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Madrugada da COP30 avança em transparência financeira, tema que travou na COP29

Novos documentos técnicos criam estruturas de prestação de contas que transformam aspirações em obrigações

COP30, em Belém: Brasil negocia opções políticas no Mutirão Global enquanto cria estruturas técnicas que impedem fuga de compromissos. (Leandro Fonseca /Exame)

COP30, em Belém: Brasil negocia opções políticas no Mutirão Global enquanto cria estruturas técnicas que impedem fuga de compromissos. (Leandro Fonseca /Exame)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 19 de novembro de 2025 às 08h02.

Última atualização em 19 de novembro de 2025 às 08h17.

Enquanto a presidência brasileira trabalhava na madrugada desta quarta-feira para refinar o documento do "Mutirão Global" - previsto para ser divulgado até as 4h  da manhã, mas sem divulgação até o momento - , dois outros textos técnicos foram publicados nas últimas horas em mais um desdobramento da estratégia em camadas de negociação do Brasil.

Embora ainda não se tenha a nova ou final versão do texto do Mutirão Global, os documentos sobre comunicações bienais de finanças climáticas (Artigo 9.5) e sobre o encerramento do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM), divulgados nas primeiras horas desta quarta-feira, mostram progressos concretos quando comparados ao rascunho do Mutirão publicado na manhã de terça-feira, 19.

Juntos, revelam como o Brasil está conduzindo uma abordagem de "sanduíche institucional": criar processos técnicos robustos que dificultem para países desenvolvidos escaparem de prestação de contas (accountability) no futuro, mesmo sem acordar números exatos agora.

Transparência financeira transforma promessas em obrigações

O primeiro documento, sobre o Artigo 9.5 do Acordo de Paris, operacionaliza várias das ambições políticas presentes no Mutirão Global através de obrigações técnicas de reporte.

Comparando os textos, fica evidente o progresso. Enquanto o Mutirão Global oferecia três opções sobre como caracterizar o cumprimento da meta de US$ 100 bilhões, este texto sobre finanças propõe uma solução concreta ao criar uma metodologia comum de contabilização que resolva o impasse.

A questão é altamente sensível. Países desenvolvidos, baseados em dados da OCDE, afirmam ter cumprido a meta em 2022. Países em desenvolvimento, baseados em seus próprios relatórios de transparência, dizem ter recebido apenas cerca de US$ 60 bilhões.

"A questão não é apenas quanto dinheiro está sendo prometido, mas como ele está sendo contado", alertou ontem uma negociadora em conversa reservada com a EXAME.

O documento técnico propõe ainda que países desenvolvidos tragam distinção clara entre finanças públicas fornecidas diretamente (provision) e finanças privadas mobilizadas (mobilization).

E esta diferenciação é crucial. Nações desenvolvidas frequentemente incluem empréstimos comerciais e financiamento "mobilizado" (não fornecido diretamente) em seus balanços. Já as em desenvolvimento querem ver apenas transferências reais, descontando juros e encargos.

Outro elemento significativo em relação ao Mutirão Global é o fato deste texto exigir que países desenvolvidos forneçam também projeções financeiras claras, desagregadas e multi-anuais, usando metodologias consistentes, alinhadas tanto com a meta de US$ 300 bilhões quanto com a ambição maior de US$ 1,3 trilhão.

Mecanismo permanente de prestação de contas

Talvez a mudança mais significativa - e até então totalmente ausente do rascunho do Mutirão Global - seja a proposta de submeter as comunicações bienais de finanças a revisão técnica de experts, similar ao que já acontece com os relatórios de transparência (BTRs) sob o Artigo 13 do Acordo de Paris.

Na prática significaria criar um mecanismo permanente de verificação independente, elevando drasticamente o nível de prestação de contas. Assim, não seria mais possível para nações desenvolvidas simplesmente declarar números sem escrutínio técnico rigoroso.

O texto também solicita que estes países submetam um plano de ação para implementar o Artigo 9.1 do Acordo de Paris antes da CMA.8 — a próxima conferência das partes. Isso transformaria obrigações genéricas em compromissos específicos e verificáveis.

O Artigo 9.1 do Acordo de Paris estabelece a obrigação legal vinculante de países desenvolvidos financiarem países em desenvolvimento na transição climática. Já o Artigo 9.2 trata apenas do estímulo voluntário para que outras nações contribuam.

É preciso compreender essa diferença técnica, pois ela alimenta uma das principais disputas da COP30: países em desenvolvimento defendem que os US$ 300 bilhões acordados em Baku devem vir majoritariamente de transferências públicas diretas dos países desenvolvidos (Artigo 9.1), e não de financiamento privado mobilizado.

"Estamos criando estruturas que sobrevivem às negociações políticas", explicou um negociador familiarizado com a estratégia.

"Mesmo que não consigamos acordar todos os números agora, estamos criando processos que garantem que os números futuros sejam reais e verificáveis", completou.

Adaptação ganha contornos mais concretos

No tema de adaptação, identificado nas negociações da terça-feira como uma prioridade onde a intervenção do presidente Lula pode fazer diferença, a comparação entre os documentos mostra progressos concretos.

O Mutirão Global oferece três opções sobre triplicar financiamento para adaptação: uma meta formal até 2030/2035, um reconhecimento genérico da necessidade, ou um diálogo anual. Já este novo documento técnico sobre finanças vai além e especifica como reportar essa ambição.

A proposta inclui uma meta específica de 50-75% dos US$ 300 bilhões para adaptação, muito mais concreta que a linguagem vaga do Mutirão Global. E pede que países desenvolvidos reflitam nos relatórios seus esforços para triplicar os fluxos de adaptação dos fundos multilaterais.

Isso torna a promessa de triplicar adaptação - hoje apenas uma aspiração política - uma categoria formal de reporte que será monitorada e verificada tecnicamente.

CDM exige transição cuidadosa

O documento sobre o CDM, embora tecnicamente separado do Mutirão Global, é politicamente sensível. É ele que permitia que países desenvolvidos cumprissem suas metas de redução de emissões investindo em projetos de energia limpa em países em desenvolvimento.

Esses investimentos geravam créditos de carbono que podiam ser usados para abater as metas climáticas dos países financiadores.

Com o Acordo de Paris, esse mecanismo ficou obsoleto, mas milhões de créditos de carbono gerados pelo CDM ao longo de décadas nunca foram utilizados e permanecem "estocados".

A questão é: esses créditos podem ser usados sob o novo Artigo 6 do Acordo de Paris? E quem pode usá-los, países ou apenas empresas?

O documento apresenta agora múltiplas opções, mas a tendência nas consultas é permitir uso limitado, com salvaguardas rigorosas para evitar "lavagem verde" de créditos antigos de qualidade duvidosa.

"É uma negociação técnica, mas com implicações políticas enormes", observou um especialista em mercados de carbono. "Se não fecharmos o CDM adequadamente, ele vai assombrar o Artigo 6 para sempre."

Perdas e danos segue fora do foco principal

Entre os temas que menos avançaram está perdas e danos. O Mutirão Global se limita a destacar com preocupação a capitalização insuficiente do Fundo.

Embora o documento sobre o Artigo 9.5 critique a falta de informações claras sobre financiamento para este fim e proponha torná-lo uma categoria obrigatória nos relatórios de finanças, não há novos compromissos nem mecanismos para capitalizar o Fundo de Perdas e Danos criado em 2022 ou propostas para garantir que recursos adicionais fluam para países mais vulneráveis.

A razão parece ser pragmática. O Brasil sabe que países desenvolvidos já comprometeram US$ 300 bilhões no NCQG e não darão mais além disso. Neste cenário, o Fundo de perdas e danos competiria com adaptação pelos mesmos recursos escassos.

"É uma escolha dolorosa, mas estratégica", advertiu um veterano observados de COPs. "Focar em adaptação, onde há mais chance de progresso, em vez de dispersar capital político em múltiplas frentes."

Mas essa escolha pode ter consequências. Pequenos Estados insulares e nações menos desenvolvidas (os mais afetados por perdas e danos) estão visivelmente frustrados. E essa frustração pode complicar negociações em outros temas.

A estratégia do sanduíche institucional

Analisados em conjunto, o Mutirão Global e os documentos técnicos sobre Artigo 9.5 e CDM mostram como a estratégia brasileira opera simultaneamente em dois níveis.

No nível político, o Brasil passa a oferecer múltiplas opções para criar espaço de negociação. Por exemplo, barganhando da seguinte forma: "vocês aceitam triplicar adaptação, nós abrimos mão de linguagem forte sobre combustíveis fósseis" ou "vocês aceitam o mapa do caminho, nós retiramos a plataforma sobre comércio".

Já no nível técnico, criam-se estruturas de transparência e reporte que "trancam" compromissos, como revisão técnica de especialistas, metodologias comuns de contabilização, planos de ação obrigatórios e distinção clara entre recursos públicos diretos e financiamento privado mobilizado.

Impasse comercial não encontra caminho técnico

Um tema completamente ausente do documento técnico sobre finanças é comércio internacional, apesar de ser um dos parágrafos mais polêmicos do Mutirão Global.

A proposta brasileira de criar uma "Plataforma sobre Medidas Comerciais Restritivas Unilaterais" para examinar o impacto do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) não encontra eco nas negociações técnicas de transparência financeira.

O CBAM é uma taxação da União Europeia sobre importações com base em sua pegada de carbono, que entra em vigor em 2026.

Para países como Brasil, China e Índia, trata-se de protecionismo verde disfarçado. Para a UE, é um instrumento legítimo para evitar que sua indústria perca competitividade para países com regulação climática mais frouxa.

A ausência do tema sugere que ele permanece puramente político, sem caminho técnico para resolução. O mais provável, segundo negociadores, é que a versão final do Mutirão Global opte por workshops técnicos sem criar estrutura confrontacional.

Isso sugere que o tema permanece puramente político, sem caminho técnico para resolução. O mais provável, segundo negociadores, é que a versão final do Mutirão Global opte por workshops técnicos sem estabelecer um fórum de disputa.

Mas a tensão não desaparecerá. Quando o CBAM entrar plenamente em operação em 2026, essa disputa comercial-climática pode dominar a agenda da COP31.

O teste das próximas horas

O texto do Mutirão Global que deve surgir nas próximas horas dirá muito sobre o sucesso da estratégia brasileira.

Se mantiver múltiplas opções, sinalizará que divisões persistem. Se reduzir opções drasticamente, significará que a presidência está fazendo escolhas e assumindo riscos políticos.

Contudo, independentemente do que aconteça com o documento político, os progressos técnicos em transparência financeira e encerramento do CDM representam passos concretos que podem sobreviver às inevitáveis batalhas políticas dos próximos dias.

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