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Florestas: no Brasil, a dificuldade nas demarcações de terras indígenas é histórica (Havita Rigamonti/Imazon/Ideflor/Reprodução)
Agência de notícias
Publicado em 5 de dezembro de 2023 às 09h45.
O Brasil apresentou na COP28 uma iniciativa bilionária para proteger as florestas tropicais, que pretende unir forças com outros governos, mas desperta cautela entre o principais guardiões da biodiversidade: os povos indígenas.
Promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Dubai, a proposta consiste basicamente na criação de um fundo internacional que premiaria os países por cada hectare de floresta conservado, mediante uma verificação internacional.
O fundo, que beneficiaria 80 países, deve começar com US$ 250 bilhões (R$ 1,22 trilhão na cotação atual).
Os países candidatos não podem exceder uma porcentagem máxima de desmatamento anual. A cada hectare desmatado em excesso, o país sofreria uma penalidade ou desconto equivalente a 100 hectares preservados. O monitoramento deve ser transparente e adotado mutuamente por investidores e beneficiários.
"Realmente é uma iniciativa muito ousada", reconhece Cristiane Julião, uma indígena pankararu e dirigente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Mas o Brasil enfrenta há décadas o problema da demarcação das terras indígenas, lembra esta ativista à AFP. "A gente já vem tendo acordos que estão feitos, são pactuados, mas não são executados", diz a líder.
O desmatamento é, ao mesmo tempo, um vetor e uma consequência das mudanças climáticas. A Terra perdeu uma área de floresta tropical virgem equivalente a um campo de futebol a cada cinco segundos em 2022, segundo um estudo do World Resources Institute (Instituto de Recursos Mundiais, WRI na sigla em inglês) de junho deste ano.
Os 41.000 km2 cortados ou queimados no ano passado equivale à superfície da Suíça ou Holanda.
O papel dos povos originários é essencial para proteger essas florestas, reconheceram as cúpulas climáticas da ONU (COP) desde o Acordo de Paris de 2015. Segundo a ONU, 80% da biodiversidade planetária se encontra em áreas onde há presença indígena. Mas a conservação é uma prerrogativa de cada Estado signatário dos acordos climáticos.
A iniciativa brasileira "é uma boa ideia (...) mas precisamos encontrar uma maneira para que as florestas atraiam investimentos que possam competir com os investimentos maléficos", explica à AFP Joseph Itongwa Mukumo, indígena bambuti da República Democrática do Congo.
O sistema de créditos de carbono, pelo qual as empresas podem compensar emissões de gases de efeito estufa (GEE) mediante o reflorestamento ou a entrega de dinheiro a comunidades indígenas, gera muita polêmica.
A luta contra a mudança climática está gerando uma combinação inédita de fundos privados e públicos que representa uma novidade explosiva para populações muito desprotegidas, culturalmente e financeiramente, advertem especialistas.
"Não queremos florestas fechadas, como áreas protegidas e as populações vivendo fora delas", adverte Itongwa Mukumo, representante na COP28 da rede de organizações indígenas africanas Repaleac.
O primeiro passo, acreditam os ativistas presentes na COP28, seria repartir títulos de propriedade entre as comunidades. Mas isso esbarra em realidades legislativas muito diferentes em cada país. Um pedaço de floresta é propriedade dos indígenas que a habitam ancestralmente ou do conjunto de cidadãos de países que surgiram da descolonização?
Há dois anos, na COP26 de Glasgow, governos ocidentais e instituições privadas como a Fundação Ford anunciaram um fundo de US$ 1,7 bilhão (R$ 9,48 bilhões na cotação da época) para ajudar os indígenas a lutarem por essas posses em todo o mundo.
Dois anos depois, aproximadamente a metade do fundo já foi desembolsada. Mas apenas 2,1% foram diretamente destinados aos indígenas no terreno, reconhece o balanço apresentado na COP28.
Há problemas burocráticos e faltam organizações com preparação adequada sobre o terreno, explica à AFP Kevin Currey, gestor de programas da divisão de recursos naturais da Fundação Ford.
"Os sistemas dos doadores são complicados, as nossas organizações são burocráticas e lentas. E não é uma tendência que pode mudar da noite para o dia", admite em entrevista à AFP.
"Os esquemas de financiamento desenhados nos últimos 30, 40 anos foram construídos sem a nossa participação", critica Levi Sucre Romero, indígena costarriquenho bribi.