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Leilão da Foz do Amazonas: como 'janela ambiental' rendeu R$ 845 mi a consórcios globais

Pressões orçamentárias e timing regulatório fizeram ANP acelerar o passo para realização do leilão, que permitiu captação recorde mesmo com pareceres técnicos contrários do Ibama

Consórcios dominaram a disputa: Petrobras-ExxonMobil arrematou dez blocos, enquanto Chevron-CNPC Brasil levou nove lotes, em certame realizado um dia antes do vencimento das autorizações ministeriais. (Germano Lüders/Exame)

Consórcios dominaram a disputa: Petrobras-ExxonMobil arrematou dez blocos, enquanto Chevron-CNPC Brasil levou nove lotes, em certame realizado um dia antes do vencimento das autorizações ministeriais. (Germano Lüders/Exame)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 18 de junho de 2025 às 09h37.

Última atualização em 18 de junho de 2025 às 11h04.

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O Brasil concluiu ontem (17) o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão com a arrecadação recorde de R$ 989 milhões, sendo R$ 845 milhões oriundos exclusivamente das 19 áreas arrematadas na Foz do Amazonas.

Trata-se da maior oferta de blocos exploratórios da região, em um contexto de crescentes pressões diplomáticas sobre sua política energética.

A Bacia da Foz do Amazonas, considerada a nova fronteira petrolífera nacional com potencial de até 10 bilhões de barris, representa simultaneamente uma promessa de segurança energética e um teste definitivo das ambições climáticas brasileiras.

No que especialistas chamam de "janela ambiental", a Agência Nacional do Petróleo (ANP) correu para realizar o leilão antes de 18 de junho, quando venciam as manifestações dos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia autorizando a oferta dessas áreas.

Essas autorizações, válidas por cinco anos, foram concedidas em 2020 durante o governo Bolsonaro, em um cenário de maior alinhamento entre as duas pastas sobre a exploração petrolífera na região.

Após o vencimento, seria necessário obter novas manifestações ministeriais - processo que se tornaria muito mais complexo dado o atual desalinhamento interno do governo sobre o tema.

Dois consórcios com participação de gigantes internacionais do petróleo dominaram a disputa pela região amazônica.

A Petrobras, em parceria com a americana ExxonMobil, arrematou dez blocos por R$ 262 milhões, enquanto o consórcio formado pela Chevron Brasil Óleo e pela chinesa CNPC Brasil levou nove blocos por R$ 582 milhões.

A composição societária varia entre os lotes: nos blocos do consórcio Petrobras-ExxonMobil, a participação é dividida igualmente em 50%, enquanto no consórcio Chevron-CNPC a divisão oscila entre 50%-50% e 65%-35%, com a Chevron mantendo o controle acionário na maioria dos casos.

O interesse renovado dessas petroleiras multinacionais pela região não é uma casualidade. ExxonMobil e Chevron já operam com sucesso na vizinha Guiana, onde descobriram algumas das maiores reservas petrolíferas do século no bloco Stabroek.

A expectativa é que essas formações se estendam ao território brasileiro, transformando a Margem Equatorial em uma nova província petrolífera.

Simultaneamente, as empresas apostam na iminente decisão do Ibama sobre o licenciamento do bloco FZA-M-59, processo separado e anterior ao leilão, conhecido como "bloco 59", que a Petrobras tenta perfurar desde 2014.

Em entrevista à Reuters, Magda Chambriard, presidente da estatal, afirmou que o simulado de emergência em águas ultraprofundas deve ocorrer na segunda quinzena de julho, representando o último passo antes da decisão final sobre a licença.

A partir de então, a aprovação criaria precedente técnico e regulatório favorável para os blocos recém-arrematados.

Pressão internacional e contradições diplomáticas

A realização do leilão intensifica as contradições da posição brasileira nos fóruns climáticos internacionais, especialmente às vésperas da COP30.

A escolha de Belém como sede da conferência foi simbólica, ao levar as negociações climáticas globais ao coração da Amazônia. O que, em tese, cristalizaria o compromisso brasileiro com a proteção da maior floresta tropical do mundo.

Nesta semana, o país estaria diante de um dos momentos cruciais para avalizar seu protagonismo, com as negociações preparatórias em Bonn, na Alemanha, iniciadas no último dia 15.

Contudo, se encontra agora em uma grande saia justa, por conta da aparente contradição entre promover cooperação climática multilateral internacionalmente, enquanto expande a fronteira petrolífera amazônica em território nacional.

André Corrêa do Lago, presidente-designado da COP30, havia sido diretamente questionado sobre o assunto durante o recente Diálogo de Petersberg, em março deste ano.

Sua resposta, de que a exploração petrolífera na região "será uma decisão nacional" e não um "consenso como foi o Acordo de Paris", evidenciou já na época o quanto o tema se tornou um teste para a credibilidade da liderança brasileira.

Ontem, em uma entrevista coletiva em Bonn, o assunto foi alvo de declarações como a de Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. Nas palavras do ambientalista,

"Este leilão é um duplo ato de sabotagem. Primeiro, o governo brasileiro está colocando em risco o futuro de todos, já que a ciência tem sido cristalina há vários anos sobre a necessidade de parar a expansão de fósseis"

Presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell considera que o leilão na Foz do Amazonas será lembrado como "mais uma chance encerrada de manter a meta do aquecimento global abaixo dos 1,5°C".

"Abrir novas frentes de exploração fóssil em plena crise climática é uma escolha deliberada contra o futuro, feita às vésperas da COP30, em solo brasileiro, desafiando a lógica científica, a justiça climática e a esperança", completa a especialista.

Foz do Amazonas

Bacia da Foz do Amazonas: considerada a nova fronteira petrolífera nacional com potencial de até 10 bilhões de barris de petróleo. (Lucas Ninno/Getty Images)

Histórico regulatório complexo

Em entrevista à EXAME em abril, João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, havia antecipado que o leilão se configuraria em um "teste de credibilidade" para o Brasil.

"A questão é que este é um momento que exige extrema coerência. Não podemos defender a proteção florestal globalmente e, ao mesmo tempo, flexibilizar medidas de segurança ambiental em nosso próprio território", ponderou o experiente ambientalista, que está em sua segunda passagem pelo Ministério no mesmo posto.

Após o resultado do certame, o Ministério do Meio Ambiente ainda não se manifestou oficialmente. Em contrapartida, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, apressou-se em celebrar e aproveitou a deixa para mandar recado ao Ibama.

Na tarde de ontem, Silveira afirmou ter "certeza de que o Ibama vai agilizar os licenciamentos" na região, destacando que "quase R$ 1 bilhão que não estava previsto para este ano" auxiliará o governo a evitar cortes maiores no orçamento.

Além da evidente falta de consenso entre ministérios, o caminho até este leilão expõe as intrincadas conexões entre decisões técnicas, outras pressões políticas e realidades orçamentárias.

A Petrobras acumula um histórico conturbado na região: já interrompeu perfurações por acidente em 2011 e, segundo levantamento da Agência Lupa, recebeu 2.700 multas do Ibama entre 2000 e 2025, uma média de 108 autuações por ano.

Em março, o Ibama emitiu, pela segunda vez, um parecer técnico recomendando a rejeição da licença ambiental solicitada pela Petrobras para o bloco 59.

A análise considerou insuficientes as medidas propostas pela estatal para mitigar os riscos ambientais, especialmente as deficiências nas medidas para instalação de unidades de resgate de fauna em Oiapoque (AP) e a capacidade de resposta em caso de acidentes, considerando as complexas correntes marinhas da região.

"A falta de informações e a dinâmica ambiental naquela região, tão complexa e pouco conhecida, impede que a equipe técnica do Ibama ofereça as condicionantes necessárias para garantir a segurança ambiental da operação", explicou Capobianco à EXAME.

O secretário afirmou também que "a decisão sobre viabilidade ambiental pertence ao órgão, não ao Ministério do Meio Ambiente, ao Ministério de Minas e Energia, ou mesmo à Presidência da República".

Próximos passos e licenciamento ambiental

Com os blocos arrematados, as empresas precisam agora obter licenças ambientais específicas para iniciar as atividades exploratórias. O processo envolve múltiplas etapas.

Primeiro, uma autorização prévia para "avaliação pré-operacional", incluindo vistorias e simulações de resgate de animais em caso de vazamentos; posteriormente, uma licença de operação para as atividades de perfuração.

O desafio regulatório é significativo e as empresas sabem disso. Ricardo Fujii, especialista em conservação da WWF-Brasil, considera a aquisição dos blocos uma "aposta perigosa em ativos fósseis que só terão retorno se o mundo fracassar na luta contra o colapso climático".

Para o especialista, a região abriga "ecossistemas únicos como o grande sistema recifal amazônico e mais de 80% dos manguezais do país, berços da pesca, da segurança alimentar e do sustento de milhares de famílias".

A expectativa das petroleiras fundamenta-se não apenas no potencial da Margem Equatorial de produzir até 10 bilhões de barris, segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mas também na possibilidade de replicar o modelo de sucesso da Guiana.

As descobertas no bloco Stabroek transformaram o pequeno país sul-americano em um dos principais produtores de petróleo do continente, atraindo investimentos de dezenas de bilhões de dólares.

As implicações, porém, vão além da perfuração exploratória em blocos individuais.

Como observou Capobianco, "por trás dessa discussão sobre um poço exploratório, está a viabilidade de toda uma licitação e, portanto, de um modelo energético para o futuro do país".


Detalhamento dos blocos arrematados:

Setor SFZA-AP4 (1.538,03 km²):

  • FZA-M-1040: Petrobras/ExxonMobil (50%/50%) - R$ 5,27 milhões
  • FZA-M-1042: Petrobras/ExxonMobil (50%/50%) - R$ 5,27 milhões

Setor SFZA-AP3 (6.111,51 km²):

  • FZA-M-405, 473, 475: Chevron/CNPC (50%/50%) - R$ 184,6 milhões
  • FZA-M-477, 547, 549, 619, 621: Petrobras/ExxonMobil (50%/50%) - R$ 119,6 milhões

Setor SFZA-AP2 (8.662,79 km²):

  • FZA-M-188, 190, 403: Petrobras/ExxonMobil (50%/50%) - R$ 130,95 milhões
  • FZA-M-194, 196, 265, 267, 334, 336: Chevron/CNPC (65%/35%) - R$ 397,6 milhões
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