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Um montanhista caminha na Geleira de la Selle, no Maciço de Écrins, França (JEFF PACHOUD/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 17 de julho de 2025 às 09h26.
A temporada de trilhas de verão nos Alpes franceses acaba de começar, mas os refúgios de montanha já enfrentam escassez de água. A onda de calor registrada em junho antecipou o derretimento da neve e das geleiras, afetando diretamente o abastecimento.
“Tudo secou”, relata Noémie Dagan, responsável pelo refúgio de La Selle, localizado a 2.673 metros de altitude, no maciço dos Écrins — uma imponente cadeia montanhosa coroada por dois picos acima dos 4 mil metros.
O campo de neve que costuma abastecer o chalé de 60 camas já “se parece um pouco” com o que geralmente se vê no final de julho ou início de agosto. “Estamos com quase um mês de antecedência no derretimento da neve”, lamenta Dagan.
O refúgio, que não possui reservatório, depende do fluxo natural da água que desce da montanha. Se esse suprimento falhar, o abrigo pode ter que fechar, como aconteceu em meados de agosto do ano passado.
Para evitar novo fechamento, Dagan instalou com dificuldade tubos plásticos de um quilômetro de extensão para captar água de uma geleira próxima ao Pic de la Grave. Mas os desafios são muitos: os declives tornam os encanamentos instáveis, e as tempestades — cada vez mais intensas — danificam as estruturas com frequência.
Em 15 anos de profissão, ela diz ter testemunhado “uma metamorfose” nas montanhas. “As geleiras são nossas torres d’água. Somos os sentinelas que estão vendo o que está por vir”, afirma.
A possibilidade de que refúgios alpinos enfrentassem falta d’água “nunca passou pela nossa cabeça”, admite Thomas Boillot, guia de alta montanha. “Mas já está acontecendo — e provavelmente veremos ainda mais casos como esse.”
Formações de neve consideradas outrora permanentes agora desaparecem no verão, as chuvas se tornam mais escassas, e as geleiras mudam de forma à medida que se deterioram — afetando todo o sistema hídrico das regiões montanhosas.
Hoje, a água só chega “por gravidade” das reservas de neve e gelo nas altitudes mais altas. No futuro, explica o guia, será preciso bombeá-la de altitudes mais baixas.
Cientistas apontam que os efeitos da mudança climática são duas vezes mais severos nos Alpes do que na média global. Se nada mudar, estimam que até o ano de 2100, restarão apenas vestígios das geleiras atuais — ou talvez nem isso.
O clima deste ano também ameaça os 1.400 glaciares da vizinha Suíça, onde autoridades relatam que a neve e o gelo derreteram entre cinco e seis semanas antes do habitual.
“Brutal” é como o doutorando em Ciências Ambientais e guia de alta montanha Xavier Cailhol descreve o impacto da onda de calor no maciço do Mont Blanc, o ponto mais alto da Europa Ocidental.
“Comecei a esquiar no Mont Blanc, em junho, com 40 centímetros de neve fresca. Terminamos com geleiras completamente expostas — até altitudes de 3.700 metros, como na Aiguille du Midi”, relata.
Segundo ele, a camada de neve serve como proteção natural do gelo, ajudando a refletir a luz solar. “Abaixo de 3.200 metros, o cenário está mais seco do que jamais vimos. Isso é muito preocupante para o restante do verão.”
Um dos exemplos mais visíveis é o derretimento acelerado da geleira de Bossons, uma grande cascata de gelo que domina o vale próximo à cidade de Chamonix, ao pé do Mont Blanc.
Tudo começou com uma “mancha de pedras” que cresceu ao longo do tempo e, por ser escura, passou a absorver mais calor — acelerando ainda mais o processo de derretimento.
O recuo da geleira pode ser observado a olho nu, de Chamonix. “É um registro constante do que está acontecendo com todas as geleiras. Virou um símbolo”, resume Cailhol.