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Andréa Cruz, da Serh1 Consultoria (Mariana Vieira/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 18 de novembro de 2024 às 17h08.
Última atualização em 18 de novembro de 2024 às 18h47.
Baixa autoestima, solidão corporativa e a falta de vivência empresarial: são esses os três principais sabotadores de carreiras de pessoas negras. Esses problemas, que não impactam da mesma forma quem tem o perfil padrão do mercado, são os principais impedimentos para o desenvolvimento de habilidades profissionais desta população, impactando tanto a jornada profissional quanto a saúde mental de executivas e executivos negros.
A afirmação é de Andréa Cruz, CEO da Serh1 Consultoria, consultoria especializada em gestão de carreiras, e professora convidada da Fundação Dom Cabral. Ela explica ainda, que sem programas de desenvolvimento de carreira que trabalhem essas questões, o funcionário negro até vence algumas barreiras ao entrar na organização, mas dificilmente permanece.
“Isso pode acontecer por motivos específicos, como a falta de condições para o trabalho remoto ou até o tempo excessivo de deslocamento até o local de trabalho, problemas que tradicionalmente afetam mais esta população”, exemplifica.
Queda em investimentos ESG compromete mudança
As afirmações de Andrea vêm com base em um amplo levantamento conduzido pela Serh1 Consultoria ao longo dos últimos anos, que identificou outros sabotadores muito relevantes, como a ausência de referências corporativas, a falta de networking e a de sponsorship. “Quem fala sobre você em uma mesa de discussão além da sua líder? Quem vai te defender na grande mesa das promoções?”, provoca a executiva.
De acordo com ela, o impacto na inclusão de pessoas negras no mercado pode ser escalado quando não somente a iniciativa privada, mas também a esfera pública, exercem suas responsabilidades. Seja na criação de programas, estratégias para carreira e treinamentos ou na formulação de leis e políticas públicas. A profissional pondera também, que houve algum avanço após as crises raciais internacionais e nacionais em 2020, quando as empresas destinaram grandes quantias para diversidade e inclusão, mesmo que de olho no retorno financeiro.
A CEO da Serh1 vê, contudo, uma onda de diminuição dos investimentos na área social. “Algumas empresas que investiram, não tiveram resultados e agora não querem mais investir. Outras companhias investiram, tiveram retorno, mas no momento não pretendem investir tanto quanto antes, quando a crise estava ativa”, reflete.
Quando empresas se engajam
A Serh1 Consultoria toca há dois anos, um programa anual de aceleração de carreira para mulheres negras que já ocupam posições de liderança, o Empower Black Women to Senior Leadership (EBWL), que realiza em parceria com a Women in Leadership in Latin America (WILL), organização sem fins lucrativos. A iniciativa é apoiada por dez empresas, entre as quais, Diageo, Ambev, Vivo, Bayer e Porto Açu.
Por isso, Andrea sabe bem do que fala quando reforça o fundamental papel das corporações que de fato se engajam não somente para a contratação, mas também na inclusão. Em dois anos, o EBWL impactou ou resultou em promoção de mais de 50 mulheres negras. "Na primeira edição, 42% delas tiveram movimentação de carreira. Nesta segunda, 50% passaram por mudanças de cargo", celebra.
As participantes nas turmas são funcionárias das patrocinadoras, selecionadas pelo RH de cada corporação - no último ano, o projeto ainda ofereceu três vagas sociais. A programação exige dedicação tanto das participantes, quanto de mentores, um papel quase sempre exercido por C-levels e diretores das companhias que patrocinam a iniciativa. Ao longo de onze meses, as cerca de seis horas formais de agenda mensal são divididas em workshops, mentorias e encontros presenciais ou híbridos com os presidentes.
Por ter sido desenvolvido justamente de acordo com os sabotadores de carreira identificado pela Serh1, o EBWL propõe ferramentas muito assertivas como treinamentos em networking e capacitação para conversas consideradas delicadas, como pedir aumento. E foca ainda no desenvolvimento de habilidades do futuro.
Por onde vai a melhora?
Apesar dos desafios como a queda do investimento que aponta acima, a executiva vê com otimismo a melhoria significativa no cenário corporativo de diversidade racial, especialmente nos últimos cinco anos. O que inclui as empresas passarem a incentivar a autodeclaração de raça e a criação de censos internos de diversidade, cujos números têm apontado para um crescimento de populações minorizadas nestes ambientes.
“Quando os dados mudam, significa que há mais consciência e intencionalidade em trazer programas de massa e ações afirmativas para incluir pessoas negras”, comenta. A especialista explica que esse aumento reflete acontecimentos externos, como o Caso George Floyd, que motivaram ações intencionais das companhias em relação a este tema. “Hoje enxergo um cenário mais positivo do que há 15 ou 20 anos”, disse.
A repercussão após o assassinato de George Floyd, em maio de 2020, motivou mudanças em muitos países, lembra Andréa. E em alguns casos, o reflexo é percebido até hoje. “Quem colocou energia desde o início, se dispôs a entender e a se integrar como parte da sociedade, evoluiu”, afirma. "Hoje há líderes organizacionais que contam com um letramento racial muito apurado, realidade muito distinta do que era visto há uma década", celebra.
Outro aspecto crucial, de acordo com a CEO, é o papel do setor público, de garantir legislações que assegurem equidade no mercado de trabalho. “Acredito que uma das ações de melhoria seja o reforço das políticas atuais, como a Lei da Equiparação Salarial, a construção de dados sobre os trabalhadores brasileiros e a própria Lei de Cotas, que estimulou a capacitação de pessoas negras para o ambiente corporativo”, explica.