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Não há futuro ESG sem equidade: o que países silenciaram na ONU - e sua empresa precisa escutar

Na 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher ficou claro: o ESG que queremos exige mais do que relatórios.

As meninas desta geração não aceitarão ficar fora das decisões sobre o futuro. E estão mais preparadas, mais conectadas e mais determinadas do que nunca. (Freepik/Freepik)

As meninas desta geração não aceitarão ficar fora das decisões sobre o futuro. E estão mais preparadas, mais conectadas e mais determinadas do que nunca. (Freepik/Freepik)

EXAME Plural
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Publicado em 31 de março de 2025 às 10h25.

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*Por Deborah de Mari

Estar na CSW69 — a 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher, realizada na sede da ONU em março — foi testemunhar, em tempo real, a tensão entre o avanço e a resistência. Entre a potência das vozes que circulavam nos corredores e os silêncios cuidadosamente inseridos nos documentos oficiais.

Neste ano, celebramos os 30 anos da Plataforma de Ação de Pequim. E o que deveria ser um marco de renovação global em prol da equidade de gênero revelou, em muitos momentos, o quanto ainda estamos presos a estruturas que preferem evitar conflitos a promover transformações reais.

Voltei com uma certeza: a construção de um futuro sustentável para todos — que una justiça social, ambiental e econômica — exige coragem para nomear o que está sendo apagado. Um ESG enfraquecido coloca em xeque a legitimidade e a longevidade das grandes empresas globais.

As novas gerações não estão apenas pedindo mudanças — estão redesenhando o futuro com suas próprias mãos. Muitos jovens já vêm se desconectando do mercado de trabalho tradicional porque não veem mais sentido em estruturas rígidas, desiguais e sem propósito. Eles buscam novos modelos de remuneração, autonomia e vida.

A Declaração Política da CSW69 reafirmou compromissos importantes: acesso à educação, inclusão de mulheres na ciência e tecnologia, combate à violência de gênero e fortalecimento dos sistemas de cuidado. São fundamentos essenciais — mas a força de um documento também se mede pelo que ele escolhe não dizer.

Termos como direitos sexuais e reprodutivos, “educação sexual”, “contracepção” e “autonomia” desapareceram do texto. Nenhuma menção a mulheres afrodescendentes, indígenas ou quilombolas. Nenhuma linha sobre justiça climática com recorte racial ou interseccionalidade como princípio estruturante.

O contexto é de alerta. De um lado, uma onda conservadora ganha força em países como Rússia, Irã, Arábia Saudita, Polônia e, em certos momentos, os Estados Unidos, que têm atuado para bloquear avanços e pressionar pela retirada de termos fundamentais das negociações internacionais.

Do outro, países com agenda mais progressista — como Brasil, Espanha, Noruega e México — têm buscado manter compromissos com os direitos das mulheres e a promoção de políticas públicas interseccionais.

A onda conservadora tem impacto direto sobre políticas públicas, acesso à saúde, à educação, ao trabalho e à autonomia econômica das mulheres. E ignorar isso é um erro estratégico.

Mulheres movimentam economias inteiras. São base dos sistemas de cuidado, lideram inovações, empreendem, sustentam famílias. Negar seus direitos é comprometer o crescimento sustentável do planeta.

Esses silêncios têm custo. E, para quem lidera estratégias ESG, representam risco reputacional, desconexão com a sociedade e — acima de tudo — perda de relevância num mundo em profunda transição.

O Brasil chegou com avanços, mas ainda precisa construir pontes

A Aliança de Combate à Fome, os programas de dignidade menstrual e as ações de enfrentamento à violência de gênero — como o fortalecimento da Casa da Mulher Brasileira — mostram que é possível avançar.

Mas o país ainda carece de continuidade, conexão entre políticas e articulação efetiva entre governo, setor privado e sociedade civil. Faltam pontes.

Enquanto isso, a realidade nas pontas é brutalmente desigual. E quando o cuidado não chega de forma equitativa, a equidade deixa de ser princípio e vira retórica.

Meninas quilombolas, indígenas e periféricas seguem fora das decisões, da inovação, do orçamento. Na Força Meninas, plataforma que fundei há quase uma década, trabalhamos para mudar isso.

Levamos formação em ciência, tecnologia, clima e liderança para meninas de escolas públicas, desenvolvendo habilidades de futuro com protagonismo real.

Essas meninas não estão esperando ter permissão para participar — elas estão criando soluções. O que falta é investimento, escala e políticas para trazê-las ao centro.

E, para o setor privado, isso representa uma oportunidade concreta de apoiar talentos, desenvolver futuros líderes e gerar impacto social alinhado ao negócio.

Inteligência artificial: a fronteira mais urgente do ESG

A inteligência artificial (IA) foi uma das pautas mais concorridas da CSW69 — mas, paradoxalmente, relegada a salas pequenas e pouco prestigiadas. Ainda assim, a mensagem trazida por especialistas da Finlândia e da Estônia foi contundente: a IA não é neutra.

Do jeito que está sendo concebida hoje, mais do que gerar oportunidades, a IA tende a ampliar desigualdades históricasSe os dados forem enviesados, se a criação de tecnologia continuar concentrada em poucas mãos, a IA será apenas mais uma engrenagem de exclusão.

Na Força Meninas, já testamos iniciativas que formam meninas em tecnologia com foco em IA, ética e impacto social. Elas aprendem a programar, a refletir, a imaginar soluções. São elas que devem estar nas equipes que moldarão os algoritmos do futuro.

Para o setor privado, há uma escolha clara: liderar esse movimento, ou correr o risco de se tornar irrelevante em um mundo onde ética, diversidade e inovação caminham juntas.

Empresas que incorporam diversidade nas equipes de tecnologia têm maior chance de criar produtos inclusivos, competitivos e à prova de futuro.

CSW69 e o clima: a hora da virada será no Brasil?

Na CSW69, os discursos sobre clima foram genéricos e desconectados da realidade de quem já vive os efeitos da emergência climática. Falou-se muito de carbono, mas pouco de quem tem carregado os impactos da crise nas costas: mulheres ribeirinhas, quilombolas, indígenas, agricultoras.

A COP30, que será realizada em Belém do Pará, é a grande oportunidade para virar esse jogo. Ela pode — e deve — ser a primeira COP verdadeiramente comprometida com justiça climática com recorte de gênero e raça.

Não basta diversidade simbólica. Queremos ver meninas negras, indígenas e periféricas sentadas à mesa como estrategistas. Na Força Meninas, estaremos prontas para contribuir com essa construção. A pergunta que fica é: o Brasil terá coragem de fazer uma COP de verdade?

O ESG que queremos exige mais do que relatórios. Se queremos construir empresas, cidades e políticas preparadas para o futuro, precisamos de ações concretas:

  • garantir paridade real em conselhos e lideranças;

  • investir em educação científica e tecnológica para meninas em territórios vulneráveis;

  • apoiar políticas públicas com metas de inclusão claras e mensuráveis;

  • estar presente em pactos globais com entrega, e não só com representação;

  • criar programas de apoio a lideranças femininas em inovação e tecnologia;

  • estabelecer metas de diversidade racial e de gênero em equipes de desenvolvimento de IA e sustentabilidade.

O ESG está sendo testado. E será lembrado por quem teve coragem de agir — não por quem buscou conforto. A urgência agora é agir com profundidade

A CSW69 reforçou que o futuro da equidade não será escrito com boas intenções. Ele será construído por decisões firmes, corajosas e interseccionais.

Não existe sustentabilidade real sem justiça social. E não há justiça social sem meninas negras, indígenas e periféricas no centro da inovação, da política, da educação e da tecnologia.

A Força Meninas é prova viva de que, quando se investe em meninas com visão de futuro, o impacto é imediato, transformador e duradouro. As empresas que entenderem isso agora vão liderar o amanhã.

As que resistirem, ficarão presas a um mundo que já não parece com o passado, mas desconhece as reais oportunidades do futuro.

*Deborah De Mari é fundadora da Força Meninas, plataforma brasileira de impacto social que desenvolve meninas de escolas públicas em liderança, ciência, tecnologia e clima. É pesquisadora em gênero, educação e inovação, e colunista sobre equidade e desenvolvimento sustentável.

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