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Nadia Murad, Prêmio Nobel da Paz, aproxima lutas dos refugiados e das mulheres

Ativista iazidi sobreviveu ao Estado Islâmico e mudou a visão global sobre a violência sexual. Ela está no Brasil para o evento Fronteiros do Pensamento

Nadia Murad, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz: a justiça é a principal arma contra o extremismo  (Heinz-Peter Bader/Getty Images)

Nadia Murad, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz: a justiça é a principal arma contra o extremismo (Heinz-Peter Bader/Getty Images)

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 20 de junho de 2023 às 11h37.

Última atualização em 20 de junho de 2023 às 11h38.

Quando uma mulher se torna refugiada, seu corpo não mais lhe pertence. Um estado de ansiedade constante se apodera da sua existência, e o medo, sempre presente, ofusca os pensamentos. Não há racionalidade. É assim que a ativista Nadia Murad, Prêmio Nobel da Paz em 2018, descreve sua experiência como refugiada de guerra, realidade que conheceu após a chegada do grupo terrorista Estado Islâmico a sua cidade.

Nadia, 30, nasceu em Sinjar, no Iraque. Há nove anos, seu vilarejo foi tomado pela insanidade do extremismo religioso, e seu povo, os Iazidis, foram vítimas de um genocídio. Junto com milhares de outras mulheres, ela foi sequestrada, escravizada e sofreu violência sexual. O Estado Islâmico, grupo formado por criminosos e extremistas que surgiu do caos provocado pela Guerra do Iraque, aprisionou cerca de 7 mil mulheres iazidis, sendo que 2 mil continuam desaparecidas. Isso faz nove anos.

Com a força herdada de sua mãe, mulher que lutou para colocar seus filhos na escola, Nadia conseguiu escapar e chegar a um campo e refugiados. A violência, especialmente a psicológica, no entanto, continuou. Como a maioria das mulheres vítimas de violência sexual, ela encontrou preconceito, estigma e seguiu vivendo à sombra de seus captores. Até decidir contar sua história.

A força das palavras

Seu primeiro contato com a imprensa mundial se deu por meio de uma equipe do 60 Minutes, tradicional programa jornalístico da TV Americana (uma espécie de Globo Repórter com mais recursos). Nadia sentia que precisava compartilhar sua história. Racionalmente, queria evitar que outras mulheres passassem pelo mesmo calvário, e libertar aquelas que ainda estão nas mãos do extremismo. Mas, talvez, falar fosse uma maneira de dar sentido a tudo aquilo.

Suas palavras reverberaram e encontram refúgio nas milhões de histórias semelhantes vividas por mulheres em todas as partes do mundo, em zonas de guerra ou de paz. A jovem iazidi se tornou uma ativista pelos direitos humanos. Sua causa, mais do que a liberdade de seu povo, oprimido há séculos, é o fim da violência contra as mulheres.

Hoje, Nadia viaja pelo mundo para contar sua história. Nesta segunda-feira, 19, ela palestrou para uma seleta plateia no evento Fronteiras do Pensamento, em São Paulo. A ativista conecta o que sofreu como refugiada à violência diária vivida por mulheres pelas mãos do machismo e da intolerância. “Você pode pensar que o que acontece com o povo iazidi não te afeta, mas a desigualdade e as regiões desestabilizadas afetam a todos”, disse Nadia, pouco depois de ressaltar a situação da Venezuela, vizinha brasileira, origem de grande leva de refugiados.

O Código de Murad

O ativismo de Nádia provoca mudanças. A principal delas, até o momento, está na maneira como a violência sexual contra as mulheres em zonas de guerra é encarada. Antes dela, os casos eram vistos como efeitos colaterais dos combates. Nadia mostrou ao mundo que não: o estupro sistemático de mulheres e crianças é uma arma de guerra.

Isso se mostra evidente na maneira como o Estado Islâmico usa essa violência para controlar sociedades inteiras. O horror é duradouro. Mulheres violentadas, além das sequelas físicas e psicológicas, enfrentam o estigma da sociedade. Em escala, a prática provoca rupturas perenes no tecido social. Mães são obrigadas a abandonar os filhos, rejeitadas pelos maridos, e qualquer perspectiva de normalidade se torna impossível. É a vitória dos extremistas.

O Estado Islâmico não é o único a recorrer a isso. Em praticamente toda guerra civil na África o estupro é amplamente utilizado como arma. Na Guerra da Ucrânia, estimativas da ONU calculam em quase 7 mil mulheres violentadas. Os relatos de mulheres sofrendo violência sistemática também não são novidade. Um dos mais famosos é o diário de uma jovem alemã vivendo em Berlim durante a chegada dos soviéticos, em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial. Publicado em 1954, a obra foi intensamente criticada por “envergonhar” os alemães ao explicitamente mostrar os horrores vividos pelas mulheres nos estertores do nazismo.

Sua autora, a jornalista Marta Hillers, diante da repercussão negativa da sociedade, decidiu esconder a autoria, que só foi revelada no ano de sua morte, em 2003. Seu livro, no entanto, sobreviveu ao preconceito sob o título de “Uma Mulher em Berlim”, e jogou luz a um aspecto pouco explorado da consequência do nazismo: o preço pago pelas mulheres alemãs pela intolerância dos homens.

Quase 80 anos depois, Nadia enfrentou as mesmas instituições machistas de Hillers, e precisou de coragem para encarar a reprovação dos homens – como se ela tivesse alguma responsabilidade pela violência sofrida. Por mais absurdo que pareça, em meio a uma guerra, diante do extremismo do Estado Islâmico, Nadia teve de ouvir perguntas como “o que estava vestindo?” ao relatar os crimes cometidos contra ela. A constatação de que as autoridades, incluindo a imprensa, não estão preparadas para lidar com vítimas de violência sexual a fez criar o Código de Murad, um guia para abordagem humanizada de pessoas violentadas. O texto já foi traduzido para 10 idiomas (está disponível em espanhol).

Para as mulheres brasileiras, Nadia deixou uma mensagem. “Vocês não estão sozinhas”, afirmou a ativista. E para o mundo, um alerta. “O estado islâmico convocou pessoas de diversos países pela ideologia, não pelas armas. A única forma de combater isso é com justiça”. Que seja feita.

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