Poluição: 32% de todo o volume de embalagens plásticas no mundo vai parar nos oceanos (Romeo Ranoco/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 4 de maio de 2022 às 10h04.
Economia do mar ou economia azul (blue economy) não é algo que se ouve tanto no Brasil quanto agropecuária, indústria de bens de consumo ou serviços, apesar de o país ter uma costa com quase 11 mil quilômetros de extensão. Os oceanos cobrem 71% da Terra e contêm 99% do espaço habitado por vidas no planeta. Isso dá a dimensão de seu potencial.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que a economia oceânica crescerá para US$ 3 trilhões até 2030. Apesar disso, com exceção de países nórdicos e do Japão, poucos se preocupam em mensurar as atividades econômicas marinhas, entender seu potencial e se preocupar com a sustentabilidade dos oceanos.
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Thauan Santos, professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) e um dos fundadores — e atual coordenador — do Grupo Economia do Mar (GEM), é um dos poucos que estudam a fundo a temática no Brasil. A pós-graduação na qual leciona, por exemplo, é a única em estudos marítimos do país.
Nesta entrevista, ele explica que os problemas vão além de canudinhos em narizes de tartarugas. E que as oportunidades de negócio são pouco comentadas. “É necessário ampliar o conhecimento de empreendedores e financiadores sobre os potenciais do setor, seja por sua relevância em termos de agregação de valor, seja pela criação de empregos”, diz. Leia trechos da entrevista:
A economia do mar pode ser entendida como a nova fronteira da economia no século XXI. A diversidade de setores econômicos que depende direta e indiretamente dos mares e oceano, bem como a riqueza de recursos vivos e não vivos, renováveis ou não, no ambiente marinho já são objeto de amplo interesse, pesquisa e investimento em diferentes países do mundo.
Embora muito se fale do consumo de plástico, que é uma ameaça real à sustentabilidade e à vida marinha, é imprescindível entender que os mares e o oceano são, frequentemente, “a ponta” de diversas atividades econômicas (que resultam no) despejo de rejeitos de diferentes processos produtivos. É por isso que, no atual contexto da Agenda 2030 e da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), ambas promovidas pela ONU, a sustentabilidade da economia do mar tem sido tão buscada.
De acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos EUA, 80% da poluição marinha vêm da terra. Dentre as atividades mais poluentes e que ameaçam a vida marinha, destacam-se fertilizantes, pesticidas agrícolas, derramamentos de óleo, plásticos e esgoto não tratado.
No mundo, é crescente a discussão sobre governança do oceano, que envolve uma série de regras e atores públicos e privados, sejam eles nacionais, regionais e/ou globais. Apesar de essa discussão já ter algumas décadas, novas atividades e ameaças ampliam constantemente o desafio de regular as atividades que ocorrem para além das fronteiras nacionais. Nesse contexto, destaca-se o papel da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), assinada em dezembro de 1982.
Ainda há pouca discussão sobre o assunto. O GEM foi criado em 2019 para isso, e a Brasfi (Aliança Brasileira de Pesquisa em Finanças e Investimentos Sustentáveis) está na vanguarda do debate. É necessário ampliar o conhecimento de empreendedores e financiadores sobre os potenciais do setor, seja pela sua relevância em termos de agregação de valor, seja pela criação de empregos. Mas posso dizer que essa discussão está ganhando mais fôlego no Brasil, com o mar passando a ser objeto central de políticas públicas em escala estadual e federal. Como representante da Marinha do Brasil no “GT PIB do Mar”, coordenado pelo Ministério da Economia, destaco que fizemos avanços no último ano junto à Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM).
Estamos elaborando um conceito oficial brasileiro sobre economia do mar, bem como um método de mensuração oficial da relevância do mar na economia nacional, junto ao IBGE. Mas ainda não há previsão de quando ficarão prontos.
Por aqui, ainda associamos pouco o oceano como um meio que precisa ser pensado à luz das práticas ESG. Diferentes indústrias observam riscos e oportunidades. O setor de transporte se volta, por exemplo, para redução das emissões e consumo energético na questão ambiental (E); direitos trabalhistas, saúde e diversidade na perspectiva social (S); e, em termos de governança (G), transparência e accountability. Já a indústria de pescado está relacionada à preservação da biodiversidade e poluição local (E); segurança alimentar (S); e governança corporativa (G).
Quando falamos do oceano no contexto da economia azul, estamos já considerando seu papel-chave na questão climática, particularmente na luta contra o aquecimento global. Em fevereiro, o sexto relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) trouxe conclusões de que houve mudanças em características fundamentais das águas salgadas nos últimos anos. Com o aquecimento, a eutrofização (concentração de nutrientes) torna-se mais intensa, o que muitas vezes leva à diminuição dos níveis de oxigênio da água. Aparecem “zonas mortas”, áreas onde há baixa taxa de vida. Ações como a sobrepesca e urbanização das faixas litorâneas aumentam o estresse já presente em ecossistemas fragilizados.
Como alguns dos principais afetados, podem-se citar os predadores de topo de cadeia alimentar, praias arenosas, pântanos salgados e manguezais. O oceano absorve quase um quarto das emissões do homem de CO2, razão pela qual as zonas costeiras e marinhas desempenham papel decisivo na regulação climática.
Do ponto de vista nacional, promover clusters marítimos ao longo do litoral pode ser uma estratégia que otimiza recursos, know-how e conhecimento. Do ponto de vista das empresas, entender que a agenda da economia azul tem estreita relação com o desenvolvimento sustentável, ponto central da agenda global da ONU, pode agregar valor e criar novos nichos de mercado, inclusive pela percepção dos consumidores de que o engajamento empresarial nessas iniciativas cria valor.
Mais uma vez, é necessário que haja maior conhecimento. Há muitos setores defasados em termos de tecnologia, investimento e financiamento, que, com os estímulos adequados, têm condições de protagonizar um crescimento sustentável pós-pandêmico. Esse tipo de ruptura no modus operandi não é trivial, nem se dá de um dia para o outro, mas exige conhecimento, estratégia e visão de longo prazo.
A União Europeia é onde a discussão está mais avançada. Há uma estratégia de longo prazo para apoiar o crescimento sustentável nos setores marinho e marítimo, a blue growth (crescimento azul). Estados Unidos e China são outros que têm aproveitado as oportunidades. Vale ainda destacar o engajamento de alguns países em desenvolvimento, sobretudo Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (pequenos países arquipélagos).
Conhecimento não basta para que os setores marinhos e as atividades marítimas sejam, efetivamente, promovidos nos diferentes países e nas distintas regiões. Para tal, é essencial que haja recursos dedicados a essa finalidade, razão pela qual o setor financeiro e o crédito são fundamentais nesse processo.