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Líder de conselho da COP30 critica green bonds e alerta sobre limites da engenharia financeira

Em entrevista na Pré-COP30, José Alexandre Scheinkman defende financiamento catalítico, alerta sobre riscos sistêmicos e apresenta modelo de US$ 130 bi para descarbonizar energia

Scheinkman: 'Não há nenhuma evidência empírica de que as pessoas estão dispostas a pagar um prêmio considerável ou até relevante para os chamados green bonds' (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Scheinkman: 'Não há nenhuma evidência empírica de que as pessoas estão dispostas a pagar um prêmio considerável ou até relevante para os chamados green bonds' (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 14 de outubro de 2025 às 18h16.

Última atualização em 14 de outubro de 2025 às 18h24.

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BRASÍLIA — "A engenharia financeira pode ajudar muito, mas é muito limitada." A afirmação do economista José Alexandre Scheinkman nesta terça-feira, 14, durante a Pré-COP30 em Brasília, configura um alerta vindo de dentro do próprio sistema.

Scheinkman, que dedicou décadas ao ensino de engenharia financeira em Chicago e Princeton e ainda leciona em Columbia, coordena desde abril o conselho de economistas criado pela presidência brasileira da COP30 para assessorar a elaboração do roadmap de Baku a Belém — documento estratégico sobre financiamento climático.

Em entrevista coletiva nesta terça-feira, durante a última reunião ministerial antes da conferência de Belém, ele expôs propostas e ressalvas sobre os caminhos para viabilizar a transição energética global.

O desafio é monumental: elaborar o plano de ação que deve traçar como mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais em financiamento climático até 2035, meta definida há quase um ano na COP29 no Azerbaijão.

Para o economista, contar apenas com os mecanismos de mercado não será suficiente. "Os mercados não vão ser suficientes", afirmou. "A gente precisa financiar de qualquer maneira."

A urgência do tema foi dimensionada no domingo, 13, por relatório do Climate Policy Initiative/PUC-Rio (CPI/PUC-Rio), coordenado pelo economista Juliano Assunção, que também integra o conselho da COP30.

O estudo revelou que a restauração de áreas desmatadas desde 2001 nos 91 países com florestas tropicais poderia capturar até 49 gigatoneladas de CO₂ — quase um quarto do orçamento de carbono remanescente para limitar o aquecimento a 2°C.

As cicatrizes de 2008

A reserva quanto a soluções puramente financeiras tem raízes em experiências passadas. O professor assistiu de perto a crise das hipotecas de 2008, experiência que marcou profundamente sua visão sobre instrumentos complexos de crédito.

"Foi uma crise gerada pela ideia de que engenharia financeira abolia risco", explicou. "Pegavam um monte de projetos, botavam numa caixinha e diziam: 'como cada um tem um risco pequeno e você tem um pedaço de todos, você não tem risco nenhum'."

O problema, segundo ele, está em esquecer os riscos sistêmicos, como recessões ou aumentos globais de juros, que afetam todos os projetos simultaneamente.

Essa cautela se estende aos chamados green bonds (títulos verdes), tão celebrados pelo mercado. "Não há nenhuma evidência empírica de que as pessoas estão dispostas a pagar um prêmio considerável ou até relevante para os chamados green bonds", afirmou, citando experimento alemão em que o governo emitiu dois conjuntos de bônus idênticos, um com cláusula de sustentabilidade. "Não há alguma demanda [diferenciada] para isso."

Ecoinvest: o modelo brasileiro

Por outro lado, o modelo de "financiamento catalítico" exemplificado pelo Ecoinvest Brasil, programa do Tesouro que oferece recursos a 1% ao ano para bancos que consigam alavancar o máximo de crédito para projetos climáticos — foi elogiado.

O mecanismo funciona por competição. "Se eu lhe dou US$ 1.000 e você diz 'com esses US$ 1.000 eu alavanco e dou US$ 8.000 de crédito para projetos que têm melhoria climática', ele vai ganhar do banco que diz 'eu só vou dar US$ 3.000'", explicou. A vantagem é clara: "É uma maneira que você gera o máximo de recursos, dado que você vai dar."

Essa análise vai ao encontro das prioridades apresentadas na abertura da Pré-COP30 pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na segunda-feira, 13, ele apresentou cinco prioridades estratégicas para ampliar o financiamento climático, consolidadas em relatório com mais de 1.200 contribuições coletadas pelo Círculo de Ministros de Finanças, iniciativa inédita liderada por Haddad desde abril, paralelamente ao conselho liderado por Scheinkman.

Entre as prioridades está justamente reformar os bancos multilaterais de desenvolvimento, tornando-os "mais ágeis, integrados e aptos a catalisar capital privado", em um diagnóstico que ressoa com as preocupações sobre eficiência dos mecanismos financeiros e a necessidade de ir além dos mercados tradicionais.

US$ 130 bilhões para descarbonizar energia

Mas como viabilizar isso na prática? A resposta, segundo o economista, pode estar em modelos como o desenvolvido por Patrick Bolton, do Imperial College de Londres.

A proposta prevê descarbonizar toda a geração de energia nos países emergentes (exceto China) em 10 anos com investimento anual de US$ 130 bilhões.

O mecanismo é direto: países desenvolvidos pagariam todos os custos de fechamento de usinas baseadas em carbono, incluindo indenização a proprietários por lucros cessantes e a trabalhadores por cinco anos, tempo estimado para recolocação profissional.

Além disso, financiariam 25% da nova infraestrutura limpa necessária para substituir as usinas fechadas e atender ao crescimento da demanda. O restante viria do setor privado, tanto local como estrangeiro.

"Gerar energia gera dinheiro. Tem uma demanda por energia", argumentou. "Você vai colocar lá suas usinas limpas, fazer placa solar, eólica ou até mesmo nuclear."

O resultado, segundo os cálculos de Bolton, seria a descarbonização completa da matriz energética dos países emergentes em uma década. "No final de 10 anos você já descarbonizou todos os tipos de energia em todos os países emergentes", resumiu.

O gargalo das plataformas nacionais

Propostas como a de Bolton, no entanto, esbarram em um obstáculo menos discutido, mas crucial: a falta de capacidade institucional em muitos países para absorver financiamento climático.

"Um país como o Brasil tem essa infraestrutura bancária que pode gerar os projetos. Se for para outro país, ele simplesmente não tem a capacidade de gerar projetos."

O Ecoinvest funciona porque o Brasil tem BNDES e sistema financeiro estruturado. "Se o país não tem essa condição, então uma coisa importante é que você precisa construir plataformas nos outros países", afirmou, citando proposta de Mariana Mazzucato, economista italiana que também integra o conselho da COP30.

"O Brasil tem uma certa expertise, tem o BNDES. Elas [as plataformas] têm que ajudar o sistema privado do país a gerar demanda por aqueles fundos."

Haddad, na segunda-feira, incluiu exatamente essa questão entre as cinco prioridades: "fortalecer as capacidades domésticas e as plataformas de país, ampliando a coordenação institucional e a atratividade de investimentos sustentáveis."

TFFF e o potencial da restauração florestal

Sobre o Tropical Forests Forever Facility (TFFF), mecanismo brasileiro para remunerar países que preservam florestas tropicais e uma das principais apostas de legado do Brasil na COP30, a avaliação foi cautelosamente otimista. "É um programa muito interessante. A quantidade de alavancagem vai depender de vários fatores", ponderou.

O professor destacou que o programa pode ter impacto desproporcional em países como o Brasil, onde mais de 50% das emissões vêm do desmatamento.

"A Amazônia está completamente fora da curva. Por que ela está assim? Porque tem uma população pobre. E tem [pessoas na] Amazônia dirigindo utilitários de oito cilindros a gasolina", comparou.

O relatório do CPI/PUC-Rio dimensiona o desafio e a oportunidade. Os 91 países com florestas tropicais analisados mantêm 1,27 bilhão de hectares que armazenam 593 gigatoneladas de CO₂ - aproximadamente um terço das emissões históricas globais.

O estudo aponta que 186 milhões de hectares foram desmatados entre 2001 e 2023. Se totalmente restauradas, essas áreas poderiam capturar 49 GtCO₂, volume considerado significativo diante dos orçamentos de carbono remanescentes de 900 GtCO₂ para limitar o aquecimento a 2°C e 200 GtCO₂ para 1,5°C.

O caminho para aproveitar esse potencial, no entanto, precisa ser bem escolhido, pois nem toda restauração é igual. Para Scheinkman, o TFFF e outros mecanismos de pagamento por florestas devem incluir apenas regeneração natural, não reflorestamento artificial.

"Tem 6 milhões de hectares [na Amazônia] que foram abandonados e estão se recuperando muito bem", afirmou, citando o fracasso histórico da Fordlândia - em referência ao projeto de Henry Ford que, nos anos 1920, tentou criar plantações industriais de seringueira na Amazônia - como alerta contra tentativas de plantar espécies não nativas.

Certificação: o problema invisível

Um tema que preocupa profundamente o economista é a qualidade da certificação de créditos de carbono. E durante a entrevista, ele citou reportagem do Washington Post sobre empresa europeia que certificou captura de carbono em territórios indígenas sem verificação adequada.

"Qualquer garoto que tem [conhecimento] de como lidar com dados pode fazer isso. Existe o que se chama 'shapefiles', que são mapas com fronteiras de todas as propriedades", explicou.

"É tão fácil verificar se alguém está preservando ou não. Você quer saber se um sujeito tem até uma terra [indígena]? Você vê no shapefile imediatamente."

A solução seria criar uma agência internacional independente de certificação. "Eu acho que a criação de uma agência independente é uma maneira de fazer isso melhor", afirmou. "Seria muito bom ter essa agência."

O relatório do CPI/PUC-Rio enfatiza justamente que a implementação do Reversing Deforestation Mechanism (RDM) depende de "contabilização robusta de carbono que vincula pagamentos a resultados líquidos de carbono, combinando remoções de regeneração com penalidades por emissões de desmatamento e degradação".

A questão dos US$ 1,3 trilhão

Questionado diretamente sobre a viabilidade da meta de US$ 1,3 trilhão anuais, a resposta foi franca: "Não tenho opinião sobre isso. Nunca pensei na viabilidade porque não tenho preparo para saber. Isso é uma coisa que você deve perguntar aos delegados se eles acham que isso é viável."

No entanto, o economista foi enfático sobre a necessidade de buscar soluções independentemente da cifra exata. "Tem que pensar em coisas adicionais, os mercados não vão ser o suficiente. E a gente precisa financiar de qualquer maneira."

O relatório do CPI/PUC-Rio reconhece que "a realidade dos países varia substancialmente" e os categoriza em três grupos baseados em cobertura florestal, taxas de desmatamento e potencial de carbono, sublinhando a necessidade de "estratégias flexíveis e específicas ao contexto".

O contexto de Baku

A meta de US$ 1,3 trilhão foi estabelecida há quase um ano na COP29, em Baku, como cifra aspiracional - ou seja, um objetivo a ser perseguido, mas sem obrigação legal. Já o valor de US$ 300 bilhões anuais até 2035 é vinculante, triplicando a meta anterior de US$ 100 bilhões.

Importante lembrar que a conferência do Azerbaijão aconteceu em momento político adverso: poucos dias após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, sinalizando que o apoio federal americano ao financiamento climático seria incerto.

A guerra na Ucrânia também havia apertado os orçamentos europeus. Naquele contexto, negociadores não tiveram condições políticas para acordo mais robusto.

Agora, há um caminho comum sendo construído, "com ambição e realismo, para que as finanças sirvam à transformação ecológica que o mundo exige", como afirmou Haddad na abertura da Pré-COP30, no discurso que converge com as ponderações apresentadas por Scheinkman nesta terça-feira.

O roadmap de Baku a Belém que Scheinkman coordena não será votado nem terá força legal. Mas sua importância está na capacidade de influenciar decisões em outros fóruns globais, desde bancos multilaterais até ministérios da Fazenda.

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