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ONU vive um dos momentos mais difíceis em décadas, alerta coordenadora no Brasil

Em entrevista exclusiva à EXAME durante fórum do Pacto Global, Silvia Rucks analisa dilemas de liderar em tempos turbulentos e o protagonismo empresarial na transformação sustentável

Silvia Rucks, Coordenadora Residente da ONU no Brasil : "Atuar na ONU significa que você é uma pessoa otimista e tem que levantar todos os dias para trabalhar com esperança" (Pacto Global da ONU/Divulgação)

Silvia Rucks, Coordenadora Residente da ONU no Brasil : "Atuar na ONU significa que você é uma pessoa otimista e tem que levantar todos os dias para trabalhar com esperança" (Pacto Global da ONU/Divulgação)

Publicado em 11 de junho de 2025 às 18h12.

Última atualização em 11 de junho de 2025 às 19h02.

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"Se queremos um mundo melhor, qual o nosso papel nesse processo? A pergunta não é retórica, ela é urgente".

A provocação de Silvia Rucks, Coordenadora Residente da ONU no Brasil, marcou a abertura do Fórum Ambição 2030, realizado em São Paulo no último dia 4 de junho.

Com o país posicionado no centro da agenda climática internacional como anfitrião da COP30, suas palavras ecoaram como um chamado à ação para as mais de 2 mil empresas participantes do Pacto Global da ONU, anfitrião do evento.

O recado foi contundente: "Vocês empresários são parte essencial dessa resposta". E a representante trouxe mais questionamentos diretos que ressoaram pelo auditório.

"Quais são as condições de trabalho na sua cadeia produtiva? Seus fornecedores também se pautam nos direitos humanos? Como anda a equidade salarial entre mulheres e homens? Há oportunidades reais para pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência e outros grupos marginalizados?"

Suas colocações revelaram o estilo pragmático que caracterizou também a entrevista exclusiva que Rucks concedeu à EXAME abordando desde a atuação do Pacto Global no Brasil - hoje a segunda maior rede no mundo - até a trajetória pessoal que a conduziu aos mais altos escalões das Nações Unidas.

Um balanço institucional aos 80 anos

"Posso afirmar categoricamente que este é um dos períodos mais desafiadores para nossa instituição", admitiu a coordenadora, com a franqueza de quem presenciou de perto as transformações geopolíticas globais.

"Por um lado, podemos celebrar o fato de termos cumprido aquele que era o maior propósito: evitar a terceira guerra mundial. Mas por outro, atravessamos neste momento um conjunto de desafios muito complexos que requerem mais diálogo do que nunca."

Além de mencionar os atuais conflitos armados, Rucks apontou outras dimensões da crise contemporânea.

"Além das crises humanitárias, que estão em um momento muito crítico, temos as mudanças do clima, as desigualdades crescentes, o retrocesso em direitos humanos", listou.

Por isso, conforme sua análise, neste contexto a responsabilidade corporativa é ainda maior, das políticas internas aos impactos em toda a cadeia de valor.

"E o impacto ambiental? De que lado a sua empresa está com relação à tríplice crise planetária? Perda de biodiversidade, poluição, mudança do clima. Seus produtos, seus processos estão alinhados com uma economia de baixo carbono?", indagou em seu discurso.

Sobre o tema, a representante da ONU afirmou na entrevista para EXAME que reconhece uma evolução no engajamento empresarial, sobretudo nos últimos anos. "E as organizações que seguirem liderando essa transformação serão as empresas do futuro", atestou.

Com referência aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, enfatizou: "Faltam cinco anos para 2030, não podemos mais esperar. As próximas gerações vão nos julgar por este momento da história."

Empresas estão respondendo ao chamado?

Essas ponderações foram avalizadas pelo Relatório Ambição 2030 - Ano 3, lançado pelo Pacto Global durante o fórum.

Conforme o documento, 362 empresas já assinaram 680 cartas-compromisso, assumindo cerca de 1.600 compromissos públicos distribuídos entre dez movimentos estratégicos.

Esses números representam impacto direto na vida de aproximadamente 1,6 milhão de pessoas trabalhadoras. E indicam um cenário positivo, em que muitas organizações efetivamente assumiram responsabilidades, transformando discursos em ações mensuráveis.

Com relação à tríplice crise planetária mencionada por Rucks, o relatório apontou que 97% da população no território de atuação das 23 organizações participantes já possui acesso à água potável, impactando 39,45 milhões de pessoas.

Um reflexo de iniciativas como o Movimento + Água, dedicado à segurança hídrica, que entre 2023 e 2024 registrou um crescimento de 41%, saltando de 46 para 65 corporações comprometidas.

Movimento que mais cresceu, o Conexão Circular registrou o surpreendente crescimento de 84,85%. Das 34 organizações comprometidas com zero resíduos para aterros sanitários até 2030, 22 já desviaram 2.574.934,07 toneladas de resíduos de aterros para soluções mais sustentáveis.

Por outro lado, dados dos Movimentos Salário Digno e Raça é Prioridade revelam que nem todas as transformações acontecem no mesmo ritmo. Somente 5 das 19 empresas comprometidas com remuneração digna estruturaram suas políticas seguindo metodologias reconhecidas.

E entre as que assumiram metas de diversidade em posições de liderança, apenas 20% efetivamente colocaram pessoas negras em 30% ou mais dos cargos de comando.

Da escola pública aos organismos internacionais

Silvia Rucks se define - e se mantém - uma otimista.

"Atuar na ONU significa que você tem que levantar todos os dias para trabalhar com esperança", resume.

Sua chegada à instituição, onde já soma três décadas de uma bem-sucedida jornada internacional, aconteceu de maneira quase casual.

Nascida em uma pequena cidade do norte do Uruguai, estudou em escola pública. Um começo que ela mesma define como difícil.

"Então, quando estava fazendo faculdade, vi um anúncio da ONU no jornal. Me candidatei e consegui", contou.

Formada em engenharia, é mestre em Administração e Gerenciamento de Negócios e fluente em inglês, italiano, português e espanhol. Antes de assumir a coordenação no Brasil, exercia um cargo equivalente no Chile.

No país andino, liderou a resposta da equipe da ONU na região durante um período de crise política, socioeconômica e de segurança sem precedentes, desencadeada pelo processo de reforma constitucional em 2019, e acentuado pela pandemia de COVID-19 em 2020.

Estar no mais alto escalão de uma organização internacional não a blindou contra obstáculos conhecidos por milhões de mulheres ao redor do mundo. Um dos maiores dilemas que enfrentou foi como equilibrar ambições profissionais com o desejo de maternidade.

"Eu queria ser mulher. Eu queria ser esposa. Eu queria ser mãe. Eu queria ser profissional. Em vários momentos, precisei escolher o que priorizar", explica a uruguaia, que tem dois filhos já adultos.

"E foram muitas as situações em que tive que me provar", acrescentou, sobre outros obstáculos específicos decorrentes de ambientes tradicionalmente muito masculinos.

COP30, paixão amazônica e esperança

Poucos representantes internacionais chegarão à maior conferência climática do mundo com um conhecimento tão íntimo da realidade local quanto Rucks, cuja conexão com a região transcende protocolos diplomáticos.

"Vivi a experiência de redescobrir a Amazônia, pois tinha uma visão muito romântica", revela a coordenadora. Por meio de vivências com o Fundo Brasil-ONU para desenvolvimento sustentável local, viu suas percepções iniciais serem completamente reformuladas.

"A Amazônia tem indígenas, quilombolas, ribeirinhos, mulheres, homens e cidades com desafios completamente diferentes. Há ainda um enorme potencial transformador, mas qualquer solução climática precisa considerar essa diversidade", destaca, a partir de uma profunda compreensão das complexidades regionais.

Na COP30, acredita no papel do Brasil como potencial articulador de soluções que transcendam fronteiras nacionais. Mas enfatiza a necessidade de um grande alinhamento doméstico. "É preciso coerência entre as políticas no nível federal, estadual e municipal", ressalta, em função da complexidade federativa brasileira.

"Para empresas, será uma janela histórica para mostrar como sustentabilidade e competitividade andam juntas", sugere. E atesta: "a COP30 em Belém não é coincidência. É a grande oportunidade de mostrar soluções práticas que funcionam, além de posicionar o país como aquele que constrói necessárias pontes entre o Norte e o Sul Global."

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