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Cila Schulman: "A lição dos últimos ciclos eleitorais internacionais é clara: o tema ambiental se converteu em um eixo transversal capaz de reconfigurar mapas eleitorais."
Publicado em 4 de agosto de 2025 às 11h27.
Última atualização em 4 de agosto de 2025 às 12h04.
* Por Cila Schulman
O meio ambiente se tornou um dos novos territórios de disputa eleitoral.
À medida que a preocupação dos eleitores com o clima e a sustentabilidade avança, o tema deixa de ser um consenso técnico e passa a alimentar divisões — entre os que enxergam a agenda verde como imperativo de futuro e os que a percebem como ameaça ao modo de vida ou à estabilidade econômica.
No Brasil, essa conversa ainda dá os primeiros passos, mas já carrega o potencial de reconfigurar o debate político e as escolhas nas urnas.
Por décadas, o debate ambiental no Brasil foi restrito a nichos acadêmicos, organizações da sociedade civil e espaços internacionais. Mas pesquisa realizada pelo IDEIA Instituto para o Brazil Forum UK, deixa claro: o assunto deixou de ser periférico e já influencia o comportamento eleitoral dos brasileiros.
Ainda que apenas 6% declarem que o meio ambiente é a principal bandeira que motiva o voto, outro dado relevante da pesquisa (que ouviu 1.502 brasileiros, em junho) está na disposição silenciosa do eleitorado: 58% afirmam que aumentariam as chances de votar em um candidato caso ele defenda a pauta ambiental.
Essa mudança de percepção não é isolada. Em diferentes partes do mundo, vitórias eleitorais recentes mostraram o peso crescente dessa agenda.
Na Colômbia, Gustavo Petro venceu com forte discurso ambiental; na Alemanha, os Verdes alcançaram o melhor resultado da história nas eleições nacionais de 2021; e, em países como França e Austrália, a pauta climática se consolidou como elemento central das campanhas, especialmente entre o eleitorado jovem e urbano.
Mas o avanço da pauta ambiental nas eleições vem acompanhado de um efeito colateral: a crescente associação do tema a um espectro ideológico específico. Em muitos países, a defesa do meio ambiente é rapidamente vinculada à esquerda, o que limita o alcance e aprofunda a polarização.
O Brasil, segundo a pesquisa, segue a mesma tendência: 27% dos respondentes consideram que a pauta do meio ambiente é de esquerda versus 9% da direita.
Essa percepção transforma um debate técnico e global em mais um marcador de identidades políticas, reduzindo as chances de construir consensos e ampliando as resistências, sobretudo entre eleitores mais conservadores.
Em 2024, as eleições europeias demonstraram o peso — e o risco — da pauta ambiental nas urnas.
Na Alemanha, o Partido Verde, que integrava o governo, sofreu derrotas significativas em eleições regionais após o anúncio do fim gradual dos aquecedores a gás.
A medida, vista por muitos como símbolo de imposição estatal e aumento do custo de vida, alimentou a retórica populista da direita radical, que capitalizou o descontentamento.
Na França, o presidente Emmanuel Macron enfrentou protestos massivos com o movimento dos coletes amarelos — os Gilets Jaunes — em reação ao anúncio da progressão dos impostos sobre produtos de origem fóssil e sobre as emissões de carbono.
Teve que refluir ainda ao tentar implementar restrições ambientais no setor agrícola, como o endurecimento das regras para o uso de pesticidas.
O chamado “greenlash" ou “green backlash” (a reação às políticas ambientais) também ganhou força na Austrália, após o governo trabalhista propor o fechamento acelerado de usinas a carvão e subsídios a veículos elétricos, enquanto os preços da energia disparavam.
Grupos conservadores exploraram o temor de perda de empregos em regiões mineradoras, gerando um clima de polarização e dificultando o avanço das políticas de transição energética.
Na América Latina, vimos o exemplo do Chile, que em 2022 viu o projeto de nova Constituição — amplamente progressista e com forte viés ambiental — rejeitado por 62% dos eleitores.
No Brasil, o movimento ainda é incipiente, até porque somente 24% se consideram informados sobre as posições dos candidatos sobre o meio ambiente.
De outro lado, carrega potencial, especialmente se lembrarmos que este cenário ocorre em paralelo a crises climáticas recorrentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e as secas prolongadas no Nordeste, que escancararam os custos econômicos e sociais da inação ambiental.
Não por acaso, a maioria enxerga impactos financeiros decorrentes da crise climática: 66% consideram que a degradação tem impacto na sua vida financeira.
Destes, 38% acreditam que resulta em aumento do preço dos alimentos, 29% no aumento das tarifas de luz e água, 16% na necessidade de fazer gastos extras com aquecedores e ar condicionado e 13% percebem que enchentes ou seca resultam em falta de acesso à educação e saúde.
Tampouco não por acaso os governos aparecem entre os principais vilões do meio ambiente: o federal com 40%, as prefeituras com 23% e os estados com 20%.
A Câmara dos Deputados aparece como vilã para 7% e o Senado para 4%. E 49% não veem nenhuma das três instâncias de governo — federal, estadual e municipal — agindo para solucionar a crise climática no Brasil.
Ao mesmo tempo, cresce a consciência sobre o papel estratégico do Brasil na transição energética global.
São 26% os que acreditam termos vocação e capacidade técnica para que o nosso país se torne referência no uso de hidrogênio de baixa emissão e 33% que entendem que com investimentos temos esse potencial — dados simbólicos diante dos preparativos para a COP30 em Belém, onde o Brasil terá a vitrine ideal para reafirmar (ou desperdiçar) esse protagonismo.
A lição dos últimos ciclos eleitorais internacionais é clara: o tema ambiental se converteu em um eixo transversal, capaz de redefinir alianças, acirrar polarizações e reconfigurar o mapa eleitoral.
No Brasil, onde a biodiversidade e a matriz energética limpa não são apenas ativos ambientais, mas diferenciais geopolíticos e econômicos, o eleitorado parece, finalmente, fazer essa conexão.
Cabe aos candidatos — de todos os espectros — compreender que ignorar a pauta ambiental não é apenas um erro estratégico. É um risco eleitoral. Mas abordá-la sem sensibilidade social e política pode ser um tiro no pé.
* Cila Schulman é CEO do IDEIA Instituto de Pesquisa