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Relatórios financeiros são como retrovisores: mostram o que já passou, o que já foi feito e, por isso, é imprescindível que as organizações compartilhem com o seu ecossistema de stakeholders sua estratégia futura (OsakaWayne Studios/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 8 de abril de 2023 às 09h00.
Última atualização em 17 de abril de 2023 às 10h02.
É fato que não há como prever crises em grandes empresas. Mesmo com o escrutínio da imprensa, de acionistas minoritários e analistas de risco, entre outros agentes de mercado e partes interessadas, sabemos que há muitas fragilidades no mundo dos negócios -- sobretudo entre o discurso e a prática. O recentes caso de denúncia de trabalho análogo à escravidão em uma fornecedora das vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora, e agora no Lollapalooza, são exemplos dessa lacuna.
Na perspectiva financeira, se analisarmos os balanços e os relatórios de risco publicados antes de grandes escândalos como o da Petrobrás, da Samarco e das Americanas, envolvida em crise recente, quais evidências encontraríamos dos fatos que causaram tamanho prejuízo aos investidores e à sociedade? A que conclusão chegaria o acionista minoritário, aplicado e interessado, dessas companhias? Será que ele capturaria os pontos de vulnerabilidade por meio da leitura de seus balanços e informes trimestrais? Creio que não.
Há vinte anos, grande parte dos executivos e representantes da sociedade civil no Brasil não possuía aparato técnico e crítico para formular perguntas e gerenciar temas delicados, que poderiam gerar crises a médio ou longo prazo, como as citadas acima. Entendiam, muito superficialmente, a importância de servir às partes interessadas e o papel de sua empresa, ou organização, no mercado.
É notório que a maioria dos grandes acionistas, a quem os executivos respondem, estão mais preocupados com indicadores financeiros e de risco, mas nem sempre conseguem identificar outros potenciais cenários de crises, nos campos sociais e ambientais, que atores daquele ecossistema de negócios específico, com uma análise mais crítica, seriam capazes de avaliar.
De acordo com levantamento feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas, ONU, e a Consultoria Accenture, 98% dos CEO´s acreditam que a sustentabilidade é uma das obrigações do cargo que ocupam. Outros 15% dizem que isso já acontece há mais de dez anos. O tema é importantíssimo para executivos das principais companhias, porém ter uma relação saudável com os públicos do entorno da operação, ainda é uma missão a ser cumprida na jornada ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança). Não por acaso, segundo a mesma pesquisa, 93% dos executivos da alta gestão afirmam estar lidando com dez ou mais desafios ESG ao mesmo tempo.
No caso da crise da Samarco e da grande tragédia ocorrida em 2015, quem poderia antecipar que a barragem romperia decidiu reduzir investimentos na gestão de riscos e aprovou a ampliação da extração do minério. Contudo, quando se trata de intervenções de grande impacto ambiental, é fundamental considerar a opinião dos funcionários técnicos, dos órgãos de controle e reguladores, de auditores independentes, das organizações da sociedade civil e, não menos importante, levar em conta os saberes tradicionais das populações locais.
No recente caso da Americanas, altos executivos, com base em informações privilegiadas, venderam parte relevante de suas ações antes da troca de comando da empresa. Ou seja, sabiam que poderia haver um revés e optaram por proteger seu patrimônio, a despeito de suas responsabilidades e compromissos éticos. Se, no passado, o progresso das empresas era pautado somente pela receita e distribuição de dividendos no curto prazo, atualmente investidores e consumidores estão mais conscientes, demandando instrumentos e práticas que sustentem a longevidade das organizações. Em suma, exigem um conjunto de atitudes que torne as operações das empresas ecologicamente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis.
Neste contexto, o conceito de Governança Corporativa vem demonstrando crescimento em sua relevância, muito em decorrência do avanço da agenda ESG, que colocou na conta a necessidade de novos compromissos globais para mitigar, ou superar, impactos sociais e ambientais. Todavia, esses elementos ainda não são uma realidade na prestação de contas da maioria das empresas brasileiras.
Relatórios financeiros são como retrovisores: mostram o que já passou, o que já foi feito e, por isso, é imprescindível que as organizações compartilhem com o seu ecossistema de stakeholders sua estratégia futura, ancorada em um sistema de gestão estruturado que ouça todas as partes interessadas. Os resultados financeiros são, por óbvio, importantíssimos. Contudo, é fundamental que venham acompanhados de uma análise de sustentabilidade capaz, inclusive, de transparecer aspectos a serem melhorados.
A consultoria em estratégia ESG BEON divulgou, no ano passado, estudo sobre a opinião de médias e grandes empresas do país sobre as práticas de ESG. A pesquisa mostra que 66% das grandes companhias e 51% das médias empresas possuem um Conselho de Administração bem estruturado e que, dos 401 empresários entrevistados, 36% confirmam a participação das partes interessadas na escolha de seus conselheiros. Logo, é importante que o grupo consultivo seja diverso, com pessoas que materializem, com sensibilidade, demandas urgentes, a serem contempladas no desempenho organizacional.
É imprescindível que empresas e conselheiros considerem as necessidades de seus públicos de interesse para alcançar os objetivos traçados, a longo prazo. Para tanto, também é fundamental acompanhar e incorporar debates, alinhados com o propósito das organizações e com as demandas da sociedade, para maximizar seus retornos, sem danos à sua imagem e reputação. Começar a incluir outros atores na conversa e criar indicadores, não resultará em uma solução milagrosa que surta efeitos de um dia para o outro, mas mudará a cultura e permitirá que danos sejam evitados com um melhor planejamento.
É preciso ficar atento às demandas e ao espírito do tempo presente. Nesse sentido, o alinhamento entre todas as áreas de uma empresa, por meio da Governança Corporativa, mostra a importância da transparência, da prestação de contas, da responsabilização dentro da cultura de uma organização e, mais ainda, da redução de riscos. Do contrário, o custo da não conformidade com a letra “G” das práticas de ESG pode ser devastador.
*Rodolfo Guttilla é Cientista Social, com mestrado em Antropologia pela PUC São Paulo. Foi Conselheiro do Global Report Initiative e é sócio cofundador da CAUSE