Lula ao lado de Helder Barbalho, do Pará, no estande dos governadores da Amazônia: promessa de priorizar o financiamento de projetos locais (Leandro Fonseca/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 16 de novembro de 2022 às 08h35.
Última atualização em 16 de novembro de 2022 às 10h39.
A expectativa era de aglomeração e empurra-empurra, e aconteceu. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito do Brasil, chegou à Blue Zone da COP27, onde estão os pavilhões dos países, e encontrou uma multidão em frente ao estande dos governadores da Amazônia Legal, onde fez um discurso. Sob aplausos, disse que o Brasil está de volta ao palco mundial, prometeu pleitear a COP30, em 2025, e levar para a Amazônia, e fez um apelo à democracia. “Terminou a eleição, não há mais inimigos”, declarou.
Iniciar a sua visita à COP27, que este ano é realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, pelo pavilhão dos estados amazônicos já indicava uma tendência que deve se materializar em seu governo: a maior importância dos governos subnacionais na agenda climática. Seu discurso corroborou a expectativa. Lula prometeu autonomia aos estados e municípios e priorizar o financiamento de projetos locais, tanto de infraestrutura, quanto de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
Essa maior relevância dos governos locais é um desejo, inclusive, de grandes investidores. Michael Bloomberg, por exemplo, foca boa parte das ações da Bloomberg Phillantropies, braço de filantropia de seu grupo empresarial, em projetos locais. Outros atores importantes no financiamento da transição para a economia de baixo carbono, como o Banco Mundial, também priorizam esse tipo de investimento mais direto.
O discurso de Lula, embora breve, também sinalizou uma abertura a governadores que se aliaram ao seu adversário na eleição passada. O presidente eleito afirmou que, passada a eleição, não há mais inimigos, e conclamou os adversários a trabalharem juntos com o novo governo. Antes de seu discurso, ele recebeu uma carta escrita em conjunto pelos governadores da Amazônia Legal demandando um plano de desenvolvimento sustentável da região.
Lula chegou ao Egito na terça-feira, 15, em um avião particular. Sua agenda inclui encontros bilaterais, participação em eventos nos estandes dos governos da Amazônia e da sociedade civil brasileira, e um pronunciamento em uma das salas da conferência, a convite do governo egípcio.
O presidente eleito terá à sua disposição um palco global para dar início a sua terceira jornada como líder nacional. Mais do que isso, ele chega ao Egito com o status de potencial salvador da Amazônia, bandeira que ele empunhou com firmeza durante a campanha.
No campo diplomático, há grande dificuldade de avanço em assuntos centrais, como o financiamento das medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas nos países de menor renda. A expectativa é de que a conferência termine sem grandes anúncios, um contraste com a COP26, em Glasgow, Escócia, que terminou com um acordo histórico para a criação de um mercado global de carbono.
Há impasses, ainda, nas conversas sobre mecanismos de proteção de floresta e pagamento por serviços ambientais. O governo brasileiro insiste na ampliação do REDD+, mecanismo para pagamento por resultados de redução de emissões por desmatamento, um tipo de crédito de carbono florestal. Na COP passada, havia a expectativa de incluir o REDD+ na regulação do artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono, o que não aconteceu.
Lula terá pouca ou nenhuma influência nessas negociações, que são conduzidas pelo Itamaraty, ainda sob comando do governo atual. Sua presença, de certa forma, trava ainda mais as negociações. A participação do Brasil na COP27 vem sendo criticada pela falta de unidade. Governo Federal, governos subnacionais e a sociedade civil parecem não se entender, o que tira qualquer credibilidade da representação oficial. Lula deve fazer muitos encontros, mas qualquer decisão só será tomada na COP28.
O Brasil é o único país a ter mais de um estande na Blue Zone, onde ficam as representações dos países e da sociedade civil. Pode parecer algo positivo, como se a presença brasileira fosse intensa, mas não é. Os três espaços – o oficial do governo brasileiro, o dos governos da Amazônia Legal e o da sociedade civil – não se conversam. Na realidade, pode-se dizer que um fala mal do outro. A situação insólita tem gerado incômodo em alguns empresários que conversaram com a EXAME.