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Desastre: guia caminha por uma fenda da geleira Ritacuba Blanco, na montanha nevada colombiana de El Cocuy, em abril de 2024 (AFP Photo)
Agência de notícias
Publicado em 8 de maio de 2024 às 13h02.
Um dos picos mais altos da Colômbia, o Ritacuba Blanco, estava coberto por um liso lençol de neve até alguns meses atrás. No entanto, o brutal fenômeno do El Niño o rachou, provocando enormes fendas, sinais inéditos de sua agonia.
Desde novembro, quando a temperatura começou a subir no país devido ao fenômeno climático, a camada branca começou a desaparecer a uma velocidade que os especialistas da Sierra Nevada El Cocuy, no extremo leste do departamento de Bocayá, consideraram alarmante.
As autoridades culpam o El Niño, uma consequência natural proveniente do aquecimento do Oceano Pacífico, que afeta a Colômbia desde o final de 2023. O país, um dos mais biodiversos do mundo, registrou em março o mês mais quente de sua história, com temperaturas de até 42,4°C em algumas regiões.
"O fenômeno do El Niño é talvez a pior coisa que pode acontecer com as nossas montanhas ou geleiras colombianas, pois há ausência de nebulosidade e, portanto, não precipita neve nas geleiras, que é o que precisamos para que se mantenham", explica o glaciologista Jorge Luis Ceballos, do estatal Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam).
O Ritacuba Blanco é o que mais possui fendas entre os picos nevados do país, que beiram a extinção. Enquanto derrete gota a gota, os turistas o visitam e posam para fotografias entre as altas paredes das fendas. Das 14 geleiras tropicais que existiam na Colômbia no início do século XX, restam apenas seis.
"No final do ano passado, neste local, as paredes mediam cerca de seis metros", mas agora "praticamente não chega a um metro"."É grande a quantidade de gelo" que foi perdida nos últimos "seis meses", relata preocupado Edwin Prada, um guia local.
O El Niño acelerou o desaparecimento das geleiras de El Cocuy, um paraíso gélido onde nascem rios, acessível unicamente após uma caminhada elevada de sete quilômetros. As montanhas são habitat de aves, como condor-dos-andes, e mamíferos, como antas e veados.
Segundo dados de 2022, cerca de 12,8 km² desse território estavam então cobertos por gelo e neve, a menor extensão desde que o Ideam monitora os dados. Em 2010, eram 16,5 km² e em 2003, 19,8 km². Nos últimos meses, "a neve derreteu por falta de precipitação, o gelo ficou exposto à radiação solar e isso acelerou a fusão do gelo", sustenta Ceballos, a principal autoridade do assunto na Colômbia. "Observamos uma mudança nas espessuras de gelo entre 2 e 3 metros (...) isso para um glaciar colombiano é muito", acrescenta.
Em 2023, o planeta passou pelas temperaturas mais altas desde que há registro, segundo o Observatório Europeu do Clima Copernicus (C3S). A ONU calcula que em 2024 o mundo poderia quebrar esse recorde.
As geleiras, fieis termômetros do aquecimento global, dão sinais de alerta. Na Ásia, o continente mais afetado pelos calores extremos, os picos gelados do Himalaia também estão sucumbindo, ameaçando a segurança hídrica da região, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
O observatório Copernicus indicou nesta quarta-feira, 8, que o El Niño está "enfraquecendo", algo que permite vislumbrar um possível alívio no final do ano - mas sem mudar a tendência fundamental de um aquecimento alimentado pelo uso massivo de petróleo, carvão e gás fóssil.
O El Niño provocou em janeiro incêndios que devastaram uma parte das emblemáticas montanhas de Bogotá. Naquele mês, o fogo consumiu mais de 17.000 hectares de floresta em todo o país.
Algumas das chamas chegaram aos páramos, ecossistemas frágeis e únicos de países andinos, cujos frailejones, vegetais típicos do bioma, ficaram carbonizados. Pequenas lagoas que abastecem água a povoados também secaram.
Em uma decisão sem precedentes neste século, a capital colombiana decretou um racionamento no serviço do aqueduto há três semanas devido ao baixo nível de seus reservatórios.
"Este ano, cada vez que subo está pior, já há uma nova fenda, mais degelo (...) é muito triste ver como está se fragmentando", lamenta Luisa Cepeda, uma médica de 39 anos, que caminhou junto com sua filha adolescente para ver o ocaso do glaciar. "Queria conhecer, não queria perder antes que acabasse (...) dá tristeza ver como está se fragmentando", lamentou a mulher.