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Christopher Marquis: América do Sul e Europa estão na vanguarda do sistema B (Cornell University/Divulgação)
Há cinco décadas, o economista americano Milton Friedman disse uma frase que marco época no mundo corporativo. “The business of business is business.” Era uma forma de expressar que as empresas só se importavam com seus lucros, dando pouca atenção aos impactos de outras ordens, como ambiental e social.
Para marcar a data, a coalizão Imperative21, quem tem como objetivo um reset no capitalismo, promove uma mobilização global no domingo, 13. A ideia é provocar a reflexão sobre a necessidade de mudar o sistema econômico e dar apoio aos líderes de empresas, para que comecem a agir. A iniciativa deve atingir grandes megalópoles, como Nova York, Londres e São Paulo.
Entre os grupos que compõem a coalizão, estão entidades como o B Lab, ligado à causa do Sistema B. O objetivo do sistema é promover um desenvolvimento sustentável e equitativo, o que é feito por meio da certificação de empresas após uma rigorosa análise de suas práticas junto às comunidades e ao meio ambiente, entre outras.
Com início em 2006, nos EUA, o movimento das empresas B vem ganhando cada vez mais força globalmente. A iniciativa é tema do livro Better Business – How the B Corp Movement Is Remaking Capitalism (ou Negócio Melhor – Como o movimento das empresas B está reconstruindo o capitalismo, em tradução livre), de Christopher Marquis, professor da Universidade Cornell, nos EUA.
Atualmente em pré-venda, o livro será lançado também no domingo, 13, e será terá versão brasileira, em data ainda indefinida.
Em entrevista exclusiva à EXAME, Marquis falou sobre os avanços da responsabilidade social no mundo corporativo, dando ênfase, sobretudo, ao foco excessivo que algumas empresas têm em operar visando o lucro dos acionistas, dando menos importância a outros stakeholders.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
e. Há 50 anos, Milton Friedman disse a frase “The business of business is business” — uma crítica ao fato de que as empresas focavam apenas em aumentar lucros, sem olhar para a responsabilidade social. Como você entende esta frase e como acha que os negócios evoluíram nas últimas cinco décadas?
Acredito que o Friedman falava sobre como as empresas estavam meramente focadas em gerar valor aos acionistas. Nos últimos 50 anos, particularmente, acho que os EUA foram o pior caso. As companhias desenvolveram programas de stock options para presidentes, fazendo com que as lideranças tivessem foco apenas nos acionistas. Esse tipo de iniciativa realmente minimizou o comprometimento com outros stakeholders, sejam eles funcionários, a comunidade ou o meio ambiente.
Isso era muito diferente nos EUA, por exemplo, nas décadas de 1950, 60 e 70. As empresas eram profundamente comprometidas com as comunidades, sendo atores muito mais responsáveis, entregando, por exemplo, pensões generosas aos trabalhadores. A partir de 1970, o jogo começou a mudar, e este foco exagerado nos acionistas teve consequências duras, como um aumento dramático da desigualdade econômica. Se, há 50 anos, um CEO ganhava 25 vezes o salário de um funcionário regular, hoje este valor está próximo de 400 vezes.
e. Você diria que está atenção centrada nos acionistas é o principal problema dos negócios e do capitalismo hoje?
Sim, e este é o tema principal do meu livro. Isso ocorre particularmente nos EUA, mas se espalhou por outros lugares. Talvez o Brasil, que tem empresas maiores, geralmente comandadas por famílias, tenha uma melhor orientação a longo prazo do que vemos em Wall Street – onde, realmente, o foco é em acionistas. E é isso que nos levou a problemas sistemáticos que vivemos globalmente, como a crise ambiental e a desigualdade salarial.
e. Como você acha que o movimento de empresas B pode impactar o mundo?
Vejo que isso pode ocorrer por duas vias, que podem auxiliar no reequilíbrio dos sistemas econômicos, levando as companhias a ser mais orientadas pelos stakeholders. Primeiro, pela governança. Empresas devem mudar seus modelos de trabalho para ter um comprometimento reconhecido com a comunidade, os funcionários, etc. Seria uma mudança do DNA das organizações, o que é muito importante.
Outro impacto é o fato de que, para obter uma certificação, as companhias devem passar por uma avaliação do sistema B, que analisa, com muito rigor, a performance da empresa em relação ao meio ambiente, à comunidade, aos trabalhadores, à governança e a outros elementos. Isso é algo observado pelo sistema B, e até mesmo pelas auditorias, garantindo que as corporações estão autenticamente focadas nos diversos stakeholders.
Existem questões como o greenwashing, que é quando uma empresa comunica sua responsabilidade ambiental, mas não tem ações concretas no tema. Acho que o movimento de empresas B, com essa avaliação rigorosa, vai mostrar que empresas estão falando a verdade.
e. Você acredita que as empresas veem este movimento como algo bom para elas também, e não apenas para a sociedade?
Eu entendo que exista esta tensão. De maneira geral, se a sociedade, as comunidades e os trabalhadores vão bem, uma empresa vai bem também. Há muitos estudos acadêmicos mostrando que o foco nos stakeholders faz com que a empresa seja mais sustentável – inclusive financeiramente.
Além disso, enquanto escrevia o livro, entrevistei quase uma centena de representantes de empresas certificadas pelo sistema B. A grande maioria apontou que a busca pela certificação fez com que as companhias se tornassem um negócio melhor em sua integralidade, não apenas nos aspectos social e ambiental. É por isso que o título do meu livro é “Better Business” [algo como “Negócio Melhor”; o livro ainda não tem título oficial em português]: porque se tornar empresa B é, realmente, tornar-se um negócio melhor.
O Larry Fink, investidor americano à frente da Black Rock, tem publicado cartas sobre a necessidade das companhia em se tornar mais orientadas pelo propósito e pelos stakeholders. Isto é, de alguma forma, o que ele sugere também. Acompanhar as métricas de ambiente, de sustentabilidade, ter uma gestão melhor. Acredito que estes fatores levam as organizações a negócios, em geral, muito mais viáveis.
e. Como você avalia o movimento das empresas B no Brasil e na América do Sul?
Para mim, a América do Sul e a Europa são o futuro do movimento por duas razões. Primeiro porque é onde encontramos negócios maiores, e com orientação de longo prazo. No Brasil, por exemplo, temos a Natura, que tem sido um modelo para muitas outras empresas mundo afora. Antes mesmo de eu começar a estudar o movimento B, ouvi que a Natura tinha foco em sustentabilidade, com reportes e métricas. E, agora, a empresa adquiriu a The Body Shop e a Avon. Além de ser um grupo consolidado, eles também apoiam as mulheres empreendedoras, que são, na realidade, quem vende seus produtos.
A América do Sul foi a primeira região fora dos EUA a adotar o modelo B, e de forma muito inteligente. Foi criada uma ampla rede de outros atores, como consultores e especialistas acadêmicos, para ampliar a adesão ao movimento, fazendo tudo ser mais orgânico. A estratégia faz sentido, porque se você tem um contato com a academia, você está próximo à nova geração de líderes.
e. Você mencionou América do Sul e Europa como regiões em que o sistema B despontou. O que você diria sobre a Ásia, que tem grande força econômica atualmente?
Acredito que a Ásia ainda esteja em uma fase inicial de seu desenvolvimento. Uma das minhas grandes áreas de pesquisa é a sustentabilidade na China – e tenho estado muito envolvido com o crescimento do movimento B por lá. Eles têm pouco mais de 20 empresas certificadas hoje, além de outras em Taiwan e Hong Kong.
A questão é que o sistema B tem uma certa capacidade de certificação. Os líderes da América do Sul puseram muita energia neste processo, assim como a Europa e o Reino Unido, e até mesmo a Austrália. Mas, na Ásia e na África, as coisas andam mais lentamente, o que acredito ser apenas uma questão de tempo. O entusiasmo que vejo é tremendo.
e. O que você aprendeu durante o processo de criação do seu livro?
Posso dizer que tirei dois aprendizados da escrita do livro. O primeiro é esta ideia, mencionada anteriormente, de que os empreendedores que passaram pelo processo de certificação melhoraram seus negócios de maneira geral.
O segundo é a necessidade de acompanhar a evolução. Para mim, a não ser que você consiga realmente medir, acompanhar e reportar as ações, é muito difícil saber se a empresa está mais sendo mais orientada pelos stakeholders ou não. E é também muito difícil pensar como uma empresa pode mudar seus modelos de trabalho sem um sistema para apoiar a transição. É claro que é possível dar mais benefícios aos empregados, doar um dinheiro aqui e ali, mas é o sistema B quem realmente dá o caminho para um negócio mais sustentável.