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Luto corporativo: quando ignorar a dor se transforma em prejuízo bilionário

Empresas que não prestam atenção em perdas não reconhecidas enfrentam queda de produtividade, rotatividade e deterioração do clima organizacional

US$ 225,8 bilhões anuais perdidos, talentos que se vão e equipes exaustas: o que ocorre com organizações sem políticas para lidar com luto.  (DC Studio)

US$ 225,8 bilhões anuais perdidos, talentos que se vão e equipes exaustas: o que ocorre com organizações sem políticas para lidar com luto. (DC Studio)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 2 de novembro de 2025 às 10h43.

Última atualização em 2 de novembro de 2025 às 14h28.

Carolina* voltou ao trabalho três dias após um aborto espontâneo. Não tinha direito a licença porque, oficialmente, não houve morte de um filho, apenas a interrupção de uma gravidez de 12 semanas.

Nas semanas seguintes, colegas comentavam que ela estava "distraída", "irritada" e "pouco produtiva". Ninguém sabia da perda. Ela, que ocupava a gerência da área de inteligência de mercado em uma varejista de beleza, não se sentia autorizada a falar.

A história de Carolina representa uma categoria de sofrimento que permeia os ambientes corporativos, mas permanece invisível: o luto não reconhecido.

Aquele que não se encaixa nas políticas de recursos humanos, não entrega flores no escritório ou velório, não mobiliza correntes de apoio. Contudo, dói e custa caro.

Segundo o estudo "As consequências do luto não reconhecido no ambiente de trabalho", publicado pelo MIT Sloan Management Review, o luto não resolvido custa às organizações americanas US$ 225,8 bilhões anualmente.

Ainda assim, poucos gestores conseguem identificar corretamente quando problemas de desempenho estão relacionados ao luto. Sendo que 91% dos funcionários enlutados relatam queda significativa na produtividade.

O resultado? Pessoas sofrem sozinhas, empresas perdem talentos, comprometem resultados e o ciclo se perpetua no silêncio.

Dores sem direitos

Quando um pai, cônjuge ou filho falece, o protocolo corporativo entra em ação. No Brasil, a CLT garante apenas dois dias consecutivos de licença para falecimento de cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou dependente econômico.

Nesses casos, é mais comum que haja ainda mensagens de condolências e flexibilidade temporária. O luto é reconhecido e acolhido. Já se a morte for de outros parentes como primos, tios, sobrinhos e sogros, o direito ao afastamento não é garantido pela legislação brasileira.

Outros episódios como divórcio, morte de animais de estimação ou aborto espontâneo sequer são mencionadas.

É o que a psicóloga Mariana Clark, que pesquisa o tema desde 2020 e acaba de lançar o livro "Lutos corporativos" (Editora Intrínseca), chama de "lutos não reconhecidos".

"Além de perder as pessoas que amamos, há perdas invisíveis. O divórcio que impacta todo um sistema familiar, aborto, infertilidade, processos de desligamento mal conduzidos, aposentadoria, síndrome do ninho vazio, o diagnóstico de uma doença grave, a perda de um bichinho de estimação", enumera a especialista, que tem cerca de 20 anos de experiência em recursos humanos.

"Tudo isso é processo de rompimento de vínculo. São eventos que afetam nossas dimensões comportamental e cognitiva, comprometendo nossa capacidade de produzir, de nos concentrar. Ficamos comprometidos pela dor."

Mesmo nos casos em que há algum reconhecimento formal, a compreensão e o apoio costumam durar menos que o tempo de recuperação. "Eu estava exausta de ter que provar que meu marido estava morto", desabafou Larissa*, 52, que ficou viúva quando atuava como líder de gestão de mudança em uma multinacional.

Ela se referia aos meses seguintes ao funeral, quando precisou justificar repetidamente seu estado emocional em reuniões e avaliações de desempenho. Como se a dor tivesse prazo de validade.

Para Clark, a rigidez das políticas corporativas ignora a realidade emocional das pessoas.

"O luto pela perda de um animal de estimação pode ser mais intenso do que a reação à morte de um pai emocionalmente distante. Mas tentamos codificar a dor em hierarquias fixas", critica.

Divórcios geram outro tipo de luto invisível: a perda de um futuro imaginado, de uma identidade compartilhada. Porém, não há velório ou licença.

"Meu divórcio foi finalizado numa quinta-feira. Na sexta, eu estava em reuniões fingindo normalidade. Ninguém sabia. Ninguém perguntou por que eu parecia zumbi", relatou um executivo de 42 anos.

Entre todas os sofrimentos não reconhecidos, os gestacionais talvez sejam os mais silenciados. E são um exemplo particularmente doloroso nesse espectro.

Na medicina, estima-se que uma em cada quatro gestações termine em aborto espontâneo, uma estatística que raramente se traduz em acolhimento no ambiente de trabalho.

De acordo com estudo da consultoria Workplace Options sobre luto no ambiente corporativo, o assunto permanece tabu.

E a pesquisa revela um padrão doloroso: mulheres voltam ao trabalho rapidamente, ocultam o sofrimento, enfrentam perguntas sobre "quando vão ter filhos" de colegas que desconhecem a tentativa perdida.

Parceiros, por sua vez, raramente recebem qualquer reconhecimento de sua própria dor. Assim, o luto existe, mas não pode ser nomeado.

De enlutado a demitido

A dor não reconhecida não desaparece por ser ignorada. Ela se manifesta em queda na produtividade, erros de concentração, irritabilidade, isolamento social ou faltas frequentes.

Para o colaborador que vive o luto em segredo, os sintomas vêm acompanhados de medo, sobretudo de perder o emprego se as "falhas" forem notadas.

Já gestores desconhecem o contexto. Segundo o MIT Sloan Management Review, apenas 11% dos gestores conseguem identificar corretamente problemas de desempenho como relacionados ao luto.

Sinais como irritabilidade, isolamento ou distração são frequentemente interpretados erroneamente como falta de engajamento ou motivação. O funcionário pode receber advertências e, no pior cenário, é demitido.

"Essa interpretação equivocada aumenta o risco de que o comportamento seja tratado como questão disciplinar, em vez de questão humana", explica Clark. "E aí perdemos um funcionário competente por causa do que é uma reação normal e temporária ."

A psicóloga Mariana Clark, autora de Lutos Corporativos: rigidez das políticas corporativas ignora a realidade emocional das pessoas. (Divulgação)

A história de Roberto*, diretor de engenharia de uma construtora, ilustra esse cenário. Após a morte do pai, teve direito a dois dias de licença. Voltou ao trabalho ainda processando o luto. Nas semanas seguintes, começou a receber feedbacks negativos sobre "falta de foco" e "baixa energia".

Seis meses depois, foi desligado por "questões de performance". A empresa despediu um profissional com oito anos de casa e histórico de boas avaliações. Já Roberto perdeu, além do pai, a estabilidade financeira quando ainda tentava processar a primeira perda.

Quando quem lidera perde 

O luto não reconhecido não afeta apenas quem ocupa cargos de entrada ou níveis intermediários. Altas lideranças também sofrem; e quando sofrem, o impacto reverbera em toda a organização.

Bill, diretor de operações de uma multinacional, era querido e respeitado pela equipe. Mas após perder a esposa, algo mudou. Sua história é relatada no artigo "The hidden perils of unresolved grief", publicado pela McKinsey em 2020, que mostra como o impacto foi visível apenas em retrospectiva.

O luto afetou a forma como ele enxergava o mundo. Seu foco se desviou das possibilidades para a negatividade e os fracassos. A sensação de impotência era lenta e destrutiva. No trabalho, Bill mostrava-se distante e emocionalmente desconectado.

Ao longo dos anos, parou de se candidatar a promoções para as quais colegas o consideravam adequado. A perda não processada transformou um líder promissor em alguém que apenas sobrevivia.

A indisponibilidade emocional decorrente de luto não resolvido faz com que executivos atuem abaixo de sua capacidade, aponta o estudo da consultoria. Eles têm dificuldade em criar vínculos com colegas ou subordinados diretos.

Frequentemente, preferem agir com cautela. A infelicidade e a falta de autoestima podem levar à falta de respeito pelos outros. Em alguns casos, o distanciamento transforma-se em frieza, coerção, cinismo e raiva.

"O luto afeta a forma como os líderes enxergam o mundo", explica Clark. "Quando estamos imersos nele, nosso foco se desvia das possibilidades, concentrando-se na negatividade. É sutil, mas corrosivo."

O artigo da McKinsey foi publicado em 2020, no auge da pandemia, quando o tema do luto passou a receber mais atenção das empresas diante das perdas coletivas. Mas o problema, como o caso de Bill demonstra, sempre esteve presente e persiste.

O custo de não agir

Embora quase todas as pessoas vivenciem o luto em algum momento da vida, ainda persiste a ideia equivocada de que isso não deve afetar o desempenho profissional. Essa crença ignora a realidade biológica do luto.

Quando pessoas estão de luto, o cérebro está literalmente processando trauma. Há redução na capacidade de concentração, na memória de curto prazo, na regulação emocional. Isso não é fraqueza, é fisiologia.

Mas quando o luto não é reconhecido, a rede de apoio desaparece. A pessoa pode ouvir, ou acreditar, que não deveria sentir a perda tão profundamente, que deveria superá-la rapidamente. Com essas pressões, as emoções são internalizadas ou reprimidas.

As consequências vão além da produtividade: ansiedade, tensão muscular, insônia, depressão, problemas de relacionamento, afastamento, perda de autoestima.

Adicionalmente, empresas que ignoram o luto enviam uma mensagem clara: você só importa enquanto estiver produtivo. Sua humanidade tem limites.

"Quando tratamos o luto como problema de desempenho em vez de questão humana, perdemos talentos e quebramos confiança", afirma Mariana Clark. "O colaborador que volta de uma experiência bem apoiada retorna com lealdade renovada."

O que pode ser feito

Segundo a especialista, cada ser humano deve viver, em média, 15 experiências de luto ao longo de sua existência. Como, então, um gestor pode saber quando um luto não reconhecido está por trás da queda de desempenho?

Através de uma conversa franca, apontando as mudanças observadas e perguntando se há algo acontecendo na vida da pessoa. O funcionário não precisa revelar informações privadas, mas a conversa abre caminho para oferecer adaptações.

Trabalhadores enlutados têm três necessidades básicas: tempo, flexibilidade e apoio.

Oferecer tempo significa repensar políticas que vão além da hierarquia fixa de parentesco prevista na CLT. A solução está em políticas que permitam licença - remunerada ou não - quando funcionários não conseguirem desempenhar bem suas funções, seja qual for a natureza da perda.

Já flexibilidade pode requerer ajustes temporários nas cargas de trabalho e redistribuição de responsabilidades críticas. "Reconhecer abertamente a queda temporária no desempenho alivia a ansiedade e permite foco na recuperação", afirma a psicóloga.

O apoio, por sua vez, começa com o reconhecimento da perda, e passa pela necessidade de treinamentos que capacitem gestores a identificar sinais e encaminhar funcionários ao programa de assistência.

A conscientização também ajudará colegas a responderem com empatia quando responsabilidades precisam ser redistribuídas.

Falar sobre luto é falar sobre trabalho

Como a perda é parte inevitável da vida, empregadores precisam encontrar maneiras de dar aos funcionários enlutados o tempo, a flexibilidade e o suporte de que precisam. O resultado será a retenção de talentos e o surgimento de uma cultura mais acolhedora.

"Não se trata de caridade corporativa", conclui a autora de "Lutos corporativos". "Trata-se de entender que colaboradores são pessoas inteiras, que trazem suas vidas para dentro do escritório. Criar espaço para a dor é criar espaço para a humanidade. E isso constrói equipes resilientes e empresas sustentáveis."

Carolina, que voltou ao trabalho três dias após o aborto espontâneo, acabou pedindo demissão seis meses depois. Não porque não gostasse do trabalho, mas porque não conseguiu mais se conectar emocionalmente com um lugar que não teve espaço para sua dor.

Hoje, vice-presidente de marketing em uma multinacional, quando fala sobre aquele período, Carolina não usa a palavra "superação", mas "sobrevivência".

"Eu sobrevivi àquele lugar apesar dele, não por causa dele", diz. Uma distinção importante, que deveria interessar a qualquer organização que se preocupa com pessoas além de números.

* A pedido dos entrevistados, as identidades foram preservadas. 

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