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Brasil sofreu críticas recentes pela crise da hospedagem em Belém (Leandro Fonseca /Exame)
Redação Exame
Publicado em 20 de setembro de 2025 às 14h00.
*Por Caroline Rocha e Gaia Hasse, da LACLIMA
Nos últimos tempos, é impossível ignorar a sensação de que o mundo deposita expectativas desproporcionais sobre o Brasil, especialmente diante da COP30, em Belém.
Sim, o Brasil é o país do samba, da caipirinha, do Carnaval, das boas vibrações e do famoso "jeitinho brasileiro". E sim, a ECO-92, no Rio, foi um marco para a agenda global de desenvolvimento sustentável.
E, na projeção desse imaginário popular, o país é visto como anfitrião capaz de "destravar" impasses históricos em temas altamente controversos. Mas, passadas mais de três décadas, seguimos convivendo com cobranças que muitas vezes soam alienadas da realidade.
Um exemplo não tão recente foi a reação à nova NDC brasileira, apresentada em novembro do ano passado. A crítica dominante, expressada sobretudo por colegas do Norte Global, foi a de que faltava ambição.
É verdade: a NDC não é perfeita. Mas é coerente com os desafios que enfrentamos. E convém lembrar: o Brasil foi um dos primeiros países a apresentar seu novo compromisso e um dos poucos que respeitou o prazo. Em um cenário de atrasos e promessas não cumpridas, isso não é um mero detalhe.
Agora, em 2025, a polêmica gira em torno da logística da COP 30 e a pressão recai sobre a presidência, os governos e todo o ecossistema. Sim, Belém tem déficits de infraestrutura, que, adivinhem, não são incomuns em países em desenvolvimento, mas está se mobilizando e enfrentando desafios estruturais para receber o evento.
Mas vale lembrar que raramente uma COP começa e termina sem passar por problemas técnicos. Em Dubai, os custos eram proibitivos e as distâncias eram surreais; em Sharm el Sheikh, houve críticas às condições sanitárias (aconteceu um vazamento de esgoto na área externa do evento) e à falta de água potável; em Glasgow, participantes enfrentaram horas de deslocamento, apenas para chegar em uma venue hiperlotada e enfrentar horas de fila; em Paris, hotéis lotados e altos preços obrigaram participantes a dividir quartos apertados.
Ou seja, eventuais problemas logísticos envolvendo a COP na Amazônia não a colocariam como exceção - mas a forma pejorativa como o evento e a cidade vem sendo retratados refletem a aplicação de dois pesos e duas medidas.
A COP 30 não será a conferência que resolverá, sozinha, a crise climática. A governança climática é resultado de um complexo processo multilateral é cumulativo, cheio de imperfeições e dependente de consenso.
Como bem lembrou a 6ª Carta da Presidência da COP 30: sem consenso, não há avanços. Sem alinhamento sobre o que é possível e desejável alcançar como parte desse processo, não haverá sucesso. Em outras palavras: se uma criança segura a bola, ninguém joga.
Essas expectativas projetadas sobre o Brasil, contudo, são marcadas por um desequilíbrio estrutural: países do Norte global frequentemente depositam sobre o Brasil (e outros países emergentes) a responsabilidade de garantir consensos e ampliar o nível de ambição, sem oferecer contrapartidas equivalentes em termos de recursos, transferência de tecnologia ou compromissos robustos de mitigação.
De certa forma, trata-se de uma armadilha: se o Brasil entregar resultados à altura das expectativas, reforça-se essa imagem de liderança incontornável (reforçando também essas cobranças irreais); agora, se "falhar", recai sobre o país a crítica de fracasso ou inação, ainda que as raízes da estagnação estejam na falta de ambição e de provisão de meios de implementação pelos países desenvolvidos.
É aquela coisa: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Isso não significa que o Brasil não tenha um grande papel a desempenhar. Ao contrário: lideranças políticas, sociedade civil e setor privado já estão fazendo jornadas muito além do razoável para garantir que a COP30 seja um marco e entregue resultados concretos.
Mas, se as críticas são inevitáveis, que sejam construtivas. O que a COP30 precisa agora não é de cobranças que a fragilizam, mas de contribuições que somem, multipliquem e ajudem a alavancar ações e ambições.
*Caroline Rocha é diretora de Políticas Públicas e Engajamento da LACLIMA e co-fundadora da Rede Amazônidas pelo Clima e Professora da pós-graduação da UNISANTOS.
*Gaia Hasse é advogada, mestre em Direito Internacional e Sustentabilidade e doutoranda em Direito Econômico Internacional e Desenvolvimento Sustentável. Atua como coordenadora de projetos e especialista em políticas na LACLIMA.