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Depois de mais de 100 anos, a Ford decidiu deixar o Brasil. Decisão é reflexo do está reservado para o futuro da indústria automotiva. (Carla Carniel/Reuters)
A americana Ford, fabricante de veículos automotores operando no mercado brasileiro há mais de 100 anos, anunciou que vai deixar o País. Esta decisão, já expressa como irrevogável, pegou a todos de surpresa. É a segunda grande marca do setor que deixa o Brasil “a pé”; a primeira foi a alemã Mercedes Benz. Muito se especula sobre as razões desse anúncio intempestivo: dólar nas nuvens, impostos elevados, meio ambiente agredido, política econômica frágil e redução de vendas. Isso tudo além da pandemia. Pode ser sim um pouco disso tudo ou tudo isso mesmo. E mais alguma coisa.
Analistas lembram dos carros elétricos, que a Ford demorou para enxergar como o futuro inexorável do setor. Outras empresas saíram em disparada na frente, como a Tesla, uma neófita no segmento automobilístico. Agora, a mais tradicional fabricante de automóveis do mundo, criada pelo lendário Henry Ford, busca desesperadamente recuperar o espaço perdido. E para tanto, está ceifando as arestas.
O setor automobilístico tradicional, movido a combustível fóssil, enfrenta uma encruzilhada impiedosa: muda e avança ou permanece como está e fenece. É apenas uma questão de tempo. Os carros elétricos ganham cada vez mais espaços na pista e numa velocidade impressionante. Na Noruega, por exemplo, mais da metade de sua frota de automóveis é formada por carros movidos a eletricidade. Outros países da Europa já definiram datas para banir de suas cidades os carros movidos a gasolina e diesel. Há anos o meio ambiente “grita” e, ao que parece, governos finalmente estão escutando e tomando as devidas providências.
O carro elétrico, não resta dúvida, é o vilão que hoje assusta o carro tradicional. É a eterna luta do moderno contra o antigo. A História está repleta de exemplos. O espaço, como no caso em tela, não permite a coexistência entre ambos os modelos. Apenas um sobreviverá.
Não se pode permitir, no entanto, que essa disputa, que ainda promete lances mais dramáticos, turve a visão e impeça de se ver o que mais está acontecendo no mercado de mobilidade e motivando decisões como a da Ford, de rever os seus modelos de negócios. Além do carro elétrico, há que se atentar para o novo consumidor, ou o consumidor dos novos tempos, que tem questionado o seu sentimento de posse, da necessidade de se ter, de ser o dono deste ou daquele bem. Dentre os vários produtos que a nova geração de consumidores considera transitório, de uso momentâneo, o carro é o principal deles.
Essa nova geração de consumidores é adepta do compartilhamento de bens. Várias empresas já se deram conta desse movimento e se preparam para se adequar às mudanças. Hoje, por exemplo, se qualquer consumidor quiser desfilar com um carro da última geração pelas principais avenidas do mundo, não precisa possuir o veículo; pode tê-lo apenas por algumas horas, por dia, semana ou mês. Essas novas modalidades de contrato - por assinatura, aluguel, eventual e por hora – estão crescendo e revelam a tendência do mercado de mobilidade, que ganhou impulso com a pandemia. Não é segredo que o transporte coletivo é foco de aglomeração e, por consequência, de elevado número de contaminação.
Conforme frisado no início, são várias as motivações para a saída da Ford do mercado brasileiro e estas não se restringem aos fatores políticos e econômicos do presente, mas também e principalmente às mudanças que a empresa já vislumbra em seu horizonte, tanto no modelo energético do produto que fabrica como nas diferentes maneiras da sua utilização pelo consumidor destes novos tempos. A Ford está olhando para o hoje, porém mirando para o amanhã.
*Oskar Kedor, CEO e fundador da Mobility S/A