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Anna Chaia: Da primeira incursão na American Express ao comando de um M&A histórico entre mulheres. (Leandro Fonseca/Exame)
Editora ESG
Publicado em 10 de março de 2025 às 18h06.
Última atualização em 10 de março de 2025 às 20h04.
No panorama corporativo brasileiro, poucas trajetórias são tão emblemáticas quanto a de Anna Chaia. Discreta e metódica, construiu uma carreira que a posicionou como uma das executivas mais respeitadas do país, desbravando caminhos em universos predominantemente masculinos e acumulando, ao longo das últimas décadas, posições de liderança que muitas, ainda hoje, consideram inatingíveis.
Em uma sondagem informal conduzida pela EXAME junto a executivos do mercado e especialistas em recrutamento de alto escalão, seu nome é uma quase unanimidade. Um reconhecimento que não vem do acaso, visto que sua jornada profissional reflete não apenas competência técnica, mas uma capacidade singular de equilibrar desafios pessoais e profissionais, incluindo a maternidade, que para muitas mulheres ainda representa um impasse na escalada corporativa.
Os alicerces de uma trajetória calculada
O percurso que fez de Anna a escolhida para inaugurar o especial de trajetórias femininas neste mês da mulher, em que elas protagonizam entrevistas especiais diariamente, foi estrategicamente construído, a partir do pontapé inicial na carreira aos 21 anos, quando começou na American Express.
"Foi uma escola de negócios na prática", lembra ela. "Ali entendi a importância de compreender cada aspecto da operação, de valorizar o rigor nos processos e, principalmente, de construir relacionamentos genuínos", conta Anna, cuja mãe, dona de casa que nunca trabalhou, sempre incentivou sua autonomia e independência financeira.
Anos mais tarde, em uma decisão que surpreendeu colegas e familiares, tornou-se trainee da Unilever. "Dei alguns passos para trás para dar mais passos para frente no futuro, com consistência", revela, demonstrando que o movimento aparentemente arriscado era, na verdade, uma jogada calculada.
"Construir uma trajetória coerente é fundamental. Você precisa conseguir justificar os movimentos na carreira. Por que saiu de um local? Por que foi para outro?", explica Anna, que optou pela diversificação de experiências em distintos setores como forma de ampliar sua visão de negócios.
A aposta deu certo. Em uma ascensão progressiva e sólida, chegou à direção de marketing e negócios da Natura onde, aliás, o desejo de ocupar uma presidência começou a se manifestar.
Rumo ao C-level, assumiu então a vice-presidência de marketing da Whirlpool e o comando de operações de marcas globais no Brasil. E tempos depois, fez história - para além da própria história - quando, antes de completar 40 anos, se tornou presidente das operações brasileiras da Swarovski.
De lá, assumiu também a principal liderança da L'Occitane no país e, ao deixar a marca francesa, tomou as rédeas da Samsonite para toda a América do Sul - e cravou um recorde como uma das brasileiras que mais ocuparam cadeiras de CEO no país.
O equilíbrio entre maternidade e liderança executiva
Dados da pesquisa "Women in the Workplace 2024", conduzida pela McKinsey em parceria com LeanIn.Org, revelam que a maternidade continua sendo um ponto crítico na progressão de carreira feminina.
Quando decidiu ser mãe, Anna enfrentou o que muitos consideram o maior obstáculo para executivas. Em 2001, aos 34 anos, enquanto liderava uma importante unidade da Natura e trabalhava cerca de 12 horas diárias, ela já era mãe de Lucas, então com um ano de idade.
Quatro em cada dez mulheres com parceiros relatam ser responsáveis pela maior parte ou todo o trabalho doméstico, um número que cresceu desde 2016 – enquanto mais homens afirmam compartilhar essas responsabilidades de forma igualitária, indicando uma disparidade significativa na percepção das contribuições em casa.
"Ser mãe não foi uma escolha difícil para mim. Porém, também por trás dela teve planejamento, a certeza de que era possível e de que estava pronta para receber um filho de braços abertos", comenta Anna, que estruturou cuidadosamente sua rede de apoio. E anos mais tarde ainda encarou um sabático, pois sentiu que precisava estar mais presente para a criança.
A experiência materna influenciou diretamente sua visão de liderança corporativa. Em algumas das empresas onde atuou como presidente, Anna implementou o "dia da família", reconhecendo a importância de humanizar o ambiente profissional. "Foi fundamental mostrar ao meu filho que o trabalho representava não apenas sustento financeiro, mas realização pessoal", reflete.
Uma nova fronteira: a transição para os Conselhos
Embora alguns avanços possam ter contribuído para uma carreira feminina tão bem-sucedida - segundo a McKinsey, mulheres hoje ocupam 29% das posições de C-suite contra 17% em 2015 - Anna não escapou de alguns desafios que surgem à medida que uma nova fronteira se aproxima na evolução que poderia ser sempre natural em uma trajetória de sucesso na alta liderança: a dos Conselhos de Administração.
O segredo para vencer mais esta foi uma transição, de novo, meticulosamente planejada. "Passei a considerar ser conselheira há alguns bons anos, enquanto trabalhava com fundos de investimentos. E, quando decidi, ainda passei quatro anos trabalhando como presidente, enquanto me preparava mentalmente e profissionalmente para a transição", detalha.
A preparação envolveu formação específica, certificações e uma reorientação cuidadosa de sua rede de contatos profissionais. "Foi importante entender quais competências minhas seriam mais significativas considerando os setores em que atuei. Também passei a cultivar melhor a rede de relacionamentos que possuía, fazendo encontros semanais com diversos públicos — o que garantiu indicações para os processos seletivos", analisa Anna.
E incluiu ainda, aceitar cadeira em Boards não remunerados. "Esta é uma ótima oportunidade para um início ou para quando chega um momento em que você se questiona sobre o give back, o que você pode fazer pró-bono, com base em tudo que conquistou", explica.
Atualmente, Anna Chaia é vice-presidente do Conselho da Azzas 2154, holding formada pela fusão entre Arezzo&Co e Grupo Soma, que resultou no maior conglomerado de moda da América Latina - mais um dos setores onde mulheres na alta liderança são minoria.
Já carimbou o passaporte de conselheira, porém, com passagens pelos boards da Zamp (antiga Burger King), onde permaneceu por três anos e meio, Vivara onde ficou por cinco anos, Espaçolaser e Pura Vida, com dois anos de atuação em cada.
E ainda divide o tempo entre o Comitê Consultivo de Varejo da Madeira Madeira, o Conselho da Care e mentorias que presta voluntariamente, quando consegue, para quem a procura.
Protagonismo não planejado num M&A totalmente feminino
Foi no espaço "pró-bono" da agenda pessoal, que em julho de 2022 abriu espaço para um almoço com Patricia De Divitiis e Luciana Navarro, fundadoras da Care, marca de beleza limpa. "Na época elas pensavam em montar um conselho consultivo, pediram minha opinião, e não recomendei (o Conselho)", relembra. "Nem sempre um conselho estruturado, com múltiplas opiniões e expertises ajudam startups a dar o próximo passo."
Em contrapartida, a executiva se propôs a atuar como consultora exclusiva para a estratégia de futuro da empresa. O trabalho envolveu a elaboração de um plano quinquenal minucioso, com acompanhamento próximo de cada etapa, que incluiu a implementação de uma cultura focada em resultados, desenvolvimento de equipes de alta performance, construção de reputação corporativa e criação de um pipeline de inovação rentável.
"Não foi do dia para a noite, como alguns me perguntam", esclarece. "O sonho da CARE sempre foi conquistar o mundo com o propósito de Beleza Limpa e pilares de ESG que nasceram das cabeças e corações de suas fundadoras."
Vieram depois as reuniões com potenciais compradores e fundos, duas ofertas concretas e algumas especulativas. No processo decisório, Anna destaca um aspecto frequentemente subestimado em negociações desse porte: "O que pesou foi a sinergia de valores, traduzindo o fit entre founders, algo que boutiques de M&A e fundos menosprezam a importância."
Foi a aproximação com a Granado, liderada por Sissi Freeman, descrita por Anna como "um encontro de almas", que levou a melhor. E resultou, então, numa das mais emblemáticas aquisições no setor de beleza em 2024.
"Desde o primeiro café na CARE até a visita à fábrica da Granado em Japeri, Rio de Janeiro, parecia que elas já se conheciam há muito tempo", descreve. Após três meses de due diligence e negociações contratuais, o acordo foi concretizado e anunciado em dezembro de 2024 - firmado e conduzido, em totalidade, por mulheres, sob a liderança de Anna.
O legado para o amanhã
Em um cenário onde a pesquisa da McKinsey aponta que, no ritmo atual, seriam necessários 48 anos para que a representação de mulheres na liderança sênior reflita sua proporção na população, Anna Chaia contribui para encurtar esse horizonte.
E não somente pela trajetória que faz parecer o caminho possível, mas pela franqueza com que aborda e encara os desafios e dilemas exclusivos às mulheres, com que também precisou lidar."Mulheres têm uma grande dificuldade, inclusive de dizer não para algumas ofertas que aparecem. De conselho com remunerações totalmente fora do normal ao básico aceitável", comenta, sobre valoração do trabalho.
"E muitas aceitam porque acham que é a única oportunidade que vai aparecer", observa, antes de enfatizar: "Isso eu sou terminantemente contra. Acho que depois que passou a fase inicial de aprendizado, você não pode persistir e aceitar uma precificação de remuneração que é abaixo do razoável. Isso é uma dificuldade enorme que ainda percebo."
Além de sua presença em empresas consolidadas, dedica parte significativa de seu tempo à orientação de startups e scale-ups. Desde 2019, atua como Advisor na Endeavor, tendo mentorado mais de 50 empresas emergentes na América do Sul.
Para as novas gerações de líderes, especialmente mulheres, enfatiza três elementos fundamentais: "Primeiro, construir uma trajetória consistente; segundo, criar conexões genuínas - não apenas quando há um interesse por trás; e terceiro, manter a humildade para seguir aprendendo, independentemente do cargo ou idade."
Quanto ao avanço das mulheres em posições executivas, Anna mantém-se otimista. "Vejo hoje um ambiente muito mais receptivo para elas do que quando iniciei minha carreira. As jovens demonstram imenso talento, e é notável a confiança e o espaço que já conquistaram no mercado", reflete, com a experiência de quem testemunhou - e ajudou a construir - décadas de mudanças no mercado corporativo brasileiro.