende Vidal.

Para Margarita Arteaga, os militares "fizeram o negócio de sua vida" ao se amparar na JEP. Seu irmão, artesão e fã de música punk, tinha 31 anos em fevereiro de 2007 quando chegou a uma cidade petroleira em Casanare para tentar a vida vendendo brincos e colares.

Um mês depois, foi sequestrado por militares em um bar e executado na zona rural. Pediu que atirassem nele de frente, sobreviveu e foi executado no chão, segundo soube sua irmã mais velha da boca do assassino durante uma audiência da JEP em 2023. "Plantaram uma granada e um revólver [com ele]", lembra a mulher, chorando.

"Simbólico"

"Posso entender o [caráter] simbólico das árvores, mas não repara", reclama a porta-voz da Associação de Vítimas de Casanare pela Paz. Ela questiona que o programa seja implantado a cerca de 200 km de onde os homicídios ocorreram e afirma que os militares omitiram as torturas contra suas vítimas.

A violência de vários grupos armados, incluindo rebeldes que se afastaram do acordo com a guerrilha das Farc, obrigou o tribunal a levar o programa aos arredores de Bogotá, explica Vidal.

Outras duas iniciativas de justiça restaurativa já estão funcionando. Em uma, os participantes reconstroem um centro cívico indígena. Na outra, educam sobre os perigos das minas antipessoais.

Para Arteaga, é preciso mais. Como parte de sua punição, Torres e seus subordinados deveriam visitar batalhões, "contando aos soldados em formação o que fizeram e o que não deve acontecer", sugere.

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