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Por que falar de insegurança alimentar é falar de desigualdade de gênero

Há um grande inconformismo em sermos um país que produz e exporta alimentos, ao mesmo tempo que temos 33 milhões de brasileiros sem o que comer diariamente, escreve Geyze Diniz, cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome

Geyze Diniz, cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome  (//Divulgação)

Geyze Diniz, cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome (//Divulgação)

EXAME Plural
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Publicado em 20 de março de 2024 às 11h55.

Última atualização em 20 de março de 2024 às 12h19.

Por Geyze Diniz*

Comecei a me envolver em causas sociais ainda jovem. Quando tinha 12 anos, me lembro de realizar uma ação no bairro onde morava para ajudar uma instituição de crianças com Síndrome de Down. Naquela época, eu nem entendia completamente que aquilo era um trabalho social e só fui me dar conta anos depois, já adulta, quando, com minha família, começamos a estruturar o Instituto Península. E isso foi apenas o começo. 

Em minha trajetória profissional, atuei em diversas frentes, sempre em busca de causar algum impacto no mundo. Hoje, dedico grande parte do meu tempo a um projeto que me traz muita esperança: o Pacto Contra a Fome. 

Em março de 2020, quando entramos em quarentena, não pude deixar de pensar no problema que enfrentaríamos pela frente, com o fechamento das escolas e muitas crianças dependendo da merenda para se alimentar. Naquele momento, me uni a um grupo de pessoas e criamos o UniãoSP, em que arrecadamos recursos e distribuímos 900 mil cestas básicas no Estado de São Paulo. Em 2021, ainda com uma imensa necessidade de doações, ajudei a estruturar a campanha nacional Panela Cheia Salva, com a qual captamos o suficiente para distribuir cerca de 4 milhões de cestas básicas. 

Após essa experiência, percebi que, quando unimos esforços, o impacto é muito maior. Isso despertou em mim um interesse em contribuir com algo maior e estruturado, que provocasse uma mudança significativa em nosso país. Antes de tomar qualquer iniciativa, decidi me aprofundar na temática e fui estudar.

A Consultoria Integration produziu um estudo sobre a fome no Brasil, o desperdício de alimentos e suas correlações. Ao analisar os resultados não restaram dúvidas de que precisava agir, afinal, há um grande inconformismo em sermos um país que produz e exporta alimentos, ao mesmo tempo em que temos 33 milhões de brasileiros sem o que comer diariamente.

Além de desperdiçarmos oito vezes o que seria suficiente para alimentar essas pessoas, é, no mínimo, incoerente e imoral. E foi assim que iniciamos a fundação do Pacto Contra a Fome, criado por 40 cofundadores inconformados com a situação.

Somos um movimento suprapartidário e multissetorial, cuja missão é engajar a sociedade para combater a fome de forma estrutural e permanente. Nossa visão é de que nenhuma pessoa passe fome no Brasil até 2030 e que todas as pessoas estejam bem alimentadas até 2040. 

Voltando um pouco para os dados que fazem parte do estudo da Integration, quando olhamos para as características da população em insegurança alimentar grave, estamos nos referindo, na maioria das vezes a pessoas que estão abaixo da linha da pobreza, desempregadas e são pretas ou pardas.

Além disso, as mulheres enfrentam desproporcionalmente altos níveis de insegurança alimentar, uma realidade profundamente enraizada em fatores socioeconômicos, culturais e estruturais. Esta questão não apenas afeta a saúde e o bem-estar delas, mas também tem implicações significativas para suas famílias e comunidades. No Brasil, há 105,1 milhões de lares chefiados por mulheres, dos quais 19,3% estão em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, fome. 

A desigualdade de gênero é uma grande causa da insegurança alimentar entre as mulheres que, muitas vezes, têm acesso limitado a recursos econômicos, incluindo emprego formal e salários justos. Essa disparidade econômica as coloca em desvantagem ao tentar garantir uma alimentação adequada.

Essas mulheres também frequentemente assumem a responsabilidade pelo trabalho doméstico não remunerado, incluindo cuidar dos membros da casa e preparar refeições. Isso pode limitar suas oportunidades de buscar educação ou trabalho formal, perpetuando um ciclo de pobreza e fome. 

Diante desses desafios complexos, é importante implementar políticas e programas que abordem as causas subjacentes da insegurança alimentar entre as mulheres no Brasil. Isso inclui medidas para promover a igualdade de gênero, combater a violência contra a mulher, garantir o acesso equitativo aos serviços de saúde e fortalecer as redes de segurança alimentar para as comunidades mais vulneráveis. Essas iniciativas são essenciais para criar um futuro mais justo e sustentável, em que todas as mulheres possam desfrutar do direito fundamental à alimentação adequada e nutritiva. 

A desigualdade de gênero persiste como um dos desafios mais urgentes e arraigados da sociedade contemporânea. Embora tenhamos visto avanços significativos nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito para alcançar a equidade entre homens e mulheres em todas as esferas da vida. Nesse contexto, a importância de atuar genuinamente com causas sociais que contribuem para o fim dessa desigualdade não pode ser subestimada. 

À medida que celebramos o impacto transformador das mulheres na vanguarda da mudança social, devemos renovar nosso compromisso com a construção de um mundo onde todas as pessoas, independentemente do gênero, possam viver com dignidade, igualdade e justiça. 

*Geyze Diniz é cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome 

 

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