Celso Athayde, da Favela Holding: “Usamos toda a nossa expertise na última milha e contamos com a logística de longas distâncias da Luft" (Douglas Jaco/Divulgação)
Rodrigo Caetano
Publicado em 12 de maio de 2022 às 08h00.
Última atualização em 12 de maio de 2022 às 08h47.
A pandemia gerou uma onda de solidariedade que multiplicou as doações no Brasil. Em dinheiro, o valor ultrapassou os 6 bilhões de reais só em 2020, mais do que o dobro da média anual. Toda essa generosidade, no entanto, gerou um gargalo logístico. Com tudo parado, como fazer para que a comida e os produtos doados chegassem a quem precisava?
O problema principal estava na chamada última milha, o pedacinho do caminho que vai do centro de distribuição até o consumidor. Nas favelas, por exemplo, há dificuldades intrínsecas, como a falta de um padrão de numeração das casas, ou mesmo a inexistência de um endereço -- atualmente, existem 17 milhões de brasileiros sem um endereço formal. Só se localiza quem conhece a lógica do local.
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Desse desafio surgiu uma parceria que, hoje, se transforma em um negócio. A Favela Log, empresa logística focada em favelas, e a Luft, uma das maiores operadoras logísticas do país, anunciam nesta quinta-feira, 12, a criação de uma joint venture que buscará atender as mais de 5 mil comunidades existentes no Brasil. Serão investidos 7 milhões de reais na companhia, que se chamará Favela LLog, com um “L” a mais de Luft.
“No início da pandemia, criamos uma união perfeita”, afirma Luciano Luft, presidente da Luft. “A Luft ganhava as estradas e o time da Favela Log respondia pela última milha. Me impressionou muito o trabalho deles em comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e favelas desse Brasil”. Esse trabalho também contou com a participação da Central Única de Favelas (Cufa), organização social presente em quase todas as favelas do país.
Para Celso Athayde, fundador e CEO da Favela Holding, grupo de empresas criadas em favelas do qual a Favela Log faz parte, a parceria com a Luft também se mostrou efetiva na crise humanitária provocada pelas fortes chuvas do final do ano passado e começo deste ano. As duas empresas distribuíram 800 milhões de reais em produtos nos locais atingidos. “Usamos toda a nossa expertise na última milha e contamos com a logística de longas distâncias da Luft. O resultado foi o que o Brasil testemunhou nos diversos programas de distribuição de alimentos”, diz Athayde.
O empresário criou a Favela Log em 2014, a partir de um acordo com a P&G. A empresa passou a atender outras grandes companhias, como a Natura, que já distribuiu em favelas mais de 3,5 milhões de produtos. “Trabalhamos com a Favela Log no Rio de Janeiro desde novembro de 2016. Hoje, estamos em 112 favelas com nível de efetividade de 98,5%, em vendas diretas e comércio eletrônico”, afirma Raphael Duarte, coordenador regional de logística da Natura.
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A entrada da Natura no mercado de favelas se deu, com a Favela Log, por meio do Projeto Recomeço, da Cufa, que promove a contratação de egressos do sistema prisional. Esse também é um foco da nova joint-venture. “Esse trabalho social vai além da oportunidade no mercado. Estamos proporcionando o recomeço da vida profissional de uma mãe e pai de família, isso é muito gratificante para nós que estamos acompanhando de perto a vontade de cada um deles nessa nova fase”, afirma Kalyne Lima, copresidente da Cufa.
“Estive no sistema prisional por 10 anos, e fico feliz em contribuir com esse projeto para egressos que possam ter uma oportunidade em suas vidas”, reforça Marcivan Barreto, coordenador do Projeto Recomeço.
A expansão da Favela LLog ser dará a partir de uma nova sede, na Favela de Paraisópolis, em São Paulo. A meta é chegar às mais de 5 mil favelas onde a Cufa está presente. Para isso, o plano é de digitalizar a operação e atuar com informações em tempo real.
O mercado das favelas, que movimenta cerca de 140 bilhões de reais, segundo dados do Instituto Locomotiva, vem chamando atenção de grandes empresas. Na semana passada, a Americanas, o Google e a startup de logística Favela Brasil Xpress, em parceria com o G10 Favelas, anunciaram uma parceria para disponibilizar endereços digitais aos moradores de Paraisópolis.
Na primeira etapa do projeto foram mapeados endereços de 4 mil famílias próximos ao pavilhão do G10 Favelas. Na segunda etapa, no próximo semestre, serão levadas em consideração as famílias com compras recorrentes em e-commerces, apliando o total para 30 mil casas, até se alcançar toda a comunidade, hoje com 100 mil habitantes.
Essas famílias passam a ter seus códigos fixados na porta — assim como as placas de números residenciais — e podem usar o código para serem encontradas no Google Maps. Os endereços são gerados a partir do Plus Codes, uma tecnologia aberta e gratuita desenvolvida em 2014 por engenheiros do Google na Calfórnia, Estados Unidos. A função pode ser utilizada também para outros serviços como ambulâncias e carros de aplicativo.