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Não deu para comemorar: marco ambiental avança na bolsa, mas sofre 'golpe de morte' legislativo

Primeiro leilão florestal na B3 movimenta R$ 1,2 bilhão em contratos de 37 anos enquanto Senado aprova por 54 votos PL que flexibiliza licenciamento

Marina Silva bate martelo da B3 no primeiro leilão de manejo florestal sustentável, enquanto Senado aprova PL que especialistas classificam como "maior retrocesso em 40 anos". (Rogério Cassimiro/MMA/Divulgação)

Marina Silva bate martelo da B3 no primeiro leilão de manejo florestal sustentável, enquanto Senado aprova PL que especialistas classificam como "maior retrocesso em 40 anos". (Rogério Cassimiro/MMA/Divulgação)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 22 de maio de 2025 às 14h40.

Última atualização em 22 de maio de 2025 às 14h58.

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Em um dia de contrastes extremos para a agenda ambiental brasileira, a ministra Marina Silva protagonizou um momento histórico — e impensável há alguns anos — na B3 ao finalizar o primeiro leilão de concessão florestal realizado em ambiente de bolsa, movimentando R$ 1,2 bilhão em contratos de 37 anos.

Horas mais tarde, porém, quase simultaneamente, o Senado Federal aprovaria por 54 votos a 13, o Projeto de Lei n° 2.159/21 do licenciamento ambiental, que o Ministério do Meio Ambiente classifica como inconstitucional e que especialistas consideram o mais grave retrocesso da legislação ambiental nos últimos 40 anos .

O certame definiu a concessão de 453 mil hectares da Floresta Nacional do Jatuarana, no Amazonas, divididos em quatro lotes estratégicos, cujo direito de exploração foi arrematado por três madeireiras.

A estruturação técnica do BNDES aplicou critério híbrido de julgamento, considerando propostas socioambientais em conjunto com ofertas financeiras.

Portanto, as empresas precisarão dar conta de compromissos contratuais rigorosos, incluindo investimento anual de R$ 1,1 milhão em projetos sociais e geração de 932 empregos diretos e 466 indiretos. O município de Apuí e o estado do Amazonas receberão, cada um, aproximadamente R$ 5,4 milhões anuais provenientes da operação.

Aprovação simultânea do PL gera tensão institucional severa

Não deu tempo de comemorar o que pareceu um passo bem-sucedido para o reflorestamento.

Paralelamente ao leilão, pouco antes da aprovação do PL 2.159/21 pelo Senado, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) se manifestou de forma contundente.

Em uma nota técnica divulgada no fim da tarde desta quarta-feira, 21, o MMA classificou o projeto como "desestruturação significativa do regramento existente" e violação direta do artigo 225 da Constituição Federal, que garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O projeto estabelece a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) como modalidade simplificada com base na autodeclaração do empreendedor, permitindo que empreendimentos de médio potencial poluidor utilizem esse mecanismo sem estudos prévios de impacto ambiental.

A modalidade abrangeria inclusive duplicação de rodovias e dragagens em áreas sensíveis e habitadas por comunidades vulneráveis, dispensando análise técnica obrigatória e possibilitando monitoramento apenas por amostragem.

Especialistas atentam para dimensão dos retrocessos

Em entrevista à Agência Pública, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama entre 2016 e 2018 e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, foi uma das especialistas que criticaram duramente a proposta.

"O mecanismo do 'autolicenciamento' simplesmente transforma quase todas as licenças ambientais do país, cerca 90% delas, em um simples apertar de botão, em que sai a licença impressa sem a entrega de estudo ambiental pelo empreendedor e sem análise de alternativas técnicas"

Ainda de acordo com Araújo, o projeto contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que determina que a LAC só pode ser aplicada em empreendimentos de baixo risco e pequeno potencial poluidor.

"O texto do PL inclui empreendimentos de médio impacto e médio potencial, pegando praticamente 90% dos processos de licenciamento, porque nem 10% dos processos têm o EIA, o estudo ambiental completo", explica.

"O Brasil ainda não tem uma lei nacional que regulamente o licenciamento ambiental — apenas normas infralegais, como resoluções do Conama. O projeto busca dar mais segurança jurídica ao licenciamento, mas uma lei só é melhor do que a norma atual se tiver conteúdo técnico robusto", contextualizou André dos Santos, diretor técnico do Observatório do Clima.

Santos identifica ainda uma contradição fundamental no modelo autodeclaratório proposto:

"Nesse modelo, o empreendedor informa que a atividade tem baixo impacto e pode começar antes mesmo de uma análise prévia do Estado. Isso subverte a lógica do licenciamento, que deveria ser um pedido de permissão para alterar o meio ambiente — e não um simples aviso".

O especialista defende que melhorias no licenciamento seriam alcançadas por meio do fortalecimento institucional: "A solução não é flexibilizar controles, e sim fortalecer os órgãos ambientais. É necessário tornar o licenciamento mais ágil, mas também mais eficiente e tecnicamente sólido — não mais frágil".

Impactos constitucionais e perspectivas de judicialização

O projeto de fato apresenta múltiplas vulnerabilidades constitucionais que podem gerar instabilidade jurídica significativa.

A exclusão da obrigatoriedade de considerar impactos indiretos comprometeria análises de efeitos cumulativos, enquanto a restrição da participação de autoridades responsáveis pela proteção de territórios indígenas e quilombolas apenas a áreas formalmente homologadas ignora comunidades em territórios não titulados por omissão estatal.

Neste cenário, o enfraquecimento do ICMBio, que perderia prerrogativa de manifestação obrigatória em unidades de conservação, representa risco direto a Parques Nacionais e Estações Ecológicas.

Repercussões comerciais e credibilidade internacional

Também nos acordos comerciais brasileiros o impacto pode ser substancial, considerando que compradores internacionais identificarão produtos gerados sem controle ambiental adequado.

"Os compradores vão saber que os nossos produtos estão sendo gerados sem controle ambiental. Isso vai gerar desconfiança, vai tirar a credibilidade dos produtos brasileiros", analisou Suely Araújo, traçando um paralelo histórico preocupante.

"O licenciamento mudou a realidade do país desde 1981, num processo marcado por exemplos como a recuperação de Cubatão, anteriormente conhecida como "Vale da Morte" por seus graves problemas de contaminação industrial", lembrou a ambientalista.

Perspectivas regulatórias e agenda ESG nacional

Em coletiva de imprensa pós-leilão, Marina Silva reafirmou na noite de quarta-feira, oposição total ao que classificou como "retrocesso", garantindo articulação baseada em diálogo para contestar a aprovação.

Já na manhã desta quinta-feira, 22, sua pasta soltou um novo posicionamento, em resposta às muitas críticas de parlamentares e especialistas, que reclamaram da postura ausente da ministra e do afastamento do Ministério das discussões que antecederam a aprovação da PL.

Em nota, o MMA refutou as acusações de omissão, detalhando articulação desenvolvida desde 2023 com relatores senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS).

De acordo com o texto, "a pasta participou de audiências públicas e contribuiu para o primeiro relatório, que contemplou "boa parte das demandas do MMA" em novembro de 2023. Contudo, após um ano de inatividade legislativa, o projeto retornou em maio de 2025 com texto "substancialmente diferente" e sem consenso prévio, surpreendendo a articulação governamental".

No documento, o Ministério afirmou ainda ter intensificado diálogo com Casa Civil, Secretaria de Relações Institucionais e base parlamentar para impedir aprovação de proposta considerada "desestruturação do sistema de licenciamento ambiental" consolidado desde os anos 1980.

Marina Silva voltou a ser questionada nesta quinta-feira, ao deixar um evento sobre Biodiversidade no Rio de Janeiro. Aos jornalistas presentes, classificou a aprovação como “golpe de morte no Congresso”.

Não houve detalhamento, contudo, de como o Ministério poderá atuar a partir de agora, visto que o projeto ainda segue para sanção presidencial.

Porém, conforme avaliaram de forma unânime especialistas ouvidos pela EXAME, o contraste entre o modelo técnico-científico do leilão florestal e a flexibilização proposta pelo PL tornam explícitas tensões fundamentais na implementação de políticas ESG no país.

Enquanto a concessão da Flona do Jatuarana pode representar um necessário avanço na integração e entendimento entre mercado financeiro e sustentabilidade, o PL 2.159/21 sinaliza retrocesso que pode comprometer décadas de evolução da legislação ambiental brasileira.

Acompanhe tudo sobre:Marina SilvaAmazôniaSenadoB3

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