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O chamado de Gaia: o impacto da crise climática sobre as mulheres

Quando a mitologia grega capturou no nome feminino Gaia o vínculo com a natureza e sua essência vital, deixou para nós um chamado para pensar soluções para o clima a partir da perspectiva das mulheres

São muitas as evidências que nos chamam a colocar as mulheres no centro das discussões e decisões sobre as mudanças climáticas (Uriel Sinai/Getty Images)

São muitas as evidências que nos chamam a colocar as mulheres no centro das discussões e decisões sobre as mudanças climáticas (Uriel Sinai/Getty Images)

Daniela Grelin
Daniela Grelin

Diretora Executiva do Instituto Natura

Publicado em 21 de novembro de 2024 às 11h20.

Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 14h23.

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A crise climática não afeta todos da mesma forma. Em um recente encontro do Clube EXAME ESG, aprendi que o risco de um desastre pode ser descrito pela fórmula R = P x E x V (risco = perigo x exposição x vulnerabilidade). A temperatura média global já aumentou cerca de 1,1°C acima dos níveis pré-industriais. Ou seja, no final, todos nós temos que lidar com o perigo aumentado de um péssimo negócio – que não foi, necessariamente, contratado por um de nós, mas as consequências maiores são para as populações mais expostas e mais vulneráveis.

As mulheres são, reconhecidamente, as mais impactadas. Se não, vejamos. Segundo o Communiqué do W20[1], as mulheres e as meninas representam 80% das vítimas dos desastres climáticos, evidenciando o impacto desproporcional sobre elas, uma vez que constituem uma parcela ainda vulnerabilizada socioeconomicamente e sub-representadas politicamente. Até onde a vista alcança, o perigo não tende a diminuir. Pelo contrário, as metas e políticas atuais de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) são insuficientes para limitar o aquecimento global a 1,5 C. O custo global dos danos causados ​​pelas alterações climáticas é estimado entre 1,7 bilhões e 3,1 bilhões de dólares por ano até 2050. Este risco desproporcional é reconhecido por diferentes fontes. Para citar algumas apenas:

  • O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2022 menciona que as populações femininas têm 14 vezes mais chances de morrer em uma catástrofe climática do que a masculina.
  • Um relatório da ONU traz números que retratam a conexão violenta entre gênero e clima: em 2005, após o furacão Katrina, a taxa de estupros do estado do Mississipi aumentou mais de 50 vezes. Em Porto Rico, na esteira do furacão Maria, os serviços de apoio às mulheres tiveram um aumento de 62% em pedidos de ajuda relacionados a violências baseadas no gênero.
  • No início de 2023, aqui no Brasil, quando se tornou notório o cenário de abusos contra os povos ianomâmis decorrentes das ações de garimpo e da negligência (e anuência!) do Estado brasileiro, diversas notícias trouxeram atenção para a população feminina que havia passado por situações de violência sexual. Ao menos 30 meninas yanomamis, de acordo com dados de fevereiro de 2023, estavam grávidas de garimpeiros, segundo denúncias do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

São muitas as evidências que nos chamam a colocar as mulheres no centro das discussões e decisões sobre as mudanças climáticas. Por isso mesmo, o W20 conclama os países do G20 a assegurar a representação equitativa de mulheres como tomadoras de decisão e negociadoras na Conferência das Partes (COP) e em todas as outras reuniões multilaterais sobre mudanças climáticas.

Não se trata apenas de uma questão de justiça e avanço do ODS 5, mas uma estratégia inteligente para superar os principais detratores do desenvolvimento sustentável: o acesso desigual à educação, oportunidades econômicas, as violações dos direitos humanos de mais da metade da população, no caso do Brasil.

De fato, as mulheres têm um papel essencial e incontornável na construção da resiliência climática, do desenvolvimento sustentável e da promoção da paz e segurança, temas indissociáveis.

Elas fazem isso de múltiplas formas. Atuam na gestão de recursos naturais, especialmente em áreas rurais, liderando práticas agrícolas e de uso da água mais racional, promovendo a segurança alimentar e hídrica. Promovem a resiliência comunitária, durante crises e conflitos, assumindo papéis de liderança em esforços de resposta local, reconstrução, restauração de infraestrutura e promoção da coesão social. Elas frequentemente lideram movimentos para denunciar violações de direitos e proteger comunidades vulneráveis. Sabemos que uma sociedade civil ativa e organizada é o melhor preditor de avanços legislativos e de políticas públicas eficazes, visando práticas regenerativas e protetoras da vida humana.

Quando a mitologia grega capturou em um nome feminino, - Gaia - o vínculo com a natureza e sua essência vital, talvez tenha deixado para nós um chamado, que só poderíamos ignorar para nosso próprio prejuízo, que nos convoca a pensar soluções e estratégias para a resiliência climática a partir da perspectiva das mulheres em suas interseccionalidades.

[1] W20 (Women's 20) é um grupo de engajamento oficial do G20.

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