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Financiamento caiu para US$ 26 bi em 2023 enquanto necessidade chega a US$ 310 bi anuais (Freepik)
Repórter de ESG
Publicado em 30 de outubro de 2025 às 17h30.
Última atualização em 30 de outubro de 2025 às 18h10.
Frente aos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, se adaptar a nova realidade se tornou questão de sobrevivência. Mas nem todos países conseguem: faltam recursos — e aqueles que menos contribuem com as emissões são os que mais "pagam a conta" das mudanças do clima.
A poucos dias da COP30, um novo relatório da ONU alerta para essa lacuna: países em desenvolvimento enfrentam um 'gap' de US$ 284 bilhões (R$ 1,53 trilhão) a US$ 339 bilhões ( R$ 1,82 trilhão) por ano no financiamento para adaptação climática — entre 12 e 14 vezes mais do que os fluxos atuais.
O cenário ficou ainda mais crítico em 2023, quando os fluxos internacionais de recursos públicos para adaptação caíram de US$ 28 bilhões (R$ 151 bilhões) para US$ 26 bilhões (R$ 140 bilhões) e se registrou a primeira redução drástica em anos.
Ao mesmo tempo, a necessidade ultrapassa os US$ 310 bilhões anuais ( R$ 1,67 trilhão) até 2035, podendo chegar a US$ 365 bilhões (R$ 1,96 trilhão) quando se consideram as demandas dos planos nacionais de cada país.
"O sinal vermelho já acendeu. A queda em 2023 aconteceu antes de qualquer mudança na administração americana. Se o dinheiro começou a secar ainda num contexto político favorável, o que vem pela frente deve preocupar", destacou Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Segundo a especialista, Belém precisa ser o ponto de virada para que o mundo reaja e dê uma sinalização positiva de que o financiamento irá aumentar. Caso contrário, "daremos marcha a ré", disse.
A agenda é uma das prioridades da presidência da COP, que dedicou a oitava carta à comunidade internacional integralmente ao tema e com a meta de triplicar os fundos para adaptação.
O documento estabelece três focos na grande conferência do clima: fortalecer o multilateralismo, aproximar o regime climático da vida cotidiana das pessoas e acelerar a implementação dos compromissos assumidos.
"À medida que a era dos alertas dá lugar à era das consequências, a humanidade se depara com uma verdade profunda: a adaptação deixou de ser uma escolha", escreveu o embaixador e presidente da COP30, André Corrêa do Lago.
As autoridades deixam claro que os recursos devem vir tanto de frentes públicas como privadas, além de contar com mecanismos financeiros inovadores.
Por outro lado, há uma preocupação em "não se aumentar o fardo da dívida das nações vulneráveis", destacou Inger Andersen, diretora-executiva do PNUMA.
"Mesmo em meio a orçamentos apertados e prioridades concorrentes, a realidade é simples: se não investirmos em adaptação agora, enfrentaremos custos crescentes a cada ano."
A ONU também estima que o potencial do setor privado nas prioridades nacionais de adaptação é de US$ 50 bilhões anuais ( R$ 269 bilhões), comparado aos fluxos atuais de cerca de US$ 5 bilhões (R$ 27 bilhões).
Para atingir esse patamar, a organização cobra por ações políticas direcionadas e soluções financeiras combinadas, com financiamento público concessionário usado para reduzir riscos e atrair capital das empresas.
No Brasil, onde 87,4% da população vive em áreas urbanas e 92% dos municípios já foram atingidos por desastres climáticos desde 1991, o governo federal acaba de anunciar que apresentará na COP30 o Projeto AdaptAÇÃO, coordenado pelo Ministério das Cidades.
A iniciativa prevê apoio técnico e científico a pelo menos 50 municípios vulneráveis, com perspectiva de expansão para mais 90 cidades.
O foco será na assistência especializada para que prefeituras revisem instrumentos urbanísticos e incorporem a variável climática no planejamento territorial.
"O AdaptAÇÃO evidencia que o Brasil está preparado para integrar ciência, planejamento e participação social em uma política de adaptação robusta, capaz de fortalecer nossas cidades frente à crise climática", escreveu em nota nesta quinta-feira, 30, Carlos Tomé Júnior, secretário nacional de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do Ministério das Cidades.
Se a taxa de inflação da última década for projetada até 2035, o financiamento necessário para adaptação climática nos países em desenvolvimento salta de US$ 310-365 bilhões (R$ 1,96 trilhão) para US$ 440-520 bilhões anuais (R$ 2,80 trilhões). Segundo especialistas, isso torna a lacuna atual ainda mais preocupante.
O relatório conclui ainda que o planejamento e a implementação de estratégia para adaptar as cidades estejam melhorando, mas a velocidade de recursos não acompanha o ritmo da intensificação dos impactos climáticos.
"As pessoas estão mais vulneráveis em todo mundo e expostas ao aumento do nível do mar, tempestades mortais e calor escaldante", afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
"A adaptação não é um custo – é uma tábua de salvação."
Se as tendências atuais não mudarem rapidamente, a meta do Pacto Climático de Glasgow firmado na COP26 de dobrar o financiamento público internacional de adaptação dos níveis de 2019 para aproximadamente US$ 40 bilhões (R$ 215 bilhões) até 2025 não será alcançada.
O roteiro Baku a Belém busca chegar aos US$ 1.3 trilhão necessários para driblar os efeitos mais severos do clima. O acordo na última COP29 em Baku estacionou em 300 bilhões ( R$ 1,61 trilhão) e a "bola ficou quicando" para o Brasil. Atualmente, se estima que apenas 1/3 do total do financiamento vá para adaptação.
Segundo os pesquisadores, a nova meta é insuficiente por dois motivos: engloba tanto mitigação quanto adaptação, o que reduz a parcela destinada à segunda; e não considera a inflação projetada para a próxima década.
Mas há alguns sinais positivos no planejamento: cerca de 172 países têm pelo menos uma política, estratégia ou plano nacional de adaptação em vigor, com apenas quatro países sem.
Por outro lado, 36 desses possuem instrumentos desatualizados ou que não foram revisados há pelo menos uma década.
Nos relatórios bienais de transparência apresentados no âmbito do Acordo de Paris, as nações relataram mais de 1.600 ações de adaptação implementadas, principalmente em biodiversidade, agricultura, água e infraestrutura.
Porém, poucos estão reportando resultados e impactos reais, necessários para avaliar a eficácia das medidas.
Já o apoio a novos projetos no âmbito do Fundo de Adaptação, do Fundo Global para o Meio Ambiente e do Fundo Verde para o Clima cresceu para quase US$ 920 milhões ( R$ 4,9 bilhões) em 2024, um aumento de 86% em relação à média de US$ 494 milhões ( R$ 2,7 bilhões) entre 2019 e 2023.
No entanto, a ONU alerta que pode ser apenas um pico temporário, com restrições financeiras emergentes tornando o futuro incerto.