Marina Silva: “A ideia de uma bioeconomia parte dos modelos de desenvolvimento social, econômico e cultural dos povos indígenas” (Leandro Fonseca/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 12 de novembro de 2022 às 08h51.
Última atualização em 12 de novembro de 2022 às 09h21.
“Eu não gosto muito desse negócio de foto”, disse uma simpática Marina Silva para o fotógrafo Leandro Fonseca, da EXAME. “Então por que sai tão bem nelas?”, respondeu Fonseca, abrindo um sorriso no rosto da fotografada. Na COP27, Marina está, de fato, bem na foto.
Cotada para reassumir o Ministério do Meio Ambiente no próximo governo (ela foi a ministra de Lula no primeiro mandato), Marina está com a agenda lotada em Sharm el-Sheikh, no Egito, sede deste ano da conferência climática da ONU. Se encontrou com John Kerry, enviado especial da Casa Branca para o clima, o homem forte de Joe Biden no meio ambiente; se reuniu com a vice-presidente colombiana, vizinho estratégico em se tratando de Amazônia; e recebeu na sala do Brazil Climate Hub, espaço da sociedade civil na COP, praticamente todas as lideranças sociais presentes no evento.
Marina, no entanto, não está na COP apenas para melhorar a imagem do Brasil, arranhada pela falta de interlocução do Governo Federal na esfera climática – e pelo aumento do desmatamento, é claro. Se o país, institucionalmente, perdeu credibilidade, a ex-ministra, que em sua gestão derrubou o desmatamento da Amazônia para o menor nível da história recente, manteve a influência. Junto com Izabella Teixeira, também ex-ministra de Lula e líder da delegação Brasileira no Acordo de Paris, Marina Silva faz jus à tradição brasileira de ser um soft power climático.
Com a eleição de Lula, a presença de Marina no Egito tem ares de uma volta triunfal. Nos corredores da conferência, o que se especula é qual será o papel dela no novo governo. A maioria, saudosos dos resultados obtidos em sua passagem pela pasta, a quer como ministra. Caso isso aconteça, no entanto, é de se esperar uma Marina diferente, mais complexa, a dialogar com um número maior de stakeholders, que faz referência a economistas como Luiz Carlos Mendonça de Barros, fala de matriz energética, geração de empregos e reindustrialização.
A primeira pergunta de EXAME para Marina diz respeito ao protagonismo climático do Brasil. A questão não é sobre a recuperação desse protagonismo, uma vez que o país, por ser uma potência agrícola e florestal, será protagonista de um jeito ou de outro. O ponto é como trabalhar essa relevância global. “Você pode ser protagonista destruindo, ou preservando”, respondeu Marina. “Pode enxergar as bases naturais do Brasil como sendo uma grande vantagem comparativa para a transição energética e para a busca de um novo ciclo de prosperidade, ou você pode encarar isso como algo a ser destruído.”
Esse ciclo de prosperidade a que Marina se refere virá a partir de um modelo econômico que considere a questão climática como o vetor do desenvolvimento. Sua ideia é aproveitar a transição para a economia de baixo carbono, um movimento global, posicionando o Brasil como uma potência ambiental, para ir além do papel de soft power e se tornar uma potência da nova economia. Esse plano congrega, além da proteção às florestas, uma reindustrialização do país construída sobre alicerces sustentáveis e impulsionada pela inovação, que virá, em grande parte, do conhecimento ancestral.
“O protagonismo ao qual você se refere pode ser uma oportunidade de inserir o Brasil no mundo pela via de um novo clico de prosperidade, com democracia, combate às desigualdades e sustentabilidade”, disse Marina. “É o protagonismo que considera a preservação das florestas, que aumenta a produção por ganho de produtividade usando tecnologia, que faz com que o país acesse os mercados mais exigentes e consiga atrair investimentos.”
O Brasil pode, na visão de Marina, adotar um processo de reindustrialização baseado nas metas do Acordo de Paris. Ela cita um artigo do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES, em que ele descreve o processo de reorganização das cadeias globais de suprimentos resultante da pandemia e da guerra na Ucrânia. Há uma tendência de encurtamento dessas cadeias, com a adoção de políticas mais protecionistas pelos países. O cenário abre oportunidades para o Brasil renovar seu parque industrial.
“Podemos fazer um processo de reindustrialização centrado nas metas do Acordo de Paris, fazer uma transição para uma agricultura de baixo carbono, ter uma matriz elétrica limpa e segura, inclusive, para produzir hidrogênio, e podemos ser um enorme lastro para novos parques industriais de produção de carros elétricos”, explicou. “Eu vejo um Brasil fenecendo, mas também vejo um país florescendo, associado a esse novo ciclo de prosperidade.”
Esse contexto de mudança demanda novas maneiras de enxergar o mundo. A inovação, segundo, Marina, é fundamental para qualquer país que almeja um lugar de influência na esfera internacional, e expandir o comércio com outras partes do mundo. Se o Brasil tem uma vantagem competitiva na produção de baixo carbono, no campo do conhecimento, o diferencial está no conhecimento ancestral dos povos originários.
“A ideia de uma bioeconomia parte dos modelos de desenvolvimento social, econômico e cultural dos povos indígenas”, afirma. “A união entre o saber narrativo das populações tradicionais, e o conhecimento dos postulados denotativos da ciência ocidental é muito poderosa. Os povos indígenas, cada vez mais, estão nos ensinando a ter processos de resiliência duradouros na relação com os ambientes naturais.”
Marina cita como exemplo as indústrias farmacêutica e de cosméticos. Segundo ela, a ciência ligada ao desenvolvimento de novos produtos de saúde e beleza sempre parte dos conhecimentos tradicionais associados. “Quando você vai fazer uma pesquisa alhures, com o pesquisador indo, ele mesmo, coletar as amostras, são necessárias 10 mil amostras para se chegar a uma que tenha algum indício de valor econômico. Quando ele parte do conhecimento tradicional, ele precisa de apenas 1 mil amostras. É um conhecimento valioso.”
Como senadora, Marina elaborou o projeto da Lei de Acesso aos Recursos Genéticos, de 1998. A legislação confere ao detentor do conhecimento ancestral direitos sobre os produtos desenvolvidos a partir dele. É o mecanismo que garante às populações tradicionais retorno financeiros a partir dessa propriedade intelectual, e dá segurança jurídica às empresas para utilizar de maneira sustentável esse patrimônio. É com esse arcabouço e com sua credibilidade perante a comunidade internacional que Marina pretende liderar sua revolução econômica a partir do enfrentamento da crise climática. O apoio do Governo Federal vai acelerar algumas etapas. Mas, a verdade é que essa transformação está em curso, e tanto Marina, quanto o Brasil, são protagonistas.