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PL do licenciamento enfraquece esforços de preservação às vésperas da COP30, dizem especialistas

Maioria ouvida pela EXAME considera enorme retrocesso na legislação ambiental e destaca que novas regras vão na contramão do combate à crise climática; entenda

O licenciamento ambiental é obrigatório para qualquer atividade considerada potencialmente poluidora ou que utilize recursos naturais (Envato)

O licenciamento ambiental é obrigatório para qualquer atividade considerada potencialmente poluidora ou que utilize recursos naturais (Envato)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 17 de julho de 2025 às 12h00.

Última atualização em 17 de julho de 2025 às 15h29.

Na madrugada desta quinta-feira, 17, a Câmara aprovou por 267 votos favoráveis e 116 contrários, o projeto de lei (2.159/2021) que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental e pôs em xeque os esforços brasileiros na preservação e combate à crise climática a quatro meses da COP30

O texto, que estava em discussão há 20 anos, agora segue para sanção presidencial e ainda pode ser vetado pelo presidente Lula. Na prática, o licenciamento é obrigatório para qualquer atividade considerada potencialmente poluidora ou que utilize recursos naturais e é regulado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e baseado na Política Nacional do Meio Ambiente.

O que mais preocupa na mudança é a possibilidade de 'autodeclaração', obtida por meio de um termo de compromisso assinado pelo próprio empreendedor, sem passar pelo rigor do órgão ambiental.

Segundo especialistas ouvidos pela EXAME, não há dúvidas de que o licenciamento atual tem graves deficiências e precisa de reformas, mas o PL não é a solução e divide opiniões. Para ambientalistas, é um 'retrocesso' e um 'desmonte' da legislação brasileira no que diz respeito à proteção do meio ambiente e comunidades.

"O PL é uma negação da ciência e crise climática e é muito grave, pois enfraquece o pilar central da lei que é onde temos um espaço entre o uso de recursos naturais e ambiente saudável para a população", diz Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação do WWF-Brasil.

A aprovação é extremamente negativa para o país, garante a especialista. "O Brasil, que sempre se coloca neste lugar de ações robustas e soluções verdes, dá uma sinalização de que está fragilizando e o compromisso não é tão firme assim." 

Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, o licenciamento ambiental é um tipo de filtro: obriga empresas a avaliarem os impactos de suas obras antes de começar, e adotarem medidas para reduzir os danos.

"Precisamos de mais agilidade, um processo mais justo e transparente, mas não mais frágil. O PL piora muito o que temos agora", reiterou Natalie. 

André Castro Santos, Diretor Técnico da LACLIMA, ressalta que não se trata de mera burocracia e concorda que é legítimo o argumento de conferir maior segurança jurídica na legislação nacional, mas não da forma como sugere o novo texto. 

"A lei é uma salvaguarda socioambiental essencial, que cumpre o papel estratégico de prevenir desastres, proteger populações vulneráveis e garantir o uso sustentável dos recursos naturais. O PL vai na contramão da urgência de enfrentamento das mudanças climáticos e promoção da justiça ambiental." 

O avanço do projeto também representa uma derrota para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que vem sofrendo uma série de ataques do Congresso. Em reação nesta manhã, ela frisou que o governo tem compromisso em não sancionar a nova lei ambiental e que existem alternativas, como questionar a constitucionalidade da nova ordem aprovada pelo Congresso.

Parlamentares contrários ao texto lamentaram a aprovação e chamaram atenção para o fato de a votação ter sido feita em sessão remota e as escuras, adentrando a madrugada.

Por outro lado, os ministérios da Casa Civil, Transportes, Agricultura e Minas e Energia já sinalizaram serem favoráveis, sob a justificativa de que as medidas destravariam obras de infraestrutura em todo o país e melhorariam a capacidade do governo de fazer entregas.

Na tarde de terça-feira, 16, cientistas divulgaram um manifesto contra o afrouxamento da lei e afirmaram que o projeto representa “o mais grave retrocesso do sistema ambiental do país” desde a redemocratização e não é compatível com as metas climáticas brasileiras“Quatro biomas brasileiros estão muito próximos dos chamados pontos de não retorno”, alertaram. 

Em parecer técnico, o Observatório do Clima destacou que o PL não resolve a questão da harmonização e integração de regras que deveria resultar numa Lei Geral do Licenciamento Ambiental e gera mais insegurança jurídica para empreendedores ao reduzir o controle sobre atividades que causam degradação. “Além de não solucionar os problemas, traz riscos e problemas adicionais", cita. 

Por outro lado, entidades dos setores da agropecuária, energia, infraestrutura, mineração e indústria manifestaram apoio ao PL. Quem o vê com bons olhos, acredita que pode ser uma alavanca para o desenvolvimento do país ao ajudar na desburocratização, simplificação e destrave de projetos.

Ronei Glanzmann, CEO do MoveInfra, organização que representa as maiores companhias do setor de transporte, disse que "contribui para destravar obras de infraestrutura" e representa "um avanço na desburocratização", citando empreendimentos essenciais que estão parados: "podem levar saneamento para milhões de pessoas desassistidas, levar eletricidade para os rincões do Brasil."

O que muda com a aprovação

A proposta aprovada estabelece mudanças significativas no processo de licenciamento ambiental brasileiro.

O PL cria um novo tipo de licença especial (LAC) que autoriza obras e empreendimentos de forma mais rápida, independentemente do impacto ambiental, desde que a construção seja considerada estratégica.

Além disso, o projeto dispensa a necessidade de licenciamento para ampliação de estradas e atividades do setor de agricultura e pecuária, justamente as que mais contribuem para as emissões brasileiras. 

Uma dos principais pontos de preocupação é a 'autodeclaração', que permite uma autorização facilitada e quase automática após o envio de uma documentação, aplicável a projetos de médio porte com potencial poluidor.

Na prática, representa uma simplificação radical do processo, transferindo parte da responsabilidade de análise do estado para o próprio empreendedor. "A empresa diz que está tudo certo e o estado acredita", reflete Natalie ao expressar extrema preocupação.

Segundo André, o texto enfraquece instrumentos fundamentais de controle e prevenção de danos, sobretudo com este mecanismo, ao permitir que atividades sejam aprovadas sem uma análise técnica prévia por parte do órgão ambiental, desde que declare se tratar de empreendimento de baixo impacto.

"Trata-se de uma inversão da lógica da prevenção e da precaução, que transfere ao setor privado a decisão sobre o risco ambiental e compromete a capacidade do estado de agir antecipadamente", frisou. 

Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação do WWF-Brasil, explica que alguns parágrafos do texto já haviam sido julgados em outras ocasiões e foram considerados inconstitucionais. É o caso do LAC, que passou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e se definiu que só poderia ser aplicado em empreendimentos de baixo impacto. 

"O perigo é que o novo texto diz que o de médio impacto também pode ser dispensado e se 'autolicenciar'. É grave também que atividades agropecuárias estão isentas em sua maioria, visto que são as atividades que mais causam desmatamento", destacou. 

Giulianna Coutinho, diretora institucional comercial da Ambipar, também questionou o alto risco da autodeclaração. "O quanto as pessoas vão ser responsáveis e o quanto temos time técnico nos municípios para conseguirmos avaliar se o empreendimento de fato não irá causar mais danos que benefícios?"

Desmatamento tende a aumentar

Com o novo PL, um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) prevê que as 75 obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a Amazônia Legal podem ser submetidas ao licenciamento simplificado, deixando uma área equivalente ao território do Paraná desprotegida.

O projeto também estabelece que territórios indígenas e quilombolas só serão considerados pela lei caso possuam processo de regularização fundiária, o que exclui um terço dos territórios indígenas e 80% dos territórios quilombolas.

"Um país que tem dívida histórica com estas populações que não tem territórios garantidos, reforça a lógica de que eles não têm direito e não serão considerados nas atividades que podem afetar suas áreas", alertou Ana Carolina, evidenciando como a proposta caminha na contramão dos esforços governamentais de redução do desmatamento e das emissões no país.

Legislação precisa de reformas, mas solução não é o PL

Há um ponto de convergência entre os especialistas: o sistema atual precisa ser reformado. A discordância reside nos métodos aprovados e nos riscos que a nova legislação pode representar.

"Hoje, você demora dois, três anos para conseguir licenciar um empreendimento porque o órgão público está atolado", exemplificou Giulianna.

A necessidade de uma legislação nacional específica também é reconhecida. Como observa André, "é legítimo o argumento de uma lei que confere maior segurança jurídica ao processo, com regras mais estáveis e previsíveis". Natalie também reforça que "a ideia de um marco geral para o licenciamento foi uma ideia de ambientalistas há mais de duas décadas".

Camila Ramos, CEO e fundadora da CELA energia, sustenta que há um consenso no mercado que a lei precisa melhorar. "Temos sentido muita falta no setor elétrico de uma infraestrutura de autarquias como o IBAMA. É um órgão essencial para o bom funcionamento das atividades", citou. 

A observação ressoa com a proposta de André, que sugere que a eficiência do licenciamento "se faz por meio do aprimoramento de métodos, digitalização de processos, reforço orçamentário e valorização do corpo técnico ambiental."

Agora, o texto precisa ter a sanção do presidente Lula. Caso o petista vete trechos ou todo o projeto, a decisão pode ser revista pelo Congresso. Ainda assim, integrantes do governo já disseram que as novas regras podem ser questionadas judicialmente e o debate sobre os altos riscos ambientais e seus impactos está longe de terminar.

Enquanto o governo tem uma decisão importante para tomar sobre o futuro do país, organizações e ambientalistas se unem para impedir o avanço.

Em nota nesta quinta-feira, 17, o WWF lamentou o resultado. "É profundamente lamentável que o Congresso tenha ignorado os alertas da ciência e os apelos da sociedade civil. Agora, cabe ao Lula exercer sua responsabilidade e mostrar o seu compromisso com o clima, as pessoas e o meio ambiente. Ainda é possível evitar uma tragédia sem precedentes", escreveu.

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