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Paulo Barreto, pesquisador do Imazon: "Os dados mostram que a crise climática já afeta a estabilidade econômica e exige uma resposta urgente e estruturada" (Leandro Fonseca/Exame)
Publicado em 5 de outubro de 2025 às 12h14.
Por Paulo Barreto*
O influente analista financeiro Morgan Housel escreveu que o “incentivo é a força mais poderosa do mundo”. E completou: se decisões absurdas ocorrem, é devido a incentivos inadequados. Essas máximas servem para explicar um dos maiores paradoxos ambientais e econômicos do Brasil: o desmatamento especulativo e ilegal da Amazônia.
Áreas públicas são invadidas, desmatadas com a expectativa que serão regularizadas como propriedades privadas. Esse ciclo perverso é alimentado por incentivos mal desenhados, que premiam a grilagem — a apropriação ilegal de terras públicas — com a possibilidade de legalização e valorização futura. O resultado? Um mercado informal de terras que destrói patrimônio financeiro, natural e ameaça a estabilidade econômica do país.
A ocupação ilegal de terras públicas foi responsável por 51% do desmatamento entre 2019 e 2021, segundo estudo do Ipam. Segundo análise do Observatório de Florestas Públicas cerca de 50 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas – ou duas vezes e meia o território do Paraná estão vulneráveis à grilagem. A ocupação ilegal dessas áreas, seguida de desmatamento, é muitas vezes usada como estratégia para obter títulos de propriedade e valorização imobiliária.
A expectativa de ganhos aumenta pelo fato de que os projetos de regularização envolvem a promessa de venda da terra por preço baixo do mercado. Um estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), liderado por Brenda Brito, estimou que a regularização de ocupações ilegais de terras públicas (19,6 milhões de hectares) por preço abaixo do mercado resultaria em perda pública de US$ 16,7 a 23,8 bilhões.
O impacto vai além da perda financeira. Um estudo da Universidade de São Paulo revelou que o desmatamento na Amazônia é responsável por 74% da redução de chuvas durante os períodos de estiagem e por 16,5% do aumento da temperatura. Isso afeta diretamente a produção agropecuária, que depende da regularidade das chuvas, e a geração de energia, majoritariamente hídrica. Um estudo da Climate Policy Initiative vinculada a PUC-Rio mostrou que o desmatamento tem reduzido a produção de energia e os lucros de hidrelétricas nas regiões por causa da redução de umidade oriunda da Amazônia.
O Banco Central do Brasil alertou que eventos climáticos extremos aumentam a inflação e ameaçam a estabilidade fiscal. Em 2024, 44% das instituições financeiras relataram impactos desses eventos, contra 17% em 2023. As consequências incluem paralisações produtivas, perda de renda dos clientes e maior demanda por renegociação de crédito, elevando o risco sistêmico no setor. Os dados mostram que a crise climática já afeta a estabilidade econômica e exige uma resposta urgente e estruturada.
O incentivo a grilagem é ampliado pela impunidade. Brenda Brito analisou 526 decisões judiciais contra a grilagem na Amazônia Legal. Apenas 7% resultaram em condenações. A morosidade judicial, a falta de provas e a ausência de um tipo penal específico para grilagem criam um ambiente de impunidade. Em 33% dos casos, os crimes prescreveram antes de qualquer julgamento. O recado é claro: invadir terra pública e desmatar pode ser lucrativo e de baixo risco.
A lógica financeira nos ensina que, para mudar comportamentos, é preciso mudar os incentivos. No caso da Amazônia, isso significa reformar as políticas de regularização fundiária e de gestão territorial. As recomendações são claras:
Destinar florestas públicas conforme prioridades de conservação e constitucionais. Os mais de 50 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas devem ser convertidos em áreas compatíveis com a conservação e aos direitos estabelecidos na Constituição, o que inclui unidades de conservação, territórios indígenas, reservas extrativistas ou áreas de pesquisa científica. A destinação impede a ocupação ilegal e fortalece a governança territorial.
Tantos governos estaduais e federal devem agir rapidamente, pois das florestas públicas não destinadas, 19 milhões estão sob jurisdição federal e 31 milhões sob controle dos estados. O governo federal pode estimular os governos estaduais com a criação de áreas trocando parte da criação de áreas protegidas por dívidas estaduais com a União (cerca de R$ 8,8 bilhões em junho de 2025) e ampliando programas de Pagamento por Serviços Ambientais ligados à regulação do clima e à produção de chuvas essenciais a água, agricultura e energia.
Integrar cadastros fundiários e ambientais. A sobreposição de registros e a falta de transparência favorecem fraudes. A integração entre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) e os registros estaduais é fundamental para identificar irregularidades e impedir a legalização de áreas griladas.
Morgan Housel nos lembra que os incentivos moldam o mundo. Se queremos conservar a Amazônia, precisamos parar de premiar quem a destrói. A floresta não é apenas um ativo ambiental — é um pilar da nossa segurança econômica. E como todo bom investidor sabe, proteger ativos valiosos é uma questão de inteligência, não de ideologia.
*Paulo Barreto é pesquisador do Imazon e coordenador do Radar Verde