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Pesquisa do Pacto Global aponta que, de 82 empresas listadas na B3, 59 não medem os riscos de escassez hídrica (Paulo Fridman/Bloomberg/Bloomberg)
Redação Exame
Publicado em 20 de março de 2023 às 10h34.
Última atualização em 20 de março de 2023 às 10h49.
A sete anos do prazo final da Agenda 2030 instituída pela ONU com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma das agendas liga o sinal amarelo para vermelho: o ODS 06 – Água Potável e Saneamento. No 30º aniversário do Dia Mundial da Água (22 de março), a ONU promove a UN Water Conference (Conferência Mundial da Água) em Nova York (Estados Unidos) para propor agendas de ação com os Estados-membros, entidades da ONU, organizações da sociedade civil e setor empresarial. A Conferência ocorre de 22 a 24 de março dentro da sede da Organização das Nações Unidas, com mesas de discussões sobre os diferentes desafios e oportunidades mediadas por diversos países, incluindo o Brasil.
Aliás, quando falamos de Brasil, nossa perspectiva sobre o ODS 06 é questionável. Um dos temas do ODS 06 é a agenda do Saneamento, a qual progrediu de certa forma nos últimos anos com a aprovação do Marco Legal (Lei Federal nº 14.026/2020), ampliando a possibilidade de o setor privado aportar recursos financeiros e operar os serviços em locais historicamente negligenciados pelo poder público. Ainda há dúvidas sobre essa agenda e como ela se dará nos próximos anos, principalmente pela revisão de alguns pontos da lei prometida pelo novo governo federal. Dentro da Ambição 2030 proposto pelo Pacto Global da ONU no Brasil com a criação de Movimentos para acelerar os ODS, as 100 milhões de pessoas que queremos impactar no Movimento +Água são justamente aquelas que estão dentro da matemática de déficit de Saneamento ainda muito latente nos quatro cantos do país.
Contudo, temos um outro ponto de atenção fundamental em uma das agendas que promovemos dentro do Pacto Global: a gestão dos recursos hídricos liderada pelo setor empresarial. No último levantamento feito pelo Observatório 2030, uma iniciativa do Pacto Global da ONU no Brasil, a partir de dados de 82 empresas listadas na B3, participantes da nossa Rede como um todo, e que reportam os resultados nos padrões do Global Reporting Initiative (GRI), nos deixou preocupado: 59 empresas, das 82, relataram não mensurar os riscos de escassez hídrica do ponto de vista da quantidade disponível de água. E mais, quando se analisa os riscos do ponto de vista da qualidade de água, o número sobe para 67 empresas que não consideram. A cadeia de valor, em relação ao uso racional da água, não é considerada no engajamento de 83% das empresas.
A segurança hídrica é um dos pilares quando se discute adaptação climática. Ao ver que o Brasil tem como base da matriz energética as hidrelétricas, ou seja, precisamos dos recursos hídricos para gerar energia. E nossa agricultura é uma das que mais exportam para o mundo e é altamente dependente da água para irrigação. O Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil – Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), de 2019, mostrou que 52% da demanda do uso da água do Brasil vem da irrigação da agricultura. Logo em seguida, com 24% da demanda do uso, temos o abastecimento urbano. Quando falamos de 2030, ainda há outro dado preocupante: o uso da água deve crescer em 24% até lá. Não esqueçamos que em 2021 passamos pela pior crise hídrica em 91 anos que afetou diretamente os reservatórios que abastecem as hidroelétricas.
Ao discutir ESG nas empresas, o “E” de environment ("meio ambiente" em português) talvez estejamos englobando muito pouco os riscos da escassez hídrica como resposta de adaptação para as mudanças climáticas. Há muita discussão do impacto líquido positivo em bacias sob estresse hídrico (net positivo da água, como alguns dizem) promovido por algumas empresas e instituições não governamentais, visando a redução do uso da água para consumo interno das plantas industriais e, como ponto central, a reposição das bacias hidrográficas com foco em promover uma recarga além do que foi tirado (gerando mais água, por isso “impacto positivo”). Esse é um primeiro, e importante, passo.
Pensar na resiliência das áreas de produção natural de água requer ir além dos muros. No Brasil, o uso da água subterrânea por vários setores, bem como os reservatórios superficiais, demanda ações das empresas para que suas operações não sejam prejudicadas no futuro, mas para que principalmente a quantidade e qualidade disponível para abastecimento humano não passe nem perto de ser um problema, como foi em parte do Nordeste durante 2012 a 2019, e no Sudeste entre 2013 e 2015.
*Rubens Filho é gerente de Água e Oceano do Pacto Global da ONU no Brasil