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A estimativa é que o mercado de carbono regulado comece a operar em 2030 no Brasil, após regulamentações na lei (Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 13 de fevereiro de 2025 às 16h55.
Última atualização em 13 de fevereiro de 2025 às 17h35.
O fim de 2024 foi marcado pela conquista da tão esperada aprovação do mercado de carbono regulado pelo Senado brasileiro, o que já estava em discussão há pelo menos 10 anos. Ainda com muitas indefinições sobre mecanismos e instrumentos, a estimativa é que este comece a comercializar créditos apenas em 2030.
Até lá, as expectativas são altas: o setor pode atingir um valor de US$ 50 bilhões até o final da década e o Brasil pode ter posição de liderança pela sua abundância em soluções verdes, segundo a consultoria McKinsey.Pensando em alavancar e destravar aspectos da lei, uma iniciativa fruto da parceria do ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional) e da WayCarbon trabalha desde 2023 para coletar e fornecer subsídios técnicos ao governo federal na elaboração dos próximos passos, por meio da análise de um 'framework' do mercado nacional.
Com financiamento da UK PACT Brasil, o primeiro relatório foi lançado nesta quinta-feira (13) e aponta caminhos para a utilização de créditos de carbono, além de garantir a adoção de padrões robustos e alinhados com as melhores práticas internacionais. A análise considerou os sistemas de comércio adotados na Califórnia (EUA), Coreia do Sul e China.Entre as principais recomendações do relatório, estão a definição de critérios rigorosos para a aceitação de créditos de carbono no Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), priorizando projetos nacionais e setores estratégicos. Além disso, sugere a adoção de padrões de certificação reconhecidos internacionalmente, como VCS e Gold Standard, para garantir a confiabilidade dos créditos.
Para assegurar a integridade e os benefícios socioambientais dos projetos, há a proposta de criação de mecanismos de monitoramento e verificação.
O relatório apoia diretamente o trabalho da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) no levantamento de subsídios para a tomada de decisão sobre aspectos da regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
Rodrigo Rollemberg, Secretário de economia verde, descarbonização e bioindústria na MDIC, disse à EXAME que a criação das estruturas institucionais necessárias para a operacionalização e implementação do sistema é o primeiro passo.
Neste sentido, uma das recomendações em destaque é a inclusão de créditos compensatórios offsets (de origem no mercado voluntário) dentro do regulado.Este é o primeiro relatório fruto da iniciativa, com o objetivo de levantar informações sobre como estes créditos são gerados no mercado. Um segundo está previsto e deve ser publicado ainda no primeiro semestre de 2025, trazendo como foco a infraestrutura e os registros das compensações.
"As atividades garantem que a construção do mercado de carbono seja baseada em um processo participativo e alinhado às melhores práticas, permitindo um ambiente regulatório mais eficiente e funcional", destacou Rollemberg.
Gabriela Dorlhiac, diretora executiva da ICC Brasil, destacou que a regulação já era uma demanda forte do setor privado nos últimos anos e que definir as regras não é algo trivial. "Buscamos não apenas apoiar tecnicamente o governo nessa jornada, mas criar essas pontes de diálogo e cooperação público-privada a fim de acelerar a descarbonização da economia", disse à EXAME.
Henrique Pereira, COO da WayCarbon, complementa que o documento faz uma avaliação de outros mercados internacionais com o olhar de integridade, entendendo quais projetos são considerados mais robustos e relevantes. "Isso com o olhar da tecnologia para o contexto do Brasil -- um país rico em biomassa, renováveis, etanol e mais -- e também pensando em volume e custos", destacou.
Por fim, o estudo também enfatiza a necessidade de um engajamento contínuo entre governo, setor privado e sociedade civil para o sucesso da regulamentação.
Na prática, há alguns instrumentos primordiais que estabelecem o mercado de carbono brasileiro. O primeiro deverá definir quais empresas vão ter que reportar suas emissões de carbono em inventários e comunicá-las no âmbito federal. Aquelas que ultrapassarem as 20 mil toneladas de C02 por ano vão ser obrigadas a compensar, por exemplo.
Em seguida, entra o mais importante: o chamado plano de alocação. Este ainda precisa estabelecer três regras: uma meta de tempo para a redução das emissões brasileiras, quais empresas deverão participar obrigatoriamente, e em terceiro, em qual proporção cada setor vai contribuir.
Além do volume reportado no inventário, o custo da redução da pegada de carbono por algumas indústrias deverá ser considerado, explicou Henrique Pereira, em entrevista à EXAME.
"O que o mercado quer como instrumento é que se o setor X ou Y comprar ou vender créditos, isto aconteça de forma mais barata", disse.
Além das empresas obrigadas a reduzir pela lei, o governo também pode optar por aceitar créditos de outras que estão investindo, por exemplo, em reflorestamento ou outros projetos de baixo carbono – esses são chamados de "offsets", de origem no mercado voluntário.Segundo Henrique, a aceitação de créditos offsets é importante por dois motivos. Primeiro, pois setores como o químico e o siderúrgico, que demandam altos investimentos em infraestrutura e tecnologia, podem encontrar nos offsets uma forma de reduzir o custo efetivo de sua participação no sistema de emissões ao comprar créditos gerados por outros projetos sustentáveis.
Em segundo, por incluir setores não regulados no mercado de carbono, como é o caso do próprio agronegócio, e que ao mesmo tempo podem trazer benefícios ambientais, seja por meio de reflorestamento, conservação de biomas ou energia renovável.
"A lógica é trazer eficiência para o setor industrial. No regulado, o governo não quer saber o que você está fazendo, é mais sobre ter uma meta limite de emissões", ressaltou Henrique. Enquanto a companhia que for 'ultrapassar' este teto poderá optar por comprar créditos no mercado, a que tiver uma 'sobra' poderá vender.
No mercado regulado de carbono, os preços dos créditos de carbono variam conforme a região e a dinâmica de oferta e procura. No Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia, por exemplo, os preços são significativamente mais altos do que no mercado voluntário. Em fevereiro de 2025, os contratos futuros de créditos de carbono estavam sendo negociados a aproximadamente € 76,59 por crédito (R$ 460,77).
No Brasil, estes valores ainda não foram definidos, devido às brechas que ainda precisam ser regulamentadas na lei. Mas transações significativas já aconteceram no país: a exemplo do estado do Pará, que vendeu créditos de carbono a US$15 (R$ 86,55), valor acima da média do mercado voluntário.
A nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) divulgada pelo governo brasileiro durante a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP29) em Baku, no Azerbaijão, estabeleceu a meta climática de redução entre 59% e 67% das emissões até 2035 – em relação aos níveis de 2005.
A peça-chave para seu cumprimento é alcançar o desmatamento zero, mas o mercado de carbono também pode impulsionar o país de forma mais eficiente e estruturada para agir na mitigação em indústrias altamente emissoras e ao trazer mais projetos verdes.
"Com o compromisso do Código Florestal de zerar o desmatamento ilegal, nós já chegaríamos lá. O plano de energia reduz emissões, mas contribui pouco, assim como outras indústrias", ressaltou Henrique.
O relatório destaca que há hoje em torno de 30 mercados de carbono regulados no mundo. Entre os analisados, a China aceita créditos offsets, mas apenas de projetos nacionais.
Já a Europa, maior mercado global regulado, abrange cerca de 40% das emissões totais de gases de efeito estufa da União Europeia e desde 2020, deixou de aceitar os offsets.
Nos EUA, onde a posse de Trump coloca em xeque políticas de combate à crise climática, não existe um mercado nacional, apenas estaduais. O mais abrangente foi implementado em 2012 na Califórnia e abrange geração de energia, manufatura e distribuição de combustíveis.
A Coreia do Sul adotou o mercado em 2015, e hoje lidera como segundo maior do mundo, contemplando 70% das emissões nacionais.