ESG

Petrobras: presente incerto, futuro também

Estatal não aproveita rali do petróleo por causa de ingerência política e não investe em energia renovável, que é consenso como o futuro do setor

 (Germano Lüders/Exame)

(Germano Lüders/Exame)

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Rodrigo Caetano

Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às 07h00.

Última atualização em 23 de fevereiro de 2021 às 11h24.

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Plataforma de extração de petróleo da Petrobras: companhia perde valor de mercado e a chance de capitalizar o rali no preço do petróleo agora. Além disso, investe pouco em energias renováveis, que deverão crescer daqui para frente (Germano Lüders/Exame)

Em um dia, a Petrobras perdeu 74 bilhões de reais em valor de mercado. Nesta segunda-feira, as ações ordinárias e preferenciais da petroleira brasileira despencaram 21,51% e 20,48%, respectivamente, na esteira da troca de comando e de ameaças de ingerência na empresa por parte do presidente Jair Bolsonaro.

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Num momento em que as cotações internacionais do petróleo sobem com a perspectiva de retomada econômica (os preços dos contratos futuros acumulam alta de 70% desde novembro), o que representa um cenário positivo para qualquer petroleira, a Petrobras corre o risco de não aproveitar o rali da commodity.

Ao mesmo tempo, sofre com uma crise de confiança por parte dos investidores, que questionam o futuro da companhia pela falta de um “plano alternativo” ao petróleo, como suas maiores concorrentes estão fazendo ao apostar na diversificação do portfólio para o lado das energias renováveis.

Imobilizada em meio a eternas disputas políticas, o que a Petrobras parece estar fazendo é abrindo mão de ganhos no presente e, ao mesmo tempo, desperdiçando o futuro.

Ingerência política

A saída de Roberto Castello Branco e a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o posto de CEO, anunciada há dois dias pelo presidente, foi vista por investidores e analistas como uma tentativa de contenção “na marra” dos preços dos combustíveis. Aparentemente, a ideia do governo é “descolar” o valor da gasolina e do diesel nas bombas das cotações internacionais da commodity.

Não seria a primeira vez que a política de preços da Petrobras sofreria intervenção: essa condução no governo Dilma levou a petroleira a um prejuízo de 100 bilhões de reais entre 2014 e 2016. O uso populista da petroleira não poderia vir em pior hora.

Há uma janela de oportunidade aberta para as petroleiras atualmente. No curtíssimo prazo, os preços do petróleo devem avançar, ao menos até o final deste ano, segundo relatório da EXAME Gavekal. O petróleo tipo Brent – que serve de referência para os negócios da Petrobras – estava cotado a quase 66 reais nesta segunda-feira, uma alta de cerca de 30%.

A médio prazo o setor deve ser positivamente impactado pelo crescimento da demanda, que, apesar do avanço das renováveis e da eletrificação dos transportes, deve seguir em alta. Dados da consultoria S&P Global Platts mostram que, até 2045, a demanda por petróleo crescerá 9,4% no mundo.

É verdade que o consumo da commodity atingirá seu pico histórico por volta de 2040, pelas contas da consultoria (a Agência Internacional de Energia estima que isso deve acontecer em 2030). Porém, as perspectivas favorecem os investimentos em produção.

“Mesmo com a transição energética, vemos que a demanda por petróleo nos próximos 10 anos será alta o suficiente para exigir mais investimentos”, afirma Ashutosh Singh, analista para o setor de produção de óleo e gás da S&P Global Platts.

“Os empreendimentos do pré-sal no Brasil têm um dos menores custos de equilíbrio e são competitivos até mesmo com o xisto dos Estados Unidos. Há pouco risco desses campos se transformarem em ativos encalhados.”

O petróleo vai acabar?

É a longo prazo que o futuro do setor de petróleo se torna mais duvidoso, a depender da velocidade da eletrificação dos transportes e do desenvolvimento de novas matérias-primas não-fósseis, como o plástico verde. “Todo mundo sabe que o petróleo está com os dias contados”, afirma Victor Nehmi, gestor de commodities da gestora Sparta.

A partir dessa constatação, grandes petroleiras como BP, Shell, Repsol e Total fizeram compromissos de neutralizar suas emissões de carbono até 2050. Por trás da iniciativa ambiental, há um plano para aproveitar as oportunidades que surgirão no setor de renováveis e, por isso, essas empresas buscam se reposicionar no mercado.

“Estamos vivendo momentos interessantes. É uma das maiores transformações do setor de energia nas últimas décadas”, diz Mario Lindenhayn, CEO da BP no Brasil.

“Há um ano, a BP fez compromissos importantes e anunciou ao mercado que deixaria de ser uma empresa de petróleo e passaria a se posicionar como uma empresa integrada de energia. Isso significa revisitar nosso negócio. Não sairemos de óleo e gás, mas teremos um portfólio mais rico e focado no crescimento das energias renováveis.”

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(Patricia Lima/Editoria de Arte/Exame)

A Petrobras até que tentou ir pelo mesmo caminho das rivais. Mas, para o professor Edmar Almeida, do Instituto de Energia do Centro Técnico Científico da PUC-Rio, o contexto da petroleira brasileira é diferente.

“Não é que ela está atrasada. Ela tinha muitos investimentos em renováveis. A diferença é que ela é muito dependente do pré-sal. A missão é focar no pré-sal, desenvolver essas áreas. E não é pouca coisa”, diz Almeida. “A Petrobras já foi a empresa mais endividada do setor. Não é uma questão de escolha (investir em renováveis), a não ser que ela vendesse os campos do pré-sal.”

Apesar de concordar que o caixa limitado impede a Petrobras de focar no curto prazo em investimentos “verdes”, a vice-diretora da Coppe-UFRJ, Suzana Kahn, defende que a petroleira reduza sua pegada de carbono na extração atual de carbono de petróleo. “Não há nenhum cenário em que a presença do petróleo e de seus derivados continue a mesma por mais algumas décadas”, afirma. “O que a Petrobras deveria fazer é buscar um petróleo com uma pegada de carbono menor. Como as outras petroleiras, que estão mantendo suas extrações e diminuindo as emissões.”

Futuro incerto

“É uma morte anunciada. As empresas de petróleo precisam decidir se querem ficar paradas no tempo ou fazer a transição para se tornarem companhias de energia”, afirma Fabio Alperowitch, sócio da FAMA Investimentos, gestora focada no universo ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governança).

Aquelas que escolherem continuar se dedicando apenas aos combustíveis fósseis podem enfrentar duas consequências principais, segundo o gestor. A primeira é a exclusão do portfólio por parte dos investidores, que estão se tornando cada vez mais verdes.

Já a segunda é o aumento dos custos da própria atividade. “A Petrobras emite 62 milhões de toneladas de gás carbônico por ano e não paga nada por isso. Em um futuro não muito distante, será exigido que ela repare os danos causados ao meio ambiente e isso será incorporado na avaliação da empresa – o que, aliás, já devia estar sendo feito”, avalia Alperowitch.

Em paralelo, alternativas ao uso do petróleo ganham força. Segundo estimativas da Bloomberg New Energy Finance, a queda do consumo de petróleo deve se iniciar especialmente em razão do aumento do número de carros elétricos. A Tesla, empresa líder do setor, acumula alta de 91,19% em suas ações nos últimos quatro meses.

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(Patricia Lima/Editoria de Arte/Exame)

É esperado ainda que, com Joe Biden como presidente dos Estados Unidos pelos próximos quatro anos, os desafios da cadeia de petróleo sejam acelerados. “Vão surgir impostos cada vez maiores para estimular o uso de substitutos do petróleo e seus derivados”, diz Victor Nehmi, do Sparta.

Em entrevista à EXAME no fim de 2020, o então presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse que via a estatal apostando em petróleo e gás pelos próximos 20 ou 30 anos. E é de se esperar que o posicionamento a longo prazo não mude com a troca do comando exigida por Bolsonaro, dado que ele é um presidente conhecido por ter pouco apreço pela sustentabilidade e aos efeitos da emissão de carbono sobre o clima. Um risco para a empresa agora – e no futuro.

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