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Em frente ao pavilhão Amazonas da Zona Azul, grupo de cientistas chamou a atenção com novo documento que traz alertas da ciência (Leandro Fonseca )
Publicado em 17 de novembro de 2025 às 12h25.
Última atualização em 17 de novembro de 2025 às 12h28.
Com apenas cinco dias restantes de negociações na COP30, cientistas intensificaram a pressão sobre os líderes nesta segunda-feira, 17, e chamaram a atenção na plenária de abertura que marca a chegada dos ministros à segunda e última semana da grande conferência climática da ONU.
O grupo do pavilhão científico reúne alguns dos mais renomados especialistas, que se enfileiraram na entrada da área de entrada da plenária com papéis em mãos: um novo documento, que foi entregue ao vice-presidente Geraldo Alckmin clama por um 'roteiro claro' para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e proteger as florestas tropicais.
O alerta é urgente: a floresta amazônica e os recifes de corais tropicais — os dois biomas mais biodiversos do mundo — estão sob pressões intoleráveis e próximos de pontos de não retorno.
A pressão tem origem na frustração dos últimos dias: o pavilhão científico permaneceu praticamente vazio de negociadores, enquanto as as negociações aconteciam a todo vapor nas salas fechadas da Zona Azul.
O espaço liderado pelos renomados Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, e Carlos Nobre, climatologista e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, é o primeiro que conecta ciência às mudanças climáticas em uma COP.
Na sexta-feira, 14, o apelo já havia sido feito de forma contundente: "negociadores, venham até nós", junto ao alerta de que o orçamento de carbono para conter o aquecimento em 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris se esgota em apenas 4 anos.
Segundo Nobre, a missão é trazer a ciência para o centro das negociações e transmitir o que está acontecendo para que haja uma redução drástica das emissões.
O novo documento frisa: "pedimos aos chefes das delegações que entreguem um roteiro claro para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis".
À EXAME, o cientista brasileiro foi claro: "Esperamos que os negociadores entendam: essa COP precisa ser a mais importante, buscar todas as soluções", disse.
Rockström destacou o temor de que os negociadores não entendam o que a ciência diz de mais recente.
"Há uma aceleração do aquecimento em curso e o planeta perde sua resiliência e capacidade de amortecer os riscos", afirmou.
A urgência se justifica pelos dados: 2025 registrou a máxima de emissões de gases de efeito estufa da história, com crescimento de 1,1% em relação a 2024. Do total das emissões globais, 70% ainda provêm de fósseis.
O Campeão Climático do Brasil para a COP30, Dan Ioschpe, reconhece a centralidade da ciência para o sucesso das negociações.
"A agenda de ação é baseada na ciência, então nós temos o privilégio de ter esse espaço com os maiores cientistas do mundo", afirmou à EXAME. Segundo o executivo, parte de seu esforço é fazer o melhor uso desse pavilhão para a implementação.
"Esse envolvimento ativo e propositivo é que vai nos fazer avançar melhor", disse Ioschpe, enfatizando que a agenda de ação conversa com a de negociação, mas que é preciso acelerar soluções já existentes como as energias renováveis, recuperação de áreas degradadas.
"Podemos fazer essa transição baseada na ciência, tecnologia e fluxos financeiros. É um esforço que precisa ser coletivo, é o espírito do mutirão."
O alerta, porém, é claro: "Se o processo não for baseado na ciência, teremos problemas."
Dois ecossistemas são destacados no documento. Nos últimos dois anos, a Amazônia viveu uma das piores secas já registradas — um evento que a ciência atribui à mudança climática causada pelo ser humano, o tornando 30 vezes mais provável.
A floresta também registrou o maior número de incêndios em quase duas décadas: mais de 140 mil focos, queimando milhões de hectares, liberando enormes quantidades de carbono e afetando gravemente a saúde das populações.
"A pressão combinada das emissões de combustíveis fósseis e do desmatamento empurra a Amazônia na direção de mudanças irreversíveis", cita o material. "Quando a floresta se degrada e grandes áreas deixam de absorver carbono para se tornarem fontes de emissões, todo o planeta sentirá o impacto."
No oceano, o cenário não é menos grave. Os recifes de corais tropicais, berço de um terço de toda a vida marinha, estão próximos de atingir um ponto de não retorno com efeitos em catastróficos em cascata.
O aquecimento dos oceanos e a acidificação, impulsionados pelas emissões, já destruíram entre 30% e 50% dos recifes do planeta. Apenas nos últimos três anos, mais de 80% sofreram branqueamento severo, enfraquecendo as bases de vida de inúmeras comunidades costeiras que dependem deles para alimentação e sustento.
O segundo relatório entregue aos negociadores busca trazer "o risco que o planeta está correndo e a urgência que temos para salvar o planeta".
"Não podemos mais aceitar, precisamos reduzir muito as emissões", disse Nobre.
O ex-presidente da Colômbia Juan Manuel Santos, atual presidente da organização Planetary Guardian, reforçou que o documento vai além do debate político. "Não se trata de opiniões, nem de meras especulações", afirmou. "São manifestações resultantes do que os cientistas vêm dizendo e escrevendo há tanto tempo."
Segundo ele, o grupo espera que a "lacuna", entre ciência e política possa ser reduzida para que a ciência prevaleça. "A ciência que detém a verdade e a razão", afirmou.
Questionado se a ausência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode interferir nos resultados da COP30, Santos foi enfático: "Se o Presidente dos Estados Unidos não quiser aderir a esta causa, o problema é dele. O resto do mundo não pode esperar que os EUA tomem uma decisão, seja ela qual for. Todos queremos nos comprometer a avançar, porque é o futuro de todos nós."
No fim de semana, a população de Belém levou o alerta às ruas em uma manifestação descrita no documento como "um rugido colorido". A Marcha pelo Clima reuniu mais de 70 mil pessoas em protesto por ações mais ambiciosas contra a crise climática.
"Aqui na Amazônia, a COP30 deve conceber um esforço global para proteger a vida em todas as suas formas", diz o documento.
"Os países precisam se unir para entregar roteiros de descabonização. Isso exige manter firme a 'missão 1.5ºC estabelecida pelo Acordo de Paris".
Com as emissões em recorde histórico e os dois biomas mais biodiversos do planeta no limite, os cientistas deixam claro: há soluções, mas o tempo para implementá-las está se esgotando.
"A ciência soa o alarme há décadas", conclui o documento. Agora, resta saber se os cinco dias finais de negociação serão suficientes para que esse alarme seja, finalmente, ouvido.